As organizações de trabalhadores lutam normalmente por uma contratação coletiva mais centralizada, os representantes dos empregadores tendem a querê-la descentralizada, de preferência negociada empresa a empresa. Um braço-de-ferro para conquistar mais poder nas relações laborais. No entanto, em Portugal, os patrões não se comportam como seria de esperar. Nos últimos anos, os empregadores resistiram a tentativas de liberalização do mercado.
Essa é uma das conclusões provocadoras de um estudo de Fabio Bulfone e Alexandre Afonso, este último professor na Universidade de Leiden, que respondeu a algumas perguntas da VISÃO. O paper foi escrito em 2017 e será publicado este ano, concentrando-se nas reformas laborais do período da crise em países do Sul da Europa. Escrevem os académicos:
As organizações empresariais têm-se apresentado como fortes promotores da liberalização das relações industriais na Europa. Este paper, por contraste, argumenta que as preferências dos empregadores em relação à liberalização são heterogéneas e mostra como as confederações em Espanha, Itália e Portugal têm resistido a reformas do governo para liberalizar a negociação coletiva durante a crise da Zona Euro.
Na Alemanha, alguns segmentos empresariais favorecem um salário mínimo mais alto e foram observadas tendências semelhantes na Áustria e na Suíça, mas estes países mediterrânicos partilham algumas caraterísticas que intensificam esta antipatia face à liberalização. As empresas do Sul da Europa são tendencialmente mais pequenas e os patrões manifestam frequentemente o desejo de maior regulação. Como diz um dos entrevistados pelos autores, “o mercado pode tornar-se um pouco selvagem”.
Em certas circunstâncias, um Estado musculado é bem-vindo pelos empregadores. “As empresas querem uma carga fiscal pequena, mas também uma certa ordem no mercado: querem um Estado pequeno, mas um Estado que é capaz de disciplinar as empresas que não respeitam certas regras”, explica Alexandre Afonso, à VISÃO.
O conservadorismo das confederações patronais portuguesas não se esgota na contratação coletiva e chega até à dimensão do Estado. “No caso de Portugal, também havia uma certa apreensão em certos sectores de que uma redução drástica na despesa pública poderia ter um efeito negativo nas empresas, já que uma parte importante delas depende de contratos públicos, por exemplo na construção.”
Além da dimensão das empresas e, à falta de melhor palavra, da “cultura empresarial” do País, vale a pena questionar também as motivações institucionais destas organizações. “De um lado, há a importância concreta de regular o mercado do trabalho, mas a negociação coletiva e intervenção pública também são a razão pela qual as associações patronais existem”, acrescenta Alexandre Afonso.
Medidas copy-paste
E o que nos dizem estas conclusões sobre os programas de ajustamento? Afinal, eles foram desenhados para dar mais margem de manobra às empresas, mas os patrões parecem desejar um limite de velocidade aplicado a todos. Isto sugere que algumas das medidas dos programas, ou mesmo certos projetos de reforma de iniciativa nacional, podem não estar corretamente adaptados à realidade empresarial do País. Achando que estão a ajudar as empresas, podem não estar a facilitar a sua atividade.
“Muitas vezes, os programas de ajustamento eram um copy-paste que não era adaptado às condições locais, mas também não consideravam a realidade política e a influência dos atores coletivos”, diz Alexandre Afonso. “Em países onde os sindicatos estão divididos e o Estado é o ator que põe ordem no mercado, reduzir o seu papel é problemático.”
Hoje, a contratação coletiva em Portugal “voltou um pouco ao normal”, tendo começado essa normalização ainda com o governo PSD/CDS, com mexidas nos critérios das portarias de extensão (o mecanismo que alarga um acordo de contratação coletiva a todo o setor de atividade). Depois de o ter limitado em 2012, Pedro Passos Coelho voltou a facilitar a sua publicação em 2014.
Por último, não devemos deixar de lado a possibilidade de as confederações patronais já não terem a capacidade institucional para representar os interesses das empresas. Uma possibilidade que não é exclusiva de Portugal. “Torna-se difícil representar os interesses de empresas mais heterogéneas, com interesses divergentes”, refere Alexandre Afonso. “Pela Europa fora, nota-se uma fragilização da ação coletiva dos interesses económicos, que contratam empresas de lobbying em vez de agregar interesses nas associações patronais.”