Os últimos dois anos trouxeram novos motivos e formas de disrupção às empresas. Entre os desafios da pandemia, o regresso ao escritório, uma crise energética a escalar, uma guerra na Europa, e uma inflação como não se via há décadas, as organizações debatem-se com um conjunto de outras questões para as quais nem sempre é fácil encontrar uma resposta. A Unipartner, enquanto empresa de consultoria e integração de sistemas de informação, ciente das necessidades que estas sentem no presente, convidou David Schonthal, professor de inovação e empreendedorismo na Kellogg School of Management da Northwestern University, nos Estados Unidos, e co-autor do livro bestseller ‘The Human Element: Overcoming the Resistance that Awaits New Ideas’, para marcar presença no seu evento “O futuro das organizações: Pessoas, a Sustentabilidade e o Digital”. Esta iniciativa reuniu vários líderes de grandes organizações para debater o papel das mesmas e o potencial do Digital na construção de um futuro mais centrado nas pessoas e na sustentabilidade. Em entrevista, à margem do encontro de parceiros, o especialista, em conjunto com Fernando Reino da Costa, CEO da Unipartner, falaram sobre estes desafios, num contexto de ‘tempestade perfeita’, e sobre a importância que as pessoas têm no sucesso dos negócios.
Existem três grandes pilares nas organizações – pessoas, sustentabilidade e digital. Como podem as organizações olhar para eles, e de que forma podem acelerá-los interna e externamente?
David Schonthal (DS) – Podemos falar individualmente de cada desafio, mas a verdade é que, em toda a minha vida profissional, nunca vivi tempos com transformações tão profundas. Há questões culturais, mas há também mudanças ao nível macro a acontecer na saúde, na geopolítica, etc. Ou seja, a questão, em tempos disruptivos como estes, é como as organizações e os gestores devem pensar nestas mudanças e adotá-las. E, apesar de estarmos a falar de sustentabilidade, digital e pessoas, feitas as contas, é tudo sobre pessoas. Para transformar digitalmente um negócio com escala é preciso que as pessoas mudem, assim como para implementar tecnologias que contribuam para a transição energética, também precisamos de pessoas. E para as pessoas adotarem comportamentos mais sustentáveis, não falamos de uma mudança digital, mas de desafiar as pessoas a mudar. Ou seja, tudo é um desafio humano. As pessoas têm de querer mudar a forma como vivem e trabalham pelo bem comum.
Fernando Reino da Costa (FRC) – Na perspetiva da Unipartner, enquanto consultora na área do digital, não apenas para Portugal, mas globalmente, estes três desafios são muito complexos e estão todos relacionados. O digital é, para nós, o enabler tecnológico que está a transformar os negócios e a nossa vida. As pessoas fazem parte das organizações e gerir pessoas com estas mudanças a acontecer – pandemia, guerra, etc. – enquanto lidamos também com as mudanças no digital, é muito complexo. A sustentabilidade é indissociável destas transformações, e não é apenas ambiental. Basta olharmos para os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para nos apercebermos que existem também componentes económicas e sociais da sustentabilidade. As questões ambientais e sociais estão a criar problemas e a levantar novas questões na sociedade. Por isso, gerir estes três tópicos é, para nós, um desafio claro e estamos a endereçá-los em conjunto.
A dificuldade está, então, em conseguir que as pessoas mudem?
DS – Mesmo quando a situação é catastrófica é difícil mudar. Os seres humanos são criaturas de hábitos, pelo que só mudam se perceberem as vantagens da mudança.
Acredita que a pandemia alterou a forma de pensar das pessoas sobre a mudança?
DS – Sim e não. Em 1 de março de 2020, se perguntássemos às pessoas se queriam ir trabalhar para casa ou se preferiam continuar a ir diariamente ao escritório, a maioria escolheria a segunda opção. Mas, a 15 de março desse ano – 2020, com o mundo fechado, trabalhar a partir de casa passou a ser uma opção melhor do que não trabalhar. Quando o status quo deixa de ser uma opção, somos forçados a mudar. Dois anos depois, o mundo começa a voltar ao normal e quando os empregadores convidam os seus colaboradores a voltar ao escritório, muitos preferem continuar em trabalho remoto. As pessoas ganharam autonomia durante estes dois anos e não querem abrir mão dela. Nos Estados Unidos, muitas empresas estão a tentar trazer as pessoas de volta com almoços gratuitos, estacionamento grátis, mais pausas, oferecem gelados, etc., mas estão a resolver o problema errado. Para as pessoas, a questão não está nestas pequenas coisas porque elas querem manter a sensação de autonomia.
Ouvimos hoje falar muito de propósito nas organizações. Será esta uma forma de atrair e de reter talento atualmente?
DS – Sou professor numa faculdade de Business e vejo, quando os meus alunos terminam os estudos, para que organizações vão, e que carreiras escolhem. E vejo que propósito e significado é o que eles mais procuram nas organizações. No entanto, há diferenças entre o propósito ‘cosmético’ e o autêntico. Acho que há muitas organizações preocupadas em mostrar que têm um propósito e uma missão, mas acredito que os estudantes e as pessoas mais novas conseguem perceber se é real e ver a diferença entre propósito para marketing e propósito para autenticidade. Acredito que os meus alunos estão a escolher indústrias em que possam acordar de manhã e sentir-se bem em passar tempo nestas organizações. Escolhem muito a área da saúde, a social, ou a sustentabilidade, e exigem que estas empresas se preocupem com mais do que apenas o mercado e o lucro. Não sei se será uma tendência ou uma moda passageira, mas acredito que ter qualquer tipo de propósito, missão ou significado por detrás do trabalho será mais importante do que nunca.
FRC – Acho que este é o caminho a seguir. Mais uma vez, pessoas, sustentabilidade e digital são fatores-chave para as organizações reterem as pessoas, mas também uma oportunidade para alterarem a sua missão nesse sentido, incorporando na sua ação o foco nas pessoas e na sustentabilidade. Para me focar no meu core, tenho de ter estas questões como prioridade. Porque se o fizer vou atrair talento, mas também ser atrativo para outras organizações que me veem como um negócio com um sentido de responsabilidade na sociedade. Não estou apenas a lançar tecnologia no mercado, mas a tentar usar a tecnologia para o bem das pessoas, do mundo e das próximas gerações. Se puder dar exemplos de como estou a fazê-lo, isto criará um efeito positivo no mercado. Na nossa organização procuramos ver quais as iniciativas e oferta que estão a criar mais impacto nas empresas com quem trabalhamos. Um exemplo é ajudar as organizações a criar um espaço de trabalho flexível, o que também traz benefícios na redução da pegada de carbono.
DS – Se pegarmos na pirâmide de Maslow para as necessidades humanas, na base temos as necessidades básicas para se manterem vivas – comida, água, abrigo. No nível seguinte temos as necessidades funcionais – salário e benefícios, por exemplo -, e no topo as necessidades sociais – perceber o propósito de vida. Descobrimos que as melhores organizações estão a afastar-se das necessidades funcionais para focar-se nas necessidades sociais. Por exemplo, achamos que as empresas contratam funcionários, mas a verdade é que são os funcionários que contratam as empresas. Contratam-nas por razões funcionais (pelo rendimento, formação, valorização), sociais (pelo status, credibilidade e imagem) e emocionais (como é que me faz sentir?). É cada vez mais importante para atrair e reter talento.
FRC – Na Unipartner, estamos muito alinhados com esta abordagem. Aliás, no nosso evento corporativo anual, destacámos não o maior projeto em que estivemos envolvidos, mas aquele que causou mais impacto no cliente. Este impacto não é apenas inovação, mas um impacto real nas pessoas e na sustentabilidade.
Estão as novas gerações realmente focadas no propósito das organizações?
FRC – Sim, as pessoas estão focadas nos elementos da pirâmide de Maslow que o David referiu. A vertente emocional está a ganhar importância e mais peso na tomada de decisões. Nas organizações temos que mostrar que estamos empenhados em dar relevo a estas questões.
O que podem as organizações fazer em Portugal, e a nível internacional, para criar uma verdadeira cultura empresarial e para aceitar a mudança?
DS – Há várias formas de responder a esta questão. Vou começar pelo erro que as empresas cometem, por exemplo, ao querer trazer as pessoas de volta ao escritório oferendo-lhe coisas aparentemente atrativas, mas não suficientemente mobilizadoras para provocar a mudança. Os seres humanos são naturalmente adversos à mudança e, por isso, no livro que acabo de lançar, identificámos 4 atritos que bloqueiam a mudança: inércia, esforço, emoção e reação. Os empresários mais iluminados começam a perceber que, em primeiro lugar, é preciso identificar que atritos estão a impedir a mudança, descobrir a sua origem, e eliminá-los.
Por exemplo, a inércia, reflete a dificuldade de mudar formas de trabalhar ou processos. O esforço está relacionado com quão ambígua é a mudança, e quanto será necessário mudar para lidar com a mudança. A emoção, é sempre interessante porque está sempre por debaixo da superfície, o que torna mais difícil a sua perceção. A magia está em perceber, por exemplo, que a chave da transformação digital e sustentável não está na tecnologia que a suporta, mas na introdução dessas ideias de mudança de forma a minimizar o atrito que bloqueia a mudança. Aqui é que está a magia.
FRC – O desafio na nossa área de mercado não é a tecnologia, porque há muitas tecnologias, e o ritmo de transformação de digital é muito acelerado, mas a forma como envolvemos as pessoas.
Que estratégias podem ser adotadas para ultrapassar esta resistência à mudança?
DS – Depende do atrito. Uma das coisas que os líderes devem fazer é tornar as coisas mais desconhecidas em familiares. Um dos erros é quando uma coisa é nova, os
líderes quererem falar dela porque é nova e mostrar o quão transformadora é. Só o
nome “transformação digital” nunca deve ser usado, porque intimida. Cria atritos de quanto tempo vai demorar, quanto vai custar, o que vou ter que mudar no meu dia-a-
dia. É preciso explicar que a mudança será gradual para ultrapassar a inércia e expor as pessoas a ideias novas gradualmente, para que tenham tempo de habituar-se a elas. Outra coisa, que tem a ver com o esforço, é encurtar as tarefas maiores e mais laborosas e avançar em pequenos passos. Quer na transformação digital, quer na sustentabilidade ou noutro tema, as mudanças devem ser feitas em pequenos projetos. Dependendo do atrito, as soluções são diferentes, mas trata-se sempre de minimizar a dimensão da mudança.
Falando da transformação digital, que é outro desafio para as empresas, acredita que depois de dois anos de pandemia as empresas estão mesmo a mudar, e o que falta àquelas que ainda estão a percorrer esse caminho?
FRC – Em primeiro lugar, o digital está mesmo a acelerar. É uma indústria que está a arrastar todas as outras indústrias. A maior parte estão a transformar-se para serem digital based e, por isso, o digital é um driver de mudança. Aliás, durante a pandemia, o digital foi a ferramenta que permitiu manter os negócios a funcionar. Nesse período, muitos líderes acordaram e perceberam que tinham de acelerar a transformação dos seus negócios, caso contrário ficariam para trás. Os clientes agora esperam que as empresas estejam preparadas para dar resposta com o digital. Estamos a assistir a uma reforçada vontade e intenção de investir no digital porque as empresas estão a olhar para as vantagens que traz à sua organização, mas vemos também os clientes a exigi-lo.
Falando do trabalho remoto, as pessoas não tiveram opção senão ir para casa, mas muitas agora não querem voltar. Acreditam que a solução está no modelo híbrido?
DS – Acredito que sim, apesar de ainda ter passado pouco tempo. A que nível estará em cada organização, dependerá da cultura de cada uma. A pandemia foi um acelerador para uma transformação que já estava a acontecer. O trabalho remoto é também uma ferramenta de resiliência para qualquer outra disrupção que possa surgir. Quando as empresas percebem que flexibilidade os colaboradores querem, então podem começar a ajustar-se e delinear o caminho.
FRC – Neste momento, as nossas equipas vêm ao escritório ou vão aos clientes conforme as necessidades, mas tudo depende das indústrias. Em algumas não é possível ter este modelo. A chave está na flexibilidade que garanta o bem-estar dos colaboradores.
Com as pessoas mais tempo fora do escritório, de que forma podem as organizações promover uma cultura empresarial forte?
DS – Depende das empresas. No escritório, a cultura pode também não ser boa. A cultura é difícil de construir em modelo remoto, mas é fácil de manter neste sistema. Ainda assim, as organizações têm de garantir que, mesmo com um modelo remoto, arranjam formas de juntar as pessoas de vez em quando. Criar rituais, que não precisam e ser muito elaborados, mas que têm de ter significado e ser contínuos. Limitarmo-nos a transferir rituais presenciais para o online não funciona.
FRC – Na Unipartner, este é um grande desafio. E para criar uma cultura forte precisamos de inovar de forma contínua, e criar hábitos de ligar a equipa. Temos de pensar nas pequenas coisas que podem consolidar a cultura e trazê-las para a organização.
Sobre o seu livro, ‘The Human Element’, falou sobre os quatro atritos. Para que as organizações possam ultrapassá-los é fundamental ter bons líderes, treinados para fazê-lo. De que forma podem estes líderes ser preparados?
DS – Os melhores líderes, aqueles que mais facilmente podem criar estratégias para ultrapassar estes atritos, são aqueles que têm consciência da sua existência. Na nossa opinião, achamos que assim que as pessoas saibam da existência destes atritos possam vê-los facilmente nas organizações. Depois, é preciso que os líderes entendam que é mais importante estarem focados nas pessoas do que nas ideias.
Na minha perspetiva, a psicologia e os negócios não são áreas distintas. Estão até muito próximos. Os negócios são emocionais e sociais. Por isso, quanto melhor os líderes perceberem a experiência das pessoas a quem querem apresentar novas ideias, mais fácil será minimizar os atritos.
Por fim, acredito que os líderes mais atentos percebam que precisam de confiar nas suas organizações para as ajudar a fazer boas escolhas. Muitas vezes as melhores mudanças não são aquelas que são decididas no gabinete da administração e depois apresentadas às pessoas. As melhores estratégias são aquelas que envolvem as equipas e a empresa em cocriação. Convidar as equipas para participar é sempre um bom caminho para gerar boas ideias porque vão valorizar este envolvimento.
Qual é, na sua opinião, a chave para a inovação?
DS – A tolerância ao risco. A palavra inovação aparece em muitos contextos e tem, muitas vezes, pouco significado. A forma como defino inovação é uma boa ideia com impacto no mercado. E, para fazê-lo, nas organizações que realmente fazem a diferença, as pessoas têm que ter tolerância ao risco e ao erro. Depende também muito dos países e das respetivas culturas. Nos Estados Unidos há uma grande tolerância ao risco e ao erro, mas noutros, é muito diferente.
Estão as empresas portuguesas conscientes da importância da inovação para se manterem competitivas?
FRC – Todas as empresas veem a inovação como a chave para a sustentabilidade, a transformação digital, etc. Há organizações que sabem como endereçar esta questão, aceitar o risco e geri-lo. Mas, para fazê-lo, têm que encontrar a forma certa de envolver as pessoas. Vemos diferentes níveis de maturidade em Portugal. Trabalhamos com empresas que estão muito avançadas. Vemos outras que sabem que têm que fazê-lo, mas a gestão de topo ainda não está disposta a perceber o risco. Estas terão que, em primeiro lugar, entender o risco, para depois criar a mudança.
Dentro da Unipartner, de que forma estão a inovar em processos e em pessoas?
FRC – Estamos a fazê-lo de forma transversal, estimulando cada área a inovar na sua esfera de competência e estimulando todos a propor ideias. Por outro lado, temos um acelerador, o Unipartner Digital Lab, que trabalha nos três horizontes de inovação. O Digital Lab suporta a adoção de novas tecnologias em diferentes contextos, estuda tendências com o objetivo antecipar algo que provavelmente chegará ao mercado nos próximos anos. Existe sempre um pipeline de um conjunto de temas que estamos a estudar e a testar o seu valor para os nossos clientes. A acreditamos que estas abordagens criam uma cultura de agilidade e inovação, e fortalecem o nível resiliência na Unipartner, essencial para uma organização que tem com objetivo trazer inovação aos seus clientes – e esta é a nossa missão – ajudá-los a atingir e até superar os seus objetivos.