É um compromisso, uma aposta, uma declaração de intenções. A EDP quer ser cada vez mais verde e até antecipou o cumprimento de alguns objetivos, como garantir que já não usa carvão em 2025 – a tentativa de venda da central do Pécem, no Brasil, e de outras “que estão a ser estudadas”, insere-se na prossecução dessa meta –; ser totalmente verde em 2030 e ser ‘Net Zero’ em 2040. Isto significa que, daqui a menos de 20 anos, a EDP espera que toda a sua cadeia de valor cumpra os critérios ESG (e garantir o chamado Scope 3).
Para isso, a elétrica nacional anunciou o seu plano de negócios para os próximos três anos, que atualiza o apresentado em 2021, que iria até 2025. Nele, a EDP anuncia que vai investir €25 mil milhões nos próximos três anos, €21 mil milhões dos quais serão dedicados a energias renováveis.
Do valor global de investimento, 50% já está garantido, revelou Miguel Stilwell d’Andrade durante uma conferência de imprensa em Londres. “Todos os planos têm os seus riscos, e a incerteza e a volatilidade são uma constante. Temos de contar com eles ao longo dos próximos anos. Mas cerca de 50% do investimento do plano já está assegurado, o que significa que há baixo risco. E temos boas perspetivas para os 50% restantes”, esclareceria o gestor, que aproveitou o momento para reafirmar o seu compromisso com o ‘rating’ de BBB que tem garantido, e que o aumento da dívida líquida para 17 mil milhões não deverá colocar em causa.
A administração da EDP falou aos mercados – e aos jornalistas – depois de anunciar também os seus resultados relativos a 2022 (o lucro cresceu cerca de 3% para €679 milhões) e dois aumentos de capital, de mil milhões de euros cada, um deles na casa-mãe e outro na EDP Renováveis.
O primeiro, que se destina a comprar o capital da EDP Brasil atualmente disperso em bolsa (cerca de 44%), está garantido praticamente na sua totalidade [€600 milhões] pela China Three Gorges e os fundos soberanos de Abu Dhabi e de Singapura. O objetivo é retirar a empresa do mercado para conseguir geri-la de uma forma mais integrada, explicou o CEO da EDP.
“Acreditamos que faz sentido racionalizar a operação e trabalhar de forma mais integrada. Já temos a EDP Renováveis no Brasil e assim podemos otimizar as coisas. O nosso compromisso com o Brasil é inquestionável e esta operação revela isso mesmo”, justificou. Além disso, é uma operação “realizada de forma prudente, em termos financeiros, uma vez que conseguimos a maior parte do investimento. A reação dos acionistas é um bom sinal”, acrescentou ainda.
Já o aumento de capital da EDP Renováveis, que se pretende que sirva para financiar o seu crescimento, está assegurado pelo GIC, o fundo soberano de Singapura – o que reforça também os laços da elétrica nacional no nordeste asiático. Recorde-se que no início do ano passado a EDP Renováveis adquiriu a singapurana Sunseap, uma empresa de energia renovável focada em energia solar, e que opera ainda no Cambodja, na China, na Indonésia, no Japão, na Malásia, Tailândia, Taiwan e no Vietname. Isto significou, para a EDP Renováveis, a criação de um portefólio de cerca de 10 gigawatts (GW) de projetos solares na região Ásia-Pacífico. E, claro, abrir o leque na diversificação geográfica da sua operação.
Diversificação foi outra das palavras mais repetidas durante o dia, com o CEO da EDP a justificar a necessidade com a capacidade de fazer face a imprevistos. A diversificação de portefólio permite não apenas responder às alterações climáticas, mas também aos imponderáveis de cada geografia, mantendo o foco num futuro mais sustentável e contas mais sustentadas.
Portugal recebe €3 mil milhões
De acordo com o plano estratégico apresentado esta manhã, Portugal vai receber €3 mil milhões de investimento – ou seja, 12% do investimento global previsto para os próximos três anos. A representar cerca de 30% da atividade da EDP, Portugal vai ver esse dinheiro ser investido nos dois projetos de hidrogénio que estão a ser desenvolvidos em antigas centrais termoelétricas em Sines e no Ribatejo, em dois mil pontos de carregamento de carros elétricos, no parque de solar flutuante na barragem do Alqueva, e também no desenvolvimento de um projeto híbrido com 70 megawatts (MW) de solar flutuante, 70 MW de eólicas e 14 MW de solar, bem como no projeto de eólicas no mar Windfloat Atlantic.
Portugal foi um dos mercados que penalizou as contas da EDP no ano passado, com a seca severa a ter um efeito negativo nos números, mas o CEO da energética está moderadamente otimista com o arranque de 2023, afirmando que este ano está “a começar bem no que diz respeito à produção hidroelétrica”, depois de um 2022 de seca severa.
Ainda assim, lembraram Miguel Stilewell d’Andrade e Vera Pinto Pereira, durante a conferência de imprensa, os consumidores não têm sido particularmente afetados pela crise energética que se instalou muito graças à Guerra na Ucrânia.
“Os consumidores em Portugal, dado a crise energética, têm tido preços muito estáveis tendo em conta o que tem sido a crise energética na Europa e acho que isso tem sido uma prova de força do sistema energético português”, referiu o CEO. “O facto de termos muitas renováveis com preços fixos permitiu que isso acontecesse em Portugal. É muito diferente do que acontece em Espanha, por exemplo, onde o preço duplicou em alguns momentos”. Vera Pinto Pereira, administradora da empresa, recordou que os preços da eletricidade no consumidor tiveram variações na ordem dos 3%, tanto em sentido ascendente como descendente, rejeitando as diferenças de preço de “mais do dobro face a outros concorrentes de mercado” com a qual foi confrontada.
Segundo a responsável, “poderá haver momentos” em que essa diferença se verifica, mas em média os valores praticados pela EDP Comercial são muito mais estáveis e menos sujeitos a volatilidade do que outros operadores elétricos.
Em relação ao gás, cujo preço disparou no verão do ano passado com a EDP a anunciar um aumento médio de €30 na fatura, Vera Pinto Pereira esclareceu que na altura a empresa perdeu cerca de 150 mil clientes, mas que continua com mais de meio milhão de consumidores particulares ao dia de hoje.
Questionado ainda sobre o mecanismo de exceção ibérica, cuja extensão até final de 2024 está a ser estudada pelos Governantes, Miguel Stilwell d’Andrade foi perentório: “A partir do momento em que continuamos a criar exceções, começamos a fragmentar a Europa. E não temos uma Europa integrada e única. Somos a favor de um mecanismo que seja comum a toda a Europa, desde que seja estável e previsível. O mercado funciona e funciona bem. Podemos não gostar do resultado, mas ele funciona. Somos defensores de que se possa melhorar o mercado integrado elétrico europeu. Mas acho que o mecanismo ibérico começa a ser um bocado redutor”.
Política de dividendos muda
À espera de garantir um lucro entre €1,4 e €1,5 mil milhões em 2026, e um EBITDA recorrente na ordem dos €5,7 mil milhões, a EDP não vai alterar a sua política de dividendos, que prevê um rácio de payout de 60-70%, com um prémio mínimo por título de €0,20. Em relação à atividade do ano passado, o dividendo atribuído foi de €0,19 por ação.
Stilwell d’Andrade justificou esta tomada de decisão com o alinhamento com o setor, admitindo que o payout desce, mas que o estabelecimento do prémio mínimo lhe permite ser tão competitivo quanto os seus congéneres.
*A jornalista viajou para Londres a convite da EDP