A fortuna que mais cresce no mundo, neste ano, não pertence a nenhum visionário da tecnologia nem a um “Midas” dos mercados financeiros. Pertence a Gautam Adani, um industrial indiano, de 60 anos, que tem investido fortemente em portos, logística, transportes e energia. A avaliação do património do multimilionário dá conta de um crescimento de mais de mais de 50 mil milhões de dólares, em 2022, segundo dados da Bloomberg. O empresário, que começou a carreira como classificador de diamantes, tem uma fortuna estimada de 129 mil milhões de dólares. É o terceiro na lista dos mais riscos do mundo, superado apenas por Elon Musk e Bernard Arnault, de acordo com o índice da Bloomberg.
O aumento da riqueza de Adani acentuou-se desde o início da pandemia e deve-se à valorização das participações que detém em sete cotadas na bolsa indiana. Após os confinamentos que paralisaram a economia mundial, o regresso em força da procura e do consumo beneficiou as empresas que operam nos transportes marítimos, logística, aeroportos e energia. São precisamente essas as áreas dos principais pilares da fortuna do executivo indiano, que, através da sua holding familiar, é o principal acionista em várias cotadas indianas dos referidos setores. A subida a pique das ações dessas empresas resultou numa escalada do valor do património de Gautam Adani, que se destaca cada vez mais na lista dos mais ricos do mundo.
O industrial nasceu na cidade Amedabade, no estado indiano de Guzarate, que ainda hoje serve de quartel-general para as suas organizações. E foi na terra natal que Adani deu início ao erguer do seu império empresarial. Em 1981, e já depois de ter desistido da licenciatura e de ter trabalhado em Bombaim como classificador de diamantes, começou a ajudar um dos sete irmãos numa fábrica de plásticos em Amedabade. Passou a gerir as operações dessas instalações e a descobrir como funcionava o comércio global, já que tinha de assegurar o stock e as importações de policloreto de vinilo (PVC). Passados sete anos, funda a própria empresa, a Adani Exports, e dá início a uma história empresarial que, nas devidas proporções, alguns comparam à de John D. Rockefeller, que fez rios de dinheiro, no século XIX e princípio do século XX, com o monopólio que criou no petróleo.
O percurso empresarial de Adani tem sido marcado por arriscadas decisões de negócio, e também na sua vida teve de superar situações complicadas. Em 1997, foi vítima de um rapto em que os sequestradores exigiram um resgate e, em 2008, estava no Taj Hotel, em Bombaim, quando este foi alvo de um ataque terrorista. Conseguiu escapar após ter-se refugiado numa cave do edifício.
Dívida, política e monopólios
Os primeiros tempos da Adani Exports (atual Adani Enterprises) foram dedicados à importação de matérias-primas que abasteciam as indústrias do estado de Guzarate. Num negócio desse tipo, o controlo das infraestruturas de transportes é uma alavanca importante na expansão, e o império de Adani passa a alicerçar-se bastante na década de 1990, quando ganha a concessão para operar no porto de Mundra, que atualmente é o maior da Índia. A partir daí, o crescimento foi rápido. Adani começou a diversificar a atividade para o setor da energia e para fora de portas, sem receios de recorrer, de forma massiva, à dívida para acelerar a expansão. Atualmente, segundo informações da empresa, o endividamento das participadas do grupo Adani é de mais de €17 mil milhões, um valor que equivale a 3,4 vezes os lucros operacionais. Mas, segundo o Financial Times, a dívida total das empresas de Adani pode superar os 30 mil milhões de dólares.
Além do endividamento, também as ligações políticas do empresário viriam a ser essenciais para que o seu conglomerado ficasse cada vez mais forte. Em 2002, Adani foi dos poucos empresários a defender Narendra Modi, após uma onda de violência de três dias contra muçulmanos, em Guzarate, que surgiu como vingança de um incêndio num comboio que vitimou 58 peregrinos hindus. O atual primeiro-ministro da Índia era o líder político desse estado e foi criticado por ter sido complacente com esses motins e por não ter feito tudo o que estava ao seu alcance para travar a violência. O apoio ao homem que chefia o governo indiano desde 2014 foi, na altura, considerado uma opção arriscada, mas acabaria por dar frutos. Adani é um dos empresários da confiança de Modi e tem beneficiado bastante das políticas de incentivo à formação de grandes campeões nacionais empresariais.
Por exemplo, em 2018, Adani venceu a corrida na concessão da gestão de seis aeroportos na Índia, apesar de as suas empresas não terem qualquer tipo de experiência no setor. O governo flexibilizou o caderno de encargos, deixando de exigir esse critério no concurso. Seguir-se-iam mais infraestruturas aeroportuárias, em anos posteriores, e Adani rapidamente passou a controlar uma fatia considerável do mercado. Desde que Modi chegou ao poder que as empresas controladas pelo industrial passaram a ser as maiores da Índia, na gestão privada de portos, importação e mineração de carvão e produção de energia. Ravi Kant, antigo diretor-geral da Tata Motors, classificou Adani como “um mestre na arte dos monopólios modernos”, num artigo de opinião no Asia Times.
Do carvão às renováveis
“Gautam Adani é muito poderoso, bastante bem relacionado ao nível político e muito astuto a usar esse poder. É o Rockefeller de Modi”, comentou Tim Buckley, um analista australiano que segue de perto o mercado indiano, citado pelo Financial Times. O industrial funciona quase como uma espécie de braço empresarial da política energética da Índia, que passa por assegurar uma maior autossuficiência através das renováveis. O grupo de Adani anunciou que iria investir 70 mil milhões de dólares até 2030, por forma a ser uma das líderes mundiais na cadeia de valor da energia verde. Atualmente, as empresas do grupo já estão no pelotão da frente na produção fotovoltaica, e uma das ambições passa por ser também uma das gigantes no hidrogénio verde, que Adani considera ser o “combustível do futuro”.
Apesar desta aposta no verde – e das imensas apresentações a investidores sobre como a empresa cumpre com os critérios ambientais, sociais e de governo –, poderá ser difícil para Adani lavar a sua imagem de grande poluidor. As atividades das centrais a carvão e das minas, bem como as explorações de óleo de palma, na Índia, têm estado debaixo de fogo de associações ambientalistas e de populares devido ao impacto que têm no ambiente. O empresário foi ainda alvo de críticas de Greta Thunberg, que criou a hashtag #StopAdani, pedindo à Siemens que parasse de fornecer equipamentos para o projeto da mina de carvão de Carmichael, na Austrália, que o grupo indiano começou a construir em 2019 e que os ambientalistas temem que afete a Grande Barreira de Corais.
A crise energética trouxe uma maior tolerância e procura global em relação ao carvão, um fator que ajuda a explicar como a fortuna de Adani ganhou propulsão nos últimos meses. No entanto, o empresário sabe que, para continuar a prosperar, terá de se desvincular dessa imagem cinzenta, o que o levou a posicionar-se, desde já, na transição energética. Além de prometer um capítulo mais verde nos seus negócios, anunciou também que iria doar sete mil milhões de dólares para causas sociais, através de uma fundação que controla.
O modus operandi de querer crescer depressa recorrendo ao endividamento deverá manter-se. Mesmo que alguns grupos financeiros, como o Credit Suisse, já tenham alertado para a elevada dívida das empresas de Adani, a proximidade com o poder político continua a dar bastante crédito ao conglomerado empresarial. Alguns analistas têm deixado o alerta de que, se Modi sair do poder, o acesso ao financiamento poderá ser mais difícil. Apesar do arriscado recurso à dívida, Adani tem feito questão de reiterar que nunca falhou um pagamento – e já provou, por diversas vezes, que consegue encontrar soluções até para as situações mais complicadas.