É num dia particularmente quente em Lisboa que entramos no recinto da antiga Universidade Independente, agora de cara lavada e novos letreiros a indicarem os caminhos. O espaço está absolutamente silencioso, ainda que o visitemos em pleno período de aulas. “Bom, é uma escola com capacidade para mil alunos que neste momento só tem 150”, recorda com um sorriso Teresa Monteiro, a general manager da United Lisbon Internation School (ULIS), enquanto nos guia pelos corredores largos e luminosos do mais recente estabelecimento de ensino internacional de Lisboa.
Aqui convivem, desde setembro do ano passado, 22 nacionalidades diferentes, entre alunos, docentes e funcionários. A ULIS abriu portas em plena pandemia, o que atrasou um pouco os planos, mas ainda assim garantiu 150 alunos que ocupam agora as salas desde o pré-escolar até ao 9º ano. No próximo ano letivo deverão abrir as primeiras turmas do Ensino Secundário e, consequentemente, o acesso ao International Baccalaureate, o programa que permite aos alunos tentarem o acesso a várias universidades do mundo, uma vez que é, atualmente, reconhecido por 140 países.
Espreitamos para dentro de uma das salas do primeiro ano, onde os alunos se espalham entre o chão e as cadeiras – todas com rodas para que possam mover-se livremente – e tentam responder a uma “simples” pergunta: “De que serve votarmos?” O conceito de democracia traduzido para os mais novos é-nos útil até a nós, que sorrimos com as respostas. Tomam-se decisões por maioria, dentro daquela sala de aula, e sob o olhar atento da professora, japonesa, que sorri a cada conclusão a que os pequenos chegam.
“A monotonia quebra a concentração dos alunos”, vai explicando Teresa, enquanto passamos pelas salas dos restantes anos do Ensino Básico. É fácil encontrar alunos em pé, deitados no chão, sentados à secretária ou a rodearem os professores. Cada um deve estudar e trabalhar da forma que lhe for mais conveninente e que mais ajudar à concentração. As turmas têm, atualmente, entre 12 e 20 alunos, mas mesmo quando a escola estiver a funcionar na sua capacidade máxima, não é suposto que tenham mais do que 22. Só assim se conseguirá garantir um acompanhamento personalizado, que tenha em conta as especificidades de aprendizagem e as dificuldades de cada aluno. O currículo segue a filosofia do The Common Ground Collaborative, um grupo de especialistas internacional que acredita num ensino inovador, inclusivo, baseado em princípios concretos e no qual a cocriação é uma realidade. Baseando-se em estudos de caso de várias partes do mundo, aqui trabalha-se em conjunto para desenhar as melhores metodologias de ensino, aplicadas a cada escola e comunidade.
Para Chitra Stern, fundadora e CEO do The Elegant Group, que detém a United Lisbon International School, este era o único caminho que fazia sentido seguir: “Para nós, como sabe, a questão da união, da diversidade, da inclusão e da criatividade tinham de estar muito presentes”, atira com uma gargalhada, recordando uma conversa com a EXAME, há cerca de três anos, quando falou pela primeira vez do projeto da escola, do qual sabia ainda muito pouco. “Enquanto houver escolas no Parque das Nações – públicas ou privadas – haverá famílias a escolher o bairro. Porém, as que existem atualmente são portuguesas e há alguns pais que procuram outro tipo de educação: querem que os filhos acabem o Secundário com o diploma IB [International Baccalaureate, que é reconhecido nas mais prestigiadas universidades de todo o mundo] para poderem candidatar-se a universidades internacionais… o mundo é uma ostra!”, referiu na mesma ocasião Chitra, que começava apenas a levantar o véu sobre o projeto que entretanto ergueu. Nessa altura, havia apenas uma certeza: a palavra “United” tinha de constar do nome do estabelecimento de ensino. Porque, para o grupo que criou os hotéis Martinhal, referência para as férias em família, a união vem sempre acima de tudo e é ela que permite fazer caminho.
Português ao alto
Na ULIS, todas as aulas são, naturalmente, em inglês. Para quem tem maiores dificuldades com a língua, há aulas de apoio, e o português é igualmente relevante. “O currículo é internacional, mas a escola está em Portugal, e as famílias estrangeiras que estão cá têm todo o interesse em integrar-se. Faz parte da educação dos alunos terem um nível proficiente de português“, explica Teresa, enquanto esclarece que, para quem não é nativo, há aulas de Português quatro vezes por semana. Cruzamo-nos, aliás, com uma dessas aulas na biblioteca, que, ao invés dos milhares de livros a que estamos habituados, tem algumas prateleiras compostas, outras vazias e um ou outro tablet à vista. A biblioteca é, sobretudo, digital, e os livros podem ser requisitados dessa forma, tal como pode ser pedido à escola que adquira títulos que ainda não haja e pelos quais os alunos tenham interesse. Num lugar onde a luz é rainha, na biblioteca cruzam-se alunos em aulas, a adiantar trabalhos ou a pesquisar em livros. Tal como em todos os espaços comuns e nas salas de aula, as mesas são passíveis de se encaixar de diversas formas, e as cadeiras totalmente transportáveis.
Objetivos claros
Mas, apesar do aparente caos, a verdade é que as regras de comportamento e conduta vão espreitando a cada parede, onde se alinham, escritos com marcadores de várias cores, os princípios orientadores da escola: respeito pelos outros; praticar a empatia; ser gentil…
Num outro corredor são os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável que chamam a atenção, numa altura em que se aproxima a passos largos a data em que toda a sociedade devia conseguir ter comportamentos alinhados com um Planeta mais saudável. Educação de qualidade, erradicação da pobreza, igualdade de género, consumo responsável, redução das desigualdades…
Pode parecer estranho que numa escola de elite – a anuidade está ligeiramente acima da média de outros colégios privados de Lisboa, e varia entre os €9 800 e os €20 600, à qual acrescem €2 000 de taxa de inovação, que deve ser paga durante os cinco primeiros anos de frequência da instituição – se fale de reduzir as desigualdades, sobretudo numa altura em que a educação em Portugal tem estado debaixo de fogo pela falta de visão de futuro. Enquanto na ULIS se aprende a programar, há aulas de música, de teatro, e uma sala intitulada de MakerSpace, onde basicamente cada aluno pode trabalhar no projeto que melhor lhe aprouver – seja a construir robôs, fazer impressões 3D ou a aprender a imprimir t-shirts – nas escolas médias portuguesas, mesmo no setor privado, o ensino continua a centrar-se na teoria e em métodos de ensino datados, que muitas vezes têm dificuldade em captar os estudantes.
É que não basta ter uma escola preparada com a melhor tecnologia, como nos explica Kyriakos Koursaris, o responsável por este espaço onde tudo é possível (inclusive enviar sinais em código Morse para a Lego, a partir de um aparelho criado pelos alunos). É preciso dar aos alunos, e também aos seus encarregados de educação, a quem este espaço está aberto, as melhores ferramentas para que a imaginação, a experimentação e a alegria da aprendizagem os guie. “Por exemplo, queremos estimular os alunos a encontrarem soluções para problemas grandes. Como se pode usar Inteligência Artificial para isso? Como podemos, por exemplo, levar água aos países onde ela ainda é uma necessidade? Se calhar o Minecraft pode ajudar-nos com isso…”, diz com um sorriso, em referência ao jogo que permite a construção e exploração de um mundo 3D, e que tem sido parceiro nesta missão de mostrar como reduzir desigualdades.
Porque se aqui elas parecem ficar do lado de fora, então a escola faz questão de as trazer. Numa série de conversas online, conta Chitra Stern, foi possível trabalhar com escolas e professores de países em desenvolvimento, e pedir aos próprios alunos que contassem a sua experiência aos meninos que, do lado de cá, os ouviam. Foi o que aconteceu com a Fundação Malaika, do Congo, por exemplo. “A pandemia também nos trouxe estas possibilidades, de pensar de outra forma”, resume com um sorriso de cansaço a empresária, que ainda tem dificuldades em acreditar que a escola conseguiu mesmo entrar em funcionamento em setembro de 2020.
Claro que, entretanto, a escola não é apenas uma escola: é, na verdade, um Education Hub, que pretende reconverter parte da área que circunda o edifício principal num campus educativo. Vai haver espaço para residências – e não apenas de estudantes. Uma família que esteja a mudar-se para Portugal, queira ficar perto da escola dos filhos e ainda usar o espaço de co-work que está previsto nascer ali, pode usar os alojamentos por um período de até um ano. “Sabemos que as pessoas escolhem, muitas vezes, a casa onde vão morar pela proximidade com a escola”, explica Prabha Rathinasabapathy, responsável pela área de desenvolvimento de negócio da ULIS, à EXAME. “Portanto, faz todo o sentido que possamos dar-lhes aqui um espaço para, com tempo, escolherem depois um alojamento mais definitivo.” Mas, enquanto estiverem por ali, poderão usar as instalações do ginásio, de algumas das salas e até o MakerSpace, adianta a responsável enquanto nos aponta, no terraço, a área prevista para o projeto residencial.
E desengane-se se acha que vão ser parecidas com as comummente construídas residências de estudantes: as cerca de 400 unidades de alojamento contarão ainda com jardins, espaços de lazer, zonas de restauração, piscina e, claro, um ambiente totalmente sem automóveis, que podem ficar guardados no parque subterrâneo de três pisos, existente para o efeito e com capacidade para 361 lugares.
O projeto está em andamento, e prevê-se que esteja concluído em 2024, aí sim com todas as valências disponíveis. E, de preferência, com a escola na sua capacidade máxima. Se tudo der certo, esse é também o ano em que se espera que o projeto comece a mostrar resultados positivos, depois de ter conseguido atingir o break-even em 2023. Pelo menos, são esses os planos dos criadores, já ajustados à nova realidade.
Além-mar
Atualmente, 25% dos alunos matriculados na ULIS são portugueses. No entanto, Chitra acredita que este número vai cair ao longo dos anos, ainda que possa ser apenas residualmente. Uma das nacionalidades nas quais o The Elegant Group tem estado a apostar bastante é a brasileira, numa altura em que são às centenas as famílias que, todos os anos, procuram trocar o gigante da América do Sul pelo país mais ocidental da Europa. Aliás, no dia em que a EXAME visitou a ULIS, a CEO protagonizou precisamente uma sessão em direto para explicar tudo sobre a mais recente parceria com a The Atlantic Hub, a primeira empresa residente, e que se mudou no começo de maio.
É uma organização que se dedica a ajudar a internacionalizar para a Europa empresas e startups brasileiras e criou, com a ULIS, a The Atlantic Station, que se reflete num espaço de 600 m², dentro do Education Hub, e onde se espera que startups, grandes empresas, fundos de investimentos, mentores e universidades possam trocar experiências, gerar negócios e criar novas soluções.
E para ter empresários, é preciso ter cá as suas famílias e, consequentemente, sabem Chitra e Roman Stern – os fundadores da ULIS – é preciso escolas que respondam às necessidades de pais e filhos. Por isso é que a escola decidiu, também, fazer uma aposta significativa em atividades extracurriculares, muitas delas em parceria com organizações já existentes. É o caso do futebol, que é dinamizado pelo Sporting Clube de Portugal, do ténis, a cargo do Lisboa Racket Centre ou do rugby, que está entregue ao Clube de Rugby do Técnico. Na manga estão ainda parcerias com o Oceanário de Lisboa, e, no futuro, os responsáveis da escola gostariam de conseguir que esta entrasse ainda mais na comunidade do bairro. Pode ser através dos museus próximos, herança da Expo’98, de um trabalho mais próximo com a Companhia Nacional de Bailado ou o Teatro Camões.
O grande objetivo, explicam, é que as crianças possam ter acesso a atividades de qualidade, sem que isso implique viagens infindáveis e stressantes pela cidade, uma estratégia que ajuda pais e filhos. Que o Brasil esteja de olho na ULIS também não é de estranhar: os dados compilados pelo SEF revelam que desde 2012, ano em que foram criados os vistos gold, e até ao final de 2020, os investimentos brasileiros somavam cerca de €770 milhões de euros. E mais de mil brasileiros investiram, durante a pandemia, somas acima de €500 mil na compra de imóveis para se candidatarem a esta autorização de residência. Com um combate eficaz à pandemia a tardar, e um clima político bastante incerto, são muitos os empresários brasileiros que procuram alternativas ao Brasil. Itália, que até agora era sempre outra escolha dos brasileiros, por razões culturais e familiares, não é agora opção, uma vez que o país também não tem conseguido travar a escalada da pandemia. E nem a flexibilização dos processos de cidadania – implementados precisamente para combater a desistência dos brasileiros – tem ajudado. É um bocadinho como o que está a acontecer com o turismo: se os nossos maiores concorrentes ficam de fora, nós acabamos por aproveitar a onda e ganhar protagonismo.
No mesmo sentido, o The Elegant Group, sobretudo através do Martinhal, também tem trabalhado proximamente com figuras públicas do Brasil para aumentar o reconhecimento da marca do lado de lá do Atlântico, o que pode favorecer a ULIS. Recorde-se que o grupo fundado por Chitra e Roman Stern em 2008, quando colocaram a primeira pedra do Martinhal de Sagres, tem também em desenvolvimento o projeto Martinhal Residences, no Parque das Nações – e que acabaria por incentivar o desenvolvimento do Education Hub. A ideia das Residences é desenvolver, juntamente com um hotel, várias dezenas de residências de luxo [“está pensado para 90 famílias”] que estarão preparadas para receber sobretudo estrangeiros que se queiram mudar para Lisboa, tendo todo “o apoio que lhes falta porque não têm cá a família”, explicou em 2018 Roman Stern à EXAME, uma vez que poderão partilhar os serviços com a unidade hoteleira. “Temos cada vez mais investidores brasileiros e turcos interessados em Portugal. Ali, os filhos podem descer as escadas e ir, sozinhos, para o kids club. É possível ainda contratar o serviço de babysitting, tudo em segurança.” O projeto, que está a ser desenvolvido em simultâneo com a nova sede da Ageas Seguros, está avaliado em €130 milhões. Que se juntam aos €75 milhões do campus educativo, e colocam o casal Stern num lugar de destaque em investimentos naquela zona da cidade.
Criar comunidade
Na sala de Jose Azcue, o diretor da escola, o olhar foge-nos para a taça gigante de rebuçados que repousa na mesa que ocupa quase todo o espaço. “Sentem-se e tirem um. Ninguém gosta dos de mel”, ri-se enquanto olha para a nossa escolha. Com raízes espanholas e canadianas, Azcue tem mais de 20 anos de experiência a gerir programas IB, e foi o próprio quem contactou a ULIS, atraído pelo projeto que se estava a desenhar. “Não dá para esquecer o desafio que foi abrir a escola durante o ano de pandemia”, nota. “Criar uma escola totalmente nova, com alunos e professores a usarem máscaras dificulta bastante a construção de um ambiente de comunidade. Todas estas bolhas e estas restrições… tem sido um desafio para os professores, que têm de ser muito criativos, sobretudo porque as classes de conjunto e os jogos de equipa não podem acontecer como habitualmente”, realça. “Seja como for, acredito que vamos continuar a crescer, mantendo a qualidade que já conseguimos mostrar neste primeiro ano. E contamos ter o dobro dos alunos já em 2021/2022”, atira satisfeito.
Por agora, os 150 que povoam os corredores – divididos por bolhas, tal como o diretor apontou – vão-se dividindo entre as salas, que começam a colorir-se com trabalhos, a enfeitar-se com instalações e a encher-se do som das aulas de música. É para essa, aliás, que temos o privilégio de espreitar antes de nos virmos embora: um vídeo sobre Mozart capta a atenção dos estudantes, espalhados pela sala. No meio, uma outra figura adulta acompanha uma das alunas, com necessidades educativas especiais. Porque na ULIS se acredita que a inclusão se faz pelo exemplo, os alunos que precisem de um acompanhamento extra têm as aulas com os que deles não necessitam. “E a evolução tem sido absolutamente incrível”, congratula-se Teresa, em jeito de conclusão, enquanto nos acompanha até à saída. Lá fora, a luz de Lisboa a refletir-se no Tejo não podia ser mais característica da capital portuguesa. Mas à porta da ULIS, fica a certeza de que um mundo novo está prestes a fazer-se mostrar à cidade.
*Artigo publicado originalmente na edição 446 de junho de 2021 da revista EXAME