Não há cartão-postal que consiga suplantar a vista que se abre diante de nós, quando João Almeida, relações públicas do White Exclusive Suites & Villas, nos convida a entrar. Ali à frente, numa moldura abobadada de branco e metal, só há mar e uns apontamentos negros dados por pequenas peças de mobiliário, porque só há luz onde há sombra, dir-nos-á o CEO do grupo Singular Properties, mais tarde.
Na freguesia da Lagoa, em Ponta Delgada, este antigo solar de férias passou a hotel, quando João e Catarina Reis perceberam que era um ativo demasiado apetecível para se perder no abandono do tempo. Compraram-no, recuperaram-no e, com os hotéis das ilhas gregas a servirem de inspiração, criaram o primeiro empreendimento de luxo. Sobre uma falésia rochosa, o edifício ergue-se quase camuflado na paisagem de sol, mar e rochas, permitindo que todos os hóspedes dos 10 quartos tenham a imensidão do oceano a entrar-lhes pela janela.
Mas, apesar de esta nossa viagem começar aqui, a do grupo Singular Properties começou noutro local da ilha e numa outra unidade: o Santa Barbara Eco Resort, na Ribeira Grande, que abriu ao público em 2015. Na altura, João Reis tinha como sócio Rodrigo Herédia – entretanto proprietário do SUL, também em São Miguel –, e os dois amigos abriram os primeiros 40 quartos daquele resort com a certeza de que poderiam fazer da praia de Santa Bárbara um lugar ainda mais apetecível para surfistas e mais conhecido para quem não pratica desporto.
No final de 2018, pouco depois da abertura do White e de La Maison (já lá vamos), o atual CEO do Singular Properties compra a participação de Herédia no Santa Barbara e, em 2019, decide fazer nascer o grupo enquanto tal. Entretanto, já Catarina se tinha juntado de forma mais efetiva ao projeto, e atualmente os dois são os únicos acionistas do Singular Properties. A verdade é que cada projeto é muito feito à medida deste casal que, há vários anos, trocou o continente pela vida no arquipélago dos Açores, naquilo que foi um regresso a casa para Catarina e um recomeço confiante para João.
Aliás, La Maison – uma casa de hóspedes que, localizada a cerca de um quarteirão de distância do White, permite ter a privacidade de uma moradia com todas as comodidades de um resort – foi onde João e Catarina moraram com os filhos, até a família precisar de outro tipo de habitação. Desde 2018, é o espaço ideal para um grupo de amigos ou uma família passar uma temporada em São Miguel: tem piscina, lareira exterior, jardim com parque infantil, quatro quartos com casas de banho, uma sala com lareira e uma cozinha onde pode dar asas à imaginação. Se preferir, o White entrega-lhe em La Maison as refeições que tem disponíveis no restaurante, mediante reserva.
Onze milhões de euros investidos, três projetos diferenciados e oito anos depois de se ter estreado na hotelaria, conversámos com o casal que quer reposicionar São Miguel enquanto destino, “com os valores e os princípios” em que acredita e sem ceder a modas. Quer “fazer uma cena espetacular”, diz João com uma gargalhada, repetindo a frase divertida que foi dizendo ao longo dos anos a quem com ele se cruzava.
Durante três dias, deixámo-nos guiar por João e Catarina numa viagem pela história de cada projeto, que conhecemos desde o início, mas que agora vive um novo ciclo.
“Fizemos um caminho de aprendizagem enorme e de adaptação à realidade dos dias de hoje. Percebemos que o nosso posicionamento era mais high-end. Mas não temos a ambição de sermos reconhecidos como grupo hoteleiro de luxo, porque, para nós, a autenticidade e a Natureza são fundamentais, e essas é que são o nosso luxo. Queremos ser a ligação à ilha, queremos permitir aos nossos hóspedes explorar os Açores de uma maneira especial. O nosso conceito de luxo é despretensioso, mas queremos ser o sítio onde as pessoas querem ficar e queremos ser consistentes”, explica João Reis no discurso acelerado e cheio de energia que lhe é característico. Formado em Marketing, acabaria por enveredar pela hotelaria quase por acidente – o Santa Barbara surge, com Rodrigo, por amor ao surf, e daí até ser CEO de um grupo foram, literalmente, quatro anos. Continua a “ir para o mar”, todos os dias, se possível, e a liderar de forma próxima os 60 trabalhadores que atualmente integram o Singular Properties.
“Quando abrimos o Santa Barbara ainda não tínhamos uma visão clara do que gostaríamos que ele fosse”, conta, sentado num dos sofás daquele que foi o seu primeiro hotel. Há sete anos, o Santa Barbara era um espaço acolhedor, mas claramente virado para um público mais alternativo. No restaurante, servia-se sushi e o serviço sofria com a insularidade e a falta de experiência do staff. Hoje, é um resort a que chegam várias famílias e viajantes, de classe média-alta ou alta, e onde nos sentimos em casa sempre que abrimos a porta de uma das villas. O serviço melhorou consideravelmente, ainda que haja sempre espaço para o crescimento, e a equipa tem-se mantido genericamente estável, o que sustenta a qualidade.
A cozinha – que já passou por várias fases – é agora da responsabilidade de André Fragoeiro, antigo chef do White, que quer dar-lhe um pendor tradicional, de comida portuguesa contemporânea, com recurso aos melhores produtos da ilha. Com a ajuda de Manuel Dias, que coordena a gastronomia do grupo, alterou recentemente toda a oferta do Santa Barbara, de onde desapareceram os pratos de inspiração asiática e as misturas de ingredientes de várias regiões. Numa carta que ainda está a fazer o seu caminho, há muitos vegetais – 80% dos frescos consumidos no hotel são produzidos na pequena quinta que o Santa Bárbara criou, nos terrenos da propriedade. Há também peixe e marisco frescos, queijos dos Açores e carne das quintas ao lado.
“Continuamos a trabalhar com os mesmos produtores de sempre. É uma boa relação, não temos porque alterar”, confidencia Manuel Dias, que trocou as Caldas da Rainha por São Miguel, há quase 4 anos, e que é o grande responsável pela produção hortícola e frutícola do grupo. Quer ter menus mais sustentáveis, mais respeitadores das estações e dos produtos locais.
A unidade de 4 estrelas vai fechar portas durante uns meses, no próximo inverno, para “um investimento a rondar os €500 mil, por forma a dar-se a reorganização do edifício principal e a fazer-se alterações nas zonas comuns”, além do reforço das condições de conforto. João e Catarina querem continuar a elevar a qualidade do Santa Barbara, para se alinhar, precisamente, com o que pretendem dar ao grupo.
Shining White
Considerado por algumas das mais relevantes publicações de viagem internacionais uma das melhores unidades hoteleiras de São Miguel, o White Exclusive Suites & Villas foi, também, recentemente alvo de uma renovação que implicou um investimento de outros €500 mil. A aposta foi sobretudo ao nível da decoração de interiores, que ficou a cargo de Daniela Franceschini, do ateliê lisboeta Quiet Studios. Candeeiros e peças de pequeno mobiliário refletem a pedra vulcânica da ilha, a criptoméria ganha destaque nas camas e mesas de cabeceira, e os tons escuros vêm acalmar o branco, que era a cor usada praticamente em exclusivo no hotel. A piscina de beiral infinito largou o azul e abraçou o negro, para se ligar às terras vulcânicas – e tornar a água mais quente.
Um jacúzi exterior também está agora disponível para os hóspedes que o reservem, e a pérgula sobre o mar é o espaço ideal para aulas de ioga e tratamentos terapêuticos ao som das ondas que batem sistematicamente na rocha.
O White Exclusive Suites & Villas foi, também, recentemente alvo de uma renovação que implicou um investimento de €500 mil
O hotel de 5 estrelas está, agora, no “ponto exato” em que Catarina e João o queriam. Um acompanhamento muito pessoal e próximo dos hóspedes, serviço de concierge online, disponível 24h/dia através de um telemóvel com chamadas e internet para utilização dos clientes, e, tal como no Santa Barbara, um menu de serviços e uma lista de sugestões para conhecer São Miguel da autoria do staff e dos proprietários do Singular Group. Restaurantes que saem das rotas turísticas, as melhores horas para se aproveitar as marés para um mergulho ou na prática de surf, trilhos adaptados à preferência de cada visitante ou massagens de assinatura… Tudo aquilo que o hóspede quiser saber ou fazer, o grupo faz questão de elucidar e providenciar. “Queremos mesmo proporcionar uma experiência Singular Properties, que no fundo é uma experiência tailor-made. Queremos continuar a surpreender quem cá vem.”
O conceito do restaurante também foi totalmente alterado, recentemente, com um menu à la carte – antes havia apenas a opção de menus de degustação –, agora sob a responsabilidade de William Blake. Mas não se deixe enganar pelo nome: aos 32 anos, William é mesmo português e faz da cozinha do White uma verdadeira ode aos produtos de qualidade com que trabalha, e cujo sabor deixa que chegue a todos os pratos. Come-se Portugal e Açores, e percebe-se que teve a oportunidade de aprender com os melhores antes de escolher São Miguel como casa.
(E se tiver oportunidade de experimentar o restaurante do White, não deixe de degustar a lula grelhada com molho de tinta e guanciale!…)
A cereja no topo do bolo?
Para 2025, há outro projeto na manga, revelam os responsáveis do grupo, esperando que esse seja o culminar de tudo o que têm construído até agora. E mais não dizem. A única ponta do véu que levantam é o facto de que vão ficar por São Miguel, reforçando que não têm qualquer pretensão de estender as asas para além da ilha que é a sua casa. Ainda pensaram nisso, mas preferem consistência à aventura, e garantem que o fazem com a consciência de que só assim conseguem manter aquilo que, repetem, “são os princípios e os valores deste grupo”.
Estes passam, adiantam, por ter todos os trabalhadores com condições acima da média do setor – “neste ano, fizemos revisões salariais a cerca de 90% das pessoas que trabalham connosco e não temos ninguém a ganhar o salário mínimo – o salário médio atual, no grupo, é de €1380 –, o banco de horas é pago em outubro e não há pessoas com férias acumuladas”, asseguram. “A nossa preocupação com isso é total. O mínimo que podemos fazer é tratar estas pessoas o melhor que podemos, e por essa razão é que temos conseguido ir buscar talento a sítios onde as pessoas não se sentem valorizadas.”
Uma estratégia que segue as linhas de sustentabilidade que o Singular Properties tenta cada vez mais implementar, seja em termos ambientais – daí a preferência pela produção local, a utilização de amenities em frascos de vidro, que vão sendo repostos com os produtos orgânicos Voya, ou a reutilização da água das chuvas – seja em termos de recursos humanos. “Criar valor é o que temos de fazer a vida inteira”, garantem-nos como quem encolhe os ombros e rejeita uma gestão puramente materialista. Catarina tem estado particularmente dedicada a esta temática, implementando estratégias que permitam que o impacto da atividade seja o mais neutro possível para o ambiente e o mais positivo para a comunidade.
Essa é a razão que faz, também, com que o grupo opte, por exemplo, por distribuir o excedente de produção dos seus frescos pelos funcionários ou por associações próximas.
A verdade é que as contas parecem mostrar que a aposta tem sido certeira, com a organização a ter um desempenho sustentado até 2020, altura em que a pandemia obrigou à paragem praticamente total da atividade. No entanto, em 2021, as unidades conseguiram recuperar para níveis ainda mais elevados – tanto de ocupação como de faturação – dos registados em 2019, e para 2022 as expectativas são ainda mais animadoras, com todas as unidades praticamente esgotadas até novembro próximo. E em jeito de confirmação do esforço, o grupo integra a lista das PME Líder no setor do Turismo, certificadas pelo IAPMEI, no ano passado.
É certo que garantir nos Açores o mesmo nível de serviço e excelência que se encontra em alguns dos mais exclusivos hotéis do mundo é tarefa árdua, tanto ao nível dos recursos humanos como dos próprios produtos – afinal, tudo exige mais tempo, mais dinheiro, mais obstáculos. Talvez João e Catarina tenham razão, e o Singular Properties não integre a rede dos hotéis de luxo, porque possivelmente haverá sempre qualquer coisa que não está no ponto certo.
Mas para quem quiser conhecer São Miguel, para além da Lagoa das Sete Cidades e do cozido das furnas, numa experiência recheada de autenticidade e de generosidade, pode encontrar neste grupo uma boa opção. É que não só vai ser fácil encontrar os proprietários em qualquer uma das unidades – seja a carregar toalhas, a providenciar medicamentos ou somente em reuniões de staff – como vai descobrir uma série de curiosidades sobre a ilha, pela simples razão de que se sente, claramente, o carinho com que cada um dos funcionários fala daquela que é a sua casa. É outro tipo de luxo. E
*Artigo publicado originalmente na edição 459 de julho da revista EXAME