Foi num espaço dedicado à cultura, “uma espécie de oásis no meio de Lisboa”, que a EXAME se encontrou com Filipe Vasconcellos para perceber a ideia que o gestor vai concretizar já durante os próximos dias 7, 8 e 9 de outubro. A quinta onde geralmente se organizam provas de vinho, fazem vindimas e engarrafam as sete referências Morgado do Quintão vai tornar-se numa espécie de casa cultural privilegiada, onde as conferências e concertos são ajudados por vinhas com dezenas de anos e uma oliveira milenar.
Que é como quem diz: a família Vasconcellos abre as portas à comunidade, e convida artistas e intelectuais para “à escala, fazer momentos de reflexão e de conexão com a criação”.
À mesa do Centro Cultural Brotéria, no coração do Chiado, em Lisboa, o atual responsável pelo Morgado do Quintão, uma propriedade que pertence à mesma família há mais de 300 anos, explica como tem sido este projeto de fazer renascer um lugar que sempre lhes pertenceu, mas era pouco explorado. A morte da mãe, a artista plástica Teresa Caldas de Vasconcellos, deu a Filipe, um dos três filhos, a vontade de pegar na propriedade da família e fazer algo que lhe “fizesse sentido”. Depois de vários anos fora do País, e de uma carreira internacional que o levou a viver em Paris ou Nova Iorque, Filipe volta a Portugal – ainda que tenha a mentalidade menos portuguesa que encontrámos nos últimos tempos.
“Quando eu tinha 16 anos, a minha mãe decidiu ir fazer um mestrado para Boston. E lá fomos nós…”, recorda com um sorriso como quem explica que mudança e desafio não é coisa que o assuste. Só regressaria de vez a Portugal vários anos depois, no final da década de 1990, e já com caminho feito no Marketing e Publicidade.
Mas foi preciso esperar até 2016 para perceber que esse sentido que procurava também passava pelo Algarve, pela quinta onde a família sempre produzira uva para vender à cooperativa. Foi nesse ano que decide fazer o primeiro vinho próprio e, depois de juntar esforços com Joana Maçanita, enóloga responsável pelo projeto, nunca mais parou.
“Começámos com 3000 e poucas garrafas e quando no ano seguinte a Joana me diz que queria fazer 7000 eu achei que ela estava louca”, atira com uma gargalhada. Hoje pensam em expandir, mas com muita calma e sempre com o compromisso de manter as castas autóctones como rainhas e senhoras do espaço.
E entre a produção de vinhos, complementada com alojamento local, até decidir transformar o Morgado do Quintão num espaço de referência cultural – durante três dias, uma vez por ano – foi apenas uma cabeça cheia de ideias. “Talvez tenha a ver com um sentido mais humanista que eu tenho”, admite quando fala deste CAMP que juntará, pela primeira vez, 15 oradores – artistas, criadores, pensadores – para conversas, concertos, workshops com todos os que se quiserem juntar às festividades.
Vai haver brindes à natureza e à vida, troca de ideias e criações inéditas num espaço que se quer livre e cheio de aprendizagens. Para Filipe, este era o caminho natural de quem cresceu numa casa onde a arte sempre foi muito mais do que apenas uma mostra estática. Arte sempre foi reflexo de estímulo intelectual, e é dessa inquietação que nasce esta proposta, que representou um investimento na ordem de €100 mil, totalmente garantida pelo Morgado do Quintão.
“Acho que o Morgado do Quintão é uma boa desculpa para fazer coisas”, diz em jeito de brincadeira. “Adoro vinho e a quinta, mas preciso de me rodear de pessoas e de experiências. E não apenas acho que devo como acho que tenho de o fazer. Quero retribuir. É a forma que tenho de melhorar o meu contexto”.
Nessa tentativa, e em parceria com o Município da Lagoa, há preços diferenciados para os munícipes que queiram assistir ao concerto da Carminho, por exemplo, que beneficiam de uma redução. Quanto ao público em geral, pode comprar bilhetes para os três dias de CAMP (€150) que dá acesso a todas as atividades e concertos; bilhetes diários (€75) ou bilhetes apenas para o concerto da fadista (€40).
“Como não tenho medo de falhar, e sei que não vai ser, à partida, um evento impecável, é tudo ok”, atira o empresário com a gargalhada de quem não se leva demasiado a sério. “O pior que pode acontecer é estar eu e a minha família sozinhos a assistir a um concerto do Mário Laginha…”, brinca. “O que eu quero mesmo é que sejam dias em que é possível aprender, conhecer pessoas e que no final se faça um festão” para celebrar tudo o que se passou durante o fim-de-semana, admite.
Por isso, e porque acredita que apesar de tudo o evento possa mesmo ser um sucesso – idealmente contará com cerca de 200 pessoas por dia, que se espalharão pelos 60 hectares da quinta, sem grande drama, sorri – já começou até a pensar em possíveis convidados para o próximo ano.
E foi nessa altura que percebemos que a escolha da Brotéria para esta conversa também não foi inocente: o gestor já lançou o desafio aos responsáveis do espaço cultural para pensarem em conjunto nos CAMP futuros. Afinal, parece que apesar de estar confortável com os falhanços, Filipe Vasconcellos sabe que tem em mãos um evento que pode mesmo fazer a diferença no Algarve que acolhe como segunda casa.