É a maior subida da história da Zona Euro e Christine Largade deixa o aviso à navegação: “Ainda estamos longe da taxa de juro que nos vai permitir trazer a taxa de inflação para o objetivo de 2% a médio prazo. (…) Vamos continuar a aumentar as taxas de juro nas próximas reuniões”. Pressionada pelos jornalistas para colocar um valor no que será essa taxa de juro terminal, a presidente do BCE não se comprometeu, mas acabou por deixar indicações quanto ao horizonte temporal das subidas: “Serão certamente mais de duas reuniões e, talvez, menos de cinco”.
Em apenas dois meses, a taxa de juro diretora da Zona Euro para assim dos zero para os 1,25% – após um aumento de 50 pontos base em julho. As taxas de juro aplicáveis à facilidade permanente de cedência de liquidez e à facilidade permanente de depósito sobem para 1,50% e 0,75%, respetivamente.
Na base da decisão desta quinta-feira está a taxa de inflação que “permanece demasiado elevada, sendo provável que se mantenha acima do objetivo durante um período prolongado”. De acordo com a estimativa provisória do Eurostat, a inflação atingiu 9,1% em agosto. A subida muito acentuada dos preços dos produtos energéticos e dos produtos alimentares, as pressões da procura em alguns setores, devido à reabertura da economia, e os estrangulamentos da oferta ainda estão a fazer subir a inflação. “As pressões sobre os preços continuaram a ganhar força e a generalizar‑se ao conjunto da economia, podendo a inflação voltar a subir no curto prazo. Com o desvanecimento ao longo do tempo dos atuais fatores impulsionadores da inflação e a repercussão da normalização da política monetária na economia e na fixação de preços, a inflação descerá”, afirma o banco central em comunicado. Numa análise prospetiva, os especialistas do BCE reviram significativamente em alta as suas projeções para a inflação, esperando‑se agora que esta seja, em média, de 8,1% em 2022, 5,5% em 2023 e 2,3% em 2024.
A inflação dos preços da energia manteve-se extremamente elevada, em 38,3%, e voltou a ser a componente dominante da inflação global. Os especialistas do BCE estimam alguma moderação nos preços do petróleo, no curto prazo, enquanto os preços do gás permanecerão “extraordinariamente altos”. A inflação dos preços dos alimentos também subiu em agosto, para 10,6%, refletindo em parte os custos mais altos de produção decorrentes da energia, interrupções no comércio de commodities alimentares e condições climatéricas adversas. Christine Lagarde demonstrou ainda a preocupação da instituição pelo caráter cada vez mais abrangente da subida dos preços: “As pressões sobre os preços estão a espalhar-se por cada vez mais setores, em parte devido ao impacto dos altos custos da energia em toda a economia”.
Economia vai abrandar
Após uma retoma no primeiro semestre de 2022, o BCE espera agora “um abrandamento substancial do crescimento económico da área do euro, esperando‑se uma estagnação da economia na parte final do ano e no primeiro trimestre de 2023”. Os preços muito elevados dos produtos energéticos estão a reduzir o poder de compra do rendimento das pessoas e, não obstante algum abrandamento, os estrangulamentos da oferta ainda estão a restringir a atividade económica. Além disso, a situação geopolítica adversa, em especial a agressão injustificada da Rússia contra a Ucrânia, pesa sobre a confiança das empresas e dos consumidores. Estas perspetivas encontram‑se refletidas nas projeções mais recentes dos especialistas do BCE para o crescimento económico, as quais foram revistas em baixa de forma acentuada para o resto do presente ano e para 2023. No seu cenário base, os especialistas esperam agora que a economia registe uma taxa de crescimento de 3,1% em 2022, 0,9% em 2023 e 1,9% em 2024. O cenário mais adverso – que inclui um corte total do abastecimento de energia à Europa por parte da Rússia, sem alternativas suficientes de fornecimento por parte de outras geografias – dita a entrada em recessão da economia europeia em 2023.
Lagarde justifica as perspetivas de desaceleração económica “substancial” no quarto trimestre de 2022 com quatro razões: A inflação alta está a diminuir os gastos e a produção em toda a economia, e esses ventos contrários são reforçados por interrupções no fornecimento de gás; A forte recuperação da procura por serviços, que surgiu com a reabertura da economia, perderá força nos próximos meses; O enfraquecimento da procura global, também no contexto de uma política monetária mais restritiva em muitas das principais economias, significarão menos apoio à economia da área do euro; A incerteza continua alta e a confiança está a cair drasticamente.
Na semana em que o executivo de António Costa apresentou um programa de apoio às famílias atingidas pelas subidas dos preços que inclui, pela primeira vez, a classe média, a Presidente do BCE deixa ainda um alerta aos Governos europeus: “As medidas de apoio orçamental para amortecer o impacto dos preços mais altos da energia devem ser temporárias e direcionadas às famílias e empresas mais vulneráveis para limitar o risco de alimentar pressões inflacionistas, aumentar a eficiência dos gastos públicos e preservar a sustentabilidade da dívida. As políticas estruturais devem visar aumentar o potencial de crescimento da área do euro e apoiar a sua resiliência”.