As medidas de combate à inflação apresentadas pelo governo trouxeram várias novidades e algumas estreias. Se a grande novidade foi o envio de “cheques” às pessoas, houve uma aposta na mitigação faseada de vários efeitos. O grande exemplo são os pensionistas e os senhorios: são compensados em relação ao exercício de 2023 mas perdem logo a seguir, de forma permanente.
Vamos por partes, começando pelos pensionistas.
Em outubro, praticamente todos os pensionistas portugueses (excetuam-se os que recebem pensões acima de €5318,4 ao mês), irão receber de forma extraordinária uma pensão e meia. É o único mês em que isto vai acontecer e que representa um reforço, em termos anuais, de 4,2% o que ajudará a compensar o aumento do custo de vida provocado por uma taxa de inflação de 9% em agosto. No entanto, em novembro e em dezembro, os pensionistas voltarão a receber o mesmo montante que receberam em setembro. Em janeiro, haverá aumento de pensões, como a lei exige.
E é aqui que começam as dúvidas sobre se este pagamento vai ser vantajoso para os pensionistas: é que, em vez de ser aplicada a fórmula automática de atualização das pensões que a lei prevê e que, segundo as estimativas do Governo, significaria aumentos entre os 7,1% e os 8%, o Executivo vai realizar aumentos que ficam entre os 3,53% e 4,43%. Praticamente metade. O que isto significa é que, em relação aos que os pensionistas receberiam em 2023 (pela fórmula da lei) não há qualquer perda. O problema vem depois. É que, a partir de 2024, o valor de atualização das pensões em 2024 incidirá numa base mais baixa. Ou seja, em vez de tornar o aumento de 7,1% a 8% estrutural, o Governo assume apenas metade desse valor enquanto aumento permanente. Mesmo sem subidas acima da inflação nos próximos anos, os pensionistas ficarão sempre a perder face ao que aconteceria se recebessem o aumento de entre 7 e 8%, em vez de receber cerca de metade desse valor em cash, de uma só vez, mas que não se torna parte eterna da pensão, para efeitos de aumentos futuros.
Isto permite que haja já em Outubro um reforço de dinheiro nos bolsos dos pensionistas. Mas diminui a pensão futura que teriam sem este expediente encontrado agora pelo governo. Está em aberto, naturalmente, que, consoante a situação económica e financeira do País, o governo possa vir a compensar parte desta diferença nos aumentos das pensões para 2024. Sem isso, a partir daí, os pensionistas ficam mais desfavorecidos com a solução agora adotada. Desta forma, o governo deverá pretender que um ano tão atípico como este não onere para sempre o custo da Segurança Social com as pensões, optando por não incorporar estruturalmente todo o aumento.
No que toca aos senhorios, o método é diferente mas a consequência igual.
As rendas poderiam, pelas regras em vigor, ser aumentadas em mais de 5% para 2023, mas o governo limitou essa subida máxima a 2%. Assim poupa-se um pouco a carteira dos arrendatários. Mas para não penalizar a dos senhorios, estes receberão em desconto nos impostos (IRS/IRC) a diferença entre os 2% e o aumento que, por lei, teriam direito de fazer.
Mas, tal como nos pensionistas, esta compensação (que em teoria deixaria a carteira dos senhorios igual) só acontece relativamente a 2023 (com o acerto dos impostos em 2024). E eventuais posteriores aumentos de renda somam aos 2% admitidos, e não aos mais de 5% que poderiam ser feitos sem este travão do governo.
Ou seja, em relação ao próximo ano há uma compensação, mas a base para o futuro é menor do que a que seria sem esta intervenção do governo.
No fundo, em vez de dizer que para pensionistas e senhorios estas medidas não têm penalização, é mais correto dizer que essa penalização não existe em 2023. Mas, ao fixar bases mais baixas do que seriam sem estas medidas, os futuros aumentos (pensões e rendas) incidem sobre um valor inicial menor. Resumindo, sem novas medidas mitigadoras para 2024, pensionistas e senhorios não perdem nada agora face ao que aconteceria sem estas medidas, mas perdem a partir do início de 2024.