Quem mais estuda ganha um salário melhor. Esta é uma verdade de sempre e que continua atual em Portugal, mas o prémio atribuído pelo mercado a mais educação escolar tem vindo a diminuir na última década. Esta é uma das conclusões do estudo “Estado da Nação 2022”, da responsabilidade da Fundação José Neves, apresentado esta terça-feira.
Os trabalhadores com o ensino superior e com o secundário registaram, em média, perdas reais nos salários de 11% e de 3% respetivamente na última década. Para os mais jovens a situação foi semelhante, com quedas do salário ainda mais acentuadas no ensino superior (-15% entre os licenciados, -12% entre os mestres e -22% entre os doutorados).
Segundo as conclusões do documento, “entre 2011 e 2019 o salário médio dos portugueses aumentou apenas para os trabalhadores com o ensino básico, na ordem dos 5%, muito por força do aumento do salário mínimo por decreto-lei e por via da negociação coletiva”.
Ou seja, o mercado por si não foi capaz de contrariar uma queda real dos salários; a excepção esteve nos salários mais baixos e dos trabalhadores menos qualificados, cuja progressão foi garantida por via administrativa – via salário mínimo nacional – ou pela negociação coletiva.
De qualquer forma, a qualificação dos trabalhadores continua a ser uma real vantagem tanto em termos de empregabilidade como em termos da sua remuneração média. “Um nível superior de educação aumenta a probabilidade de estar empregado e de chegar aos dois níveis mais elevados de rendimento. Face a quem tem no máximo o ensino secundário, os que têm o ensino superior têm uma probabilidade 16% superior de estarem empregados e 50% superior de estarem entre os 40% da população com maior rendimento. Os
mesmos valores para a comparação entre ensino secundário e ensino básico são 10% e 29% respetivamente”, refere o estudo.
Este acrescenta que “em 2019 uma licenciatura resultava, em média, num ganho salarial de 50% face ao ensino secundário. Já com o mestrado esse ganho ascende aos 59%. Os prémios salariais também se
verificam nos jovens adultos (dos 25 aos 34 anos) e são os mestrados que conferem um retorno salarial superior, com ganhos de 43% face ao ensino secundário e de 15% face às licenciaturas”. Este diferencial tem sido reduzido por efeito da perda real de salário dos trabalhadores mais qualificados, por contraponto à valorização salarial dos restantes.
Olhando para os dados até 2019, os rendimentos dos portugueses comparavam mal com os dos seus congéneres estrangeiros, para o mesmo nível de escolaridade. “O rendimento anual médio líquido (em paridade de poder de compra) em Portugal era de 13.727€, o 7º mais baixo da União Europeia. Os portugueses com o ensino básico e secundário tinham um rendimento médio de 10.976€ e 13.612€ respetivamente (o 10º mais baixo entre os 27 países membros). Já com o ensino superior o rendimento médio não ultrapassava os 19.755€ (o 8º mais baixo na UE).
Mas há outro problema que mostra uma desigualdade talvez surpreendente: um português com o ensino superior ganha pior do que os cidadãos de 13 países da União Europeia que têm apenas o ensino secundário:(Itália, Chipre, Irlanda, Finlândia, França, Malta, Bélgica, Holanda, Suécia, Dinamarca, Alemanha, Áustria, Luxemburgo). E há cinco países (Finlândia, Áustria, Holanda, Dinamarca e Luxemburgo) em que até os trabalhadores menos qualificados ganham mais, em média, do que os portugueses com ensino superior.
O problema da produtividade
O aumento dos salários tem surgido sempre como a outra face do aumento da produtividade. Mas neste campo também não há boas notícias, segundo a análise da Fundação José Neves: “A produtividade em Portugal tem perdido terreno face à média da União Europeia e nem o aumento das qualificações das gerações mais jovens inverteu essa tendência. Portugal está entre o grupo de países da UE com a
produtividade mais baixa. Em 2019 era o 6º país com menor produtividade, apenas acima de países como a Roménia, Polónia, Letónia, Grécia e Bulgária”.
E aqui o documento aponta vários pontos a melhorar: “Os jovens estão cada vez mais qualificados, mas as qualificações dos trabalhadores com menos de 35 anos apenas contribuem para ganhos de produtividade quando os jovens têm um peso superior a 40% no total de trabalhadores das empresas”; por outro lado, “a aposta das empresas na formação dos seus trabalhadores também pode aumentar a produtividade em 5%, mas apenas 16% das empresas portuguesas o faz”; e a qualificação dos gestores também deixa muito a desejar.
Vamos a números: “as qualificações dos gestores pesam praticamente tanto para a produtividade como as dos trabalhadores, mas apesar de terem vindo a aumentar, Portugal continua a ter a maior percentagem de empregadores que não terminou o ensino secundário. Em 2021, este era o caso para 47,5% dos empregadores, praticamente o triplo da média europeia que se fixou em 16,4%”.
Esta e outras conclusões, bem como propostas de caminhos possíveis, serão apresentadas esta terça-feira no evento anual da Fundação José Neves. O evento, que conta com oradores como Alanis Morissette, António Damásio ou António Horta Osório – para além do próprio fundador da Farfetch e da fundação – poderá ser acompanhado em direto na plataforma digital da Fundação José Neves (https://joseneves.org/pt/evento-2022) e nas redes sociais da FJN (Youtube, Facebook e Linkedin).

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