Enquanto as bombas continuam a cair sobre a Ucrânia, a Rússia vai sendo cada vez mais apertada no torno das sanções internacionais. Os próximos dias serão fulcrais para se perceber se o país vai conseguir pagar os juros de uma emissão de dívida em dólares. Se o falhar, a Rússia entra oficialmente em default, com consequências para perto de 150 mil milhões de dólares em dívida ao exterior.
O problema não está no montante. A fatura a pagar esta quarta-feira é de apenas 117 milhões de dólares, de juros de duas emissões de 2013. A questão é que esta dívida é denominada na moeda norte-americana e tem de ser paga nesta divisa. Mas as reservas de moeda estrangeira que o país tem fora de portas estão congeladas através das sanções, o que pode impedir esse pagamento.
A Rússia admitiu, nos últimos dias, que poderá pagar em rublos, moeda que tem caído a pique nas últimas semanas. Não só isso ficaria mais caro em termos nominais (é preciso muito mais rublos agora, para pagar o mesmo valor em dólares, do que há um mês), como isso implicaria uma quebra das regras daquelas obrigações. Ou seja, para as agências de crédito, o facto de a Rússia pagar em rublos e não em dólares pode, formalmente, levar a que tal seja considerado um default, uma declaração internacional de incapacidade de pagar as suas dívidas.
Este é o primeiro teste à dívida russa desde que começou a invasão à Ucrânia, mas não é o maior. Até final de Março, há o pagamento de juros de 615 milhões de dólares; para 4 de Abril está marcado o pagamento final de uma operação inteira, no valor de 2 mil milhões de dólares.
A grande maioria destas emissões são denominadas em dólares ou euros. Algumas permitem que o pagamento se faça noutra moeda, como o rublo, mas isso será uma minoria.
Há três hipóteses em cima da mesa com esta primeira tranche de juros a pagar: a Rússia consegue pagar em dólares; a Rússia tenta pagar em rublos; ou simplesmente não paga. Apesar de a data de pagamento ser esta quarta-feira, dia 16, há um período de 30 dias de “moratória” em que pode ser encontrada uma solução. A questão é que depois desta conta chegam as outras, ainda maiores.
As agências de rating, por seu lado, têm penalizado duramente a notação financeira da dívida russa. A Moody’s tem atualmente a Rússia no vigésimo nível de uma escala de 21, e admite descer mais um degrau, até porque está a assumir elevadas probabilidades de um default. Já a Fitch veio clarificar o seu entendimento: se a Rússia pagar em rublos os cupões de dívida denominada em dólares, entra automaticamente em incumprimento.
As consequências de um default
Mas o que significaria um default da Rússia? O país e empresas como a Gazprom ou o Sberbank devem cerca de 150 mil milhões de dólares ao estrangeiro. Uma declaração formal de incumprimento penalizaria gravamente os detentores da dívida e praticamente impediria que a Rússia e empresas públicas ou equiparadas se conseguissem voltar a endividar, no curto prazo, nos mercados. As consequências totais não são claras, até porque há diversas formas de negociação com os credores, que variam de cenário para cenário. O que é certo é que um default é sempre destrutivo, e não só no curto prazo. É que uma declaração destas acerca de um Estado afecta sempre, e profundamente, todas as empresas desse país. Sobretudo num país como a Rússia, em que as grandes empresas têm tendencialmente uma grande ligação ao Estado.
A Diretora-geral do FMI, Kristalina Georgieva, desvalorizou recentemente o efeito de um default russo para a economia mundial, mas na verdade essas contas não estão feitas.
Regresso a 1917
O último default da Rússia foi em 1998, depois de uma década em que – com a queda da União Soviética – o país desmontou a economia planificada mas teve grande insucesso na transição para um modelo de mercado. A forte descida no preços das matérias-primas foi o elemento que enterrou ainda mais a economia do país, que fechou 1998 com uma queda do PIB de quase 5% e uma inflação galopante. Curiosamente, é na sequência dessa crise que Vladimir Putin chega ao poder, começando um extenso programa de reorganização do Estado.
Mas se em 1998 estava em causa dívida doméstica, temos de recuar mais de um século para ver um default russo da sua dívida em moeda estrangeira. Aconteceu em 1917, quando os blocheviques tomaram o poder e se recusaram a pagar as dívidas assumidas pelo regime anterior.