Adaptabilidade, flexibilidade, delegação de tarefas, responsabilização. Tudo palavras que soavam bem, mas diziam pouco, e que agora foram mesmo obrigadas a entrar no léxico das empresas, sobretudo das que sabem não poder perder o comboio que passou, ainda mais veloz, durante esta pandemia.
O aviso foi feito pelo painel de especialistas que esta manhã esteve a debater ‘O Novo Trabalho’, durante o último dia do evento anual organizado pela EXAME, pela ManPower e pela Experis sobre ‘O Futuro do Trabalho’. Que lembrou ainda que o teletrabalho pode ser a face mais visível de uma série de mudanças, mas que estas serão sempre muito mais profundas e muito mais alargadas do que parece à primeira vist.a
Chamámos a esta segunda fase a Covid 2.0. Ninguém tinha verdadeiramente experiência de gestão de pandemias em Portugal e, portanto, no início fizemos tudo o que podíamos com o que sabíamos, mas desta vez já nos pudemos prepara um bocadinho mais .
Catarina horta, diretora de capital humano do novo banco
“Chamámos a esta segunda fase a Covid 2.0. Ninguém tinha verdadeiramente experiência de gestão de pandemias em Portugal e, portanto, no início fizemos tudo o que podíamos com o que sabíamos, mas desta vez já nos pudemos prepara um bocadinho mais”, começou por dizer Catarina Horta, Diretora de Capital Humano do Novo Banco. A responsável explicou que a possibilidade de trabalhar remotamente já existia na instituição, dentro de um pacote chamado “Dividendo Social”, mas que apesar de haver iniciativas que são muito bem acolhidas – como entrar mais tarde à segunda-feira e sair mais cedo à sexta-feira ou ter oportunidade de levar para casa, ao preço reduzido do refeitório, refeições –, o teletrabalho tinha muito pouca adesão, “porque basicamente as pessoas achavam que o chefe ia achar mal. Nos primeiros 15 dias da [época a que chamam] Covid 1.0 as pessoas perceberam que o chefe não só não achava mal como até conseguiam trabalhar bem ou até melhor, em casa. Acho que, portanto, isto pode ter vindo para ficar”, considera.
Na Talkdesk, o trabalho remoto já era algo relativamente normal – nos EUA, 40% das equipas já foram contratadas nesse pressuposto, e com 80% das funções em solo nacional a estarem ligadas a funções tecnológicas, foi algo que foi facilmente acomodado pelas equipas. “A nossa vontade era deixar as pessoas o mais a vontade possível para escolherem onde querem estar a trabalhar – muitas voltaram para a Madeira, para Coimbra, para os Açores, lugares de onde tinham vindo só para trabalhar”, realça Francisca Matos, Talent Director na Talkdesk. “Neste momento os nossos escritórios encontram-se encerrados. Algumas pessoas estão com opção de co-working; outras criaram um escritório em casa – a Talkdesk montou um pack de equipamento que as pessoas podiam recolher e levar” e a empresa tentou criar um sistema de acompanhamento para perceber como cada um estava a lidar com o trabalho remoto.
Mas para Vítor Antunes, da Manpower, a grande alteração vai ser o facto de as organizações deixarem de estar assentes no conceito de estabilidade e passarem a estar mais focadas na agilidade e numa cultura de aprendizagem. E isto vai recair sobretudo na responsabilidade dos líderes, que terão como missão conduzir as empresas sob estas novas linhas mestras. “É obvio que ambição, resiliência, visão e adaptabilidade são competências que procuramos sempre em alguém que ocupe cargos de liderança. Mas depois existem as competências que se podem desenvolver, e estas devem estar centradas naquilo que agora se torna ainda mais importante: as pessoas, o desempenho e o propósito”, considera o managing director da consultora.
É obvio que ambição, resiliência, visão e adaptabilidade são competências que procuramos sempre em alguém que ocupe cargos de liderança. Mas depois existem as competências que se podem desenvolver, e estas devem estar centradas naquilo que agora se torna ainda mais importante: as pessoas, o desempenho e o propósito .
vítor antunes, managing director da manpower portugal
“É preciso ouvir as pessoas e desenvolver as suas competências para irem ao encontro daquilo que a organização precisa, mas também ao encontro daquilo que elas próprias pretendem. É preciso, em relação ao propósito, ter uma visão para a organização que oriente os membros mesmo quando não estão com o líder – o que se torna mais regular em tempos de teletrabalho. Portanto ganha importância saber delegar, saber confiar, pedir feedback e agir com base nesse feedback. E em relação ao desempenho, é lembrar algo que até já foi aqui falado durante esta semana: a vertente de gestor do líder. É preciso que ele tenha um desempenho ajustado com o propósito organizacional”, indica ainda Vítor Antunes.
Novas competências, novos empregos
Um dos temas mais falados durante esta mesa redonda foi, precisamente, o possível desaparecimento de várias funções – não apenas por conta da aceleração provocada pela pandemia, mas do surgimento das novas tecnologias, nomeadamente da Inteligência Artificial que vai ajudar à realização de muitas tarefas mais mecânicas e obrigar à prossecução efetiva do desenvolvimento de outras valências por parte dos trabalhadores, como hospitalidade, capacidade de gestão e criatividade, defende Vítor Antunes. No mesmo sentido, a empatia e a capacidade de se colocar no lugar do outro podem ser trunfos nestes novos tempos que se avizinham.
Numa altura em que parece claro que é impossível já travar este comboio em andamento – ou, nas palavras de Francisca Matos, as empresas estão “a construir um avião que está em pleno voo” – a verdade é que parece que ainda falta planeamento a médio e longo prazos, admitem todos. Na Talkdkesk, que é considerada uma empresa nativa digital, talvez os processos estejam mais adiantados – a necessidade de ter estratégias que garantissem a multiculturalidade da organização existiu desde o dia 1, e atualmente até o facto de muitos trabalhadores estarem em diferentes estados dos EUA faz com que seja preciso que as preocupações, por exemplo, em termos de serviços de saúde, sejam consideradas pelos executivos da empresa. No entanto, uma hierarquia mais horizontal parece dar resposta a algumas destas questões, explica a Talent Director. “É claro que temos managers em cada equipa, mas ao invés de serem pessoas que mandam, no clássico sentido do termo, são pessoas que tentam garantir o sucesso de projeto com recurso à colaboração. Temos uma cultura muito ágil que nos permite fazê-lo”, adianta.
É claro que temos managers em cada equipa, mas ao invés de serem pessoas que mandam, no clássico sentido do termo, são pessoas que tentam garantir o sucesso de projeto com recurso à colaboração. Temos uma cultura muito ágil que nos permite fazê-lo .
Francisca matos, talent director da talkdesk
Para Catarina Horta, os eventos regulares com as equipas – seja numa base trimestral, semestral ou aquela que as autoridades de saúde permitirem, para já – pode ser uma forma de garantir que a cultura da empresa continua a ser vivida pelos colaboradores, mesmo que estejam a trabalhar remotamente. Embora, garanta, acredite que nem todos o vão fazer. E usa-se como exemplo para mostrar como nem todos gostam de trabalhar em casa. “Quando estou em casa sou altamente perturbada para outro tipo de chamamento que não trabalhar. Portanto, acredito que o teletrabalho veio para ficar, mas que cada um vai adequar ao seu próprio perfil”.
Uma opinião secundada por Vítor Antunes, que pede ainda que se olhe para o impacto que todas estas decisões vão ter em setores como o imobiliário – são muitas as empresas que estão a fechar escritórios e a repensar as dimensões dos atuais edifícios que ocupa –, nos setores da restauração e do retalho. No entanto, é com uma visão otimista que acredita que apesar de muitos deles terem que se reinventar para fazer face aos novos tempos e ao novo tipo de consumo, há também outras áreas onde a procura por talento vai crescer, como é o caso da cibersegurança, da contabilidade ou das vendas.
No fundo, aquilo para que todos apontam é para um acelerar de processos que há anos se vinham a revelar necessários nas organizações, e que agora foram fortemente impulsionados pela rapidez com que foi preciso agir. Isto obrigará, a partir de agora, a contar com equipas mais flexíveis, adaptáveis e com lideranças seguras, capazes de delegar responsabilidades e de olhar para o futuro enquanto lida com o presente.
A formação ao longo da vida – um tema que foi falado mais do que uma vez durante esta semana – parece ser uma inevitabilidade – tal como um regime laboral mais flexível e adaptado àquilo que é a diversidade geracional que compõe o tecido laboral do País.