As crises que só se costumam ver numa geração parecem estar a tornar-se mais frequentes. Depois da grande tempestade financeira de 2008, as empresas portuguesas tiveram de enfrentar, em 2012, uma recessão violenta durante a intervenção da Troika. Dois anos depois, a economia nacional foi novamente colocada em xeque, com a resolução do BES. E, agora, 2020 tem-se revelado o ano de todas as provações. O choque inesperado provocado pela pandemia, que secou a procura e destruiu cadeias de valor, teve consequências significativas nos resultados das cotadas nacionais que integram o PSI20. O lucro acumulado desceu mais de metade na primeira metade do ano e, apesar de terem existido diferenças no grau de impacto, não houve empresa que conseguisse escapar a uma crise desta dimensão.
O lucro acumulado das cotadas totalizou cerca de 835 milhões de euros entre o início de janeiro e o final de junho, uma quebra de 55% face aos mais de 1,86 mil milhões alcançados no mesmo período do ano anterior, segundo cálculos da EXAME. Foi o pior semestre desde a recessão portuguesa de 2012. Os números excluem as contas da Ibersol, que ainda não tinha mostrado os resultados ao mercado até ao fecho desta edição, e da Pharol, já que a empresa praticamente não tem atividade e tem como único ativo a participação na brasileira Oi. Incluindo a evolução dos resultados da antiga Portugal Telecom, esta época de apresentação de resultados do PSI20 seria a pior desde 2013.
A pandemia colocou em quarentena a tendência de subida dos resultados que as cotadas nacionais apresentavam nos últimos três anos. Não houve quem resistisse a uma quebra de 16,3% do PIB nacional como a que se verificou no segundo trimestre. “Perante o confinamento, em que muitas empresas estiveram encerradas, nomeadamente do setor discricionário, era expectável que os lucros do PSI20 no primeiro semestre recuassem para níveis que já não se observavam” desde o período de intervenção da Troika, refere Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa.
O grau de destruição de valor é ainda mais visível se analisarmos apenas os resultados das empresas não financeiras. Este grupo de cotadas teve lucros bem mais baixos do que nos anos mais duros da Ttroika e da recessão de 2009. O resultado acumulado foi de cerca de 760 milhões de euros. Em 2012, tinha sido de 1,36 mil milhões de euros e, em 2009, de cerca de 960 milhões.
O cenário de quebra acentuada dos resultados foi semelhante um pouco por todo o mundo. Nos EUA, as empresas do S&P 500 viram os seus lucros reduzidos em um terço durante o segundo trimestre do ano, face ao mesmo período do ano anterior, segundo estimativas da Thomson Reuters. Na Europa, as cotadas que integram o índice das 600 maiores das bolsas do Velho Continente viram os lucros cair 52%, entre o início de março e o final de junho. Cingindo a análise às empresas do PSI20 apenas ao segundo trimestre, que coincidiu com a fase mais restritiva das medidas de contenção da pandemia, os lucros acumulados baixaram 57 por cento.
Os maiores impactos
O setor da energia foi o mais afetado. A menor atividade fez com que o consumo de eletricidade ou a procura por combustível baixasse de forma significativa. As empresas do Stoxx 600 dessa área de atividade tiveram prejuízos acumulados de cinco mil milhões de euros, no segundo trimestre. No mesmo período do ano anterior tinham lucrado 9,4 mil milhões de euros. Outra das áreas mais penalizadas foi a de bens de consumo cíclico, que também passou do lucro ao prejuízo. As quedas nos resultados foram generalizadas, mas houve uma exceção: as cotadas do setor da saúde, que conseguiram uma subida ligeira de 1,2% dos lucros para 18,1 mil milhões de euros.
Na bolsa portuguesa a tendência foi semelhante, com o setor da energia, o que mais pesa na praça nacional, a ter algumas das maiores quebras. A Galp passou de um lucro de 303 milhões na primeira metade de 2019 para um prejuízo de 22 milhões no primeiro semestre deste ano. “A descida do preço do petróleo penalizou a Galp, mas a queda desta matéria-prima foi uma consequência da pandemia”, refere Paulo Rosa.
A petrolífera liderada por Carlos Gomes da Silva referiu no seu relatório de resultados que a pandemia foi um “cenário imprevisível”, que provocou um “choque na indústria petrolífera e de gás, especificamente nos países onde a Galp opera, como Portugal e Espanha”. A empresa foi forçada a avançar com ações como “redução de custos, otimização do fundo de maneio e reavaliação e adiamento de investimentos” para assegurar a continuidade das suas operações, no longo prazo. A cotada chegou a desembolsar um dividendo em maio deste ano (relativo a 2019), mas suspendeu a remuneração intercalar que seria paga na segunda metade de 2020. Ainda na energia, a EDP viu os lucros descerem 90 milhões de euros para 315 milhões e a EDP Renováveis teve um resultado líquido de 255 milhões, menos 88 milhões do que no mesmo período do ano anterior.
Além da Galp, também a Sonae não escapou aos prejuízos na primeira metade do ano. Teve perdas de 75 milhões de euros, bem longe dos 38 milhões de lucro alcançados no período homólogo. A empresa liderada por Cláudia Azevedo justificou estes números com “contingências contabilísticas de 76 milhões de euros já registadas no primeiro trimestre e pela redução da avaliação do portefólio da Sonae Sierra no segundo trimestre, ambas diretamente relacionadas com a Covid-19”. Já a Sonae Capital agravou as perdas sofridas no último ano.
Também os CTT fecharam o semestre no vermelho. A empresa reportou um prejuízo de dois milhões de euros, 11 milhões abaixo do resultado que tinha sido alcançado na primeira metade de 2019. “A área de negócio de correio foi muito afetada, a partir da segunda metade do mês de março e até maio, pelo confinamento em consequência da Covid-19”, detalha a empresa presidida por João Bento. Os rendimentos da unidade de expresso e encomendas até subiram 17% mas, ainda assim, foram insuficientes para a empresa de correios evitar um resultado líquido consolidado negativo.
As restantes cotadas conseguiram sobreviver e fechar o semestre com lucros. Mas nenhuma melhorou os números. A REN e a Corticeira Amorim foram as que mais conseguiram atenuar o impacto, com quebras de 9,8% e de 15% nos resultados. De resto, foram tombos entre 20% e 87 por cento.
Sinais de resistência
A razia nos resultados não surpreende. Mas apesar do choque nas receitas, e de uma parte significativa de empresas ter optado por distribuir dividendos no decurso do primeiro semestre, a dívida líquida das cotadas do PSI20 não teve uma subida exponencial. Houve um aumento de 2,9%, para 30,6 mil milhões de euros. E até houve empresas que reduziram o endividamento, casos da Semapa, NOS, Corticeira Amorim, Navigator e Jerónimo Martins. No caso da papeleira, a decisão em suspender o pagamento de dividendos terá ajudado na tarefa de cortar dívida. Por seu lado, a dona do Pingo Doce reviu em baixa o valor da remuneração a distribuir aos acionistas.
Já a Galp e a EDP preferiram manter as promessas aos acionistas e não mexeram no dividendo relativo a 2019, que até superou os resultados alcançados pelos dois gigantes da bolsa portuguesa nesse ano. A dívida líquida da petrolífera aumentou 35%, para 1,9 mil milhões de euros. Na elétrica, a subida foi de 1,9%, para mais de 14 mil milhões de euros.
Ainda assim, os números acumulados da dívida de empresas da bolsa nacional ficaram contidos em semestre de pandemia. “Genericamente, as cotadas do PSI20 apresentam balanços relativamente musculados para enfrentarem as perdas que registaram durante o confinamento”, considera Paulo Rosa. O economista do Banco Carregosa nota outros fatores que mostram resistência, como a “compra da Viesgo por parte da EDP ainda no período de gradual levantamento das restrições à liberdade de circulação”. Essa operação levou a empresa liderada interinamente por Miguel Stilwell a fechar com sucesso e sem grandes sobressaltos uma operação de aumento de capital no valor de mil milhões de euros, em agosto.
Apesar desses sinais de resistência, Paulo Rosa explica que “para uma economia como a portuguesa, tão dependente do turismo, dos setores mais penalizados pelo confinamento e distanciamento social, é plausível esta queda do lucro das cotadas do PSI20, e os investidores aguardam com expectativa a chegada de uma vacina ou a aprovação de testes rápidos e baratos”. Até lá, a esperança é de que a situação pandémica não piore ao ponto de forçar as autoridades a colocarem novamente a economia em confinamento.
Artigo publicado originalmente na edição 438, de outubro, da revista EXAME.