Já é sabido que nenhuma das pessoas que está a ler este texto hoje vai ter a possibilidade de ver ao longo da sua vida homens e mulheres que façam o mesmo trabalho a ter o mesmo nível de rendimento – estamos a, pelo menos, 100 anos desse momento. E ainda que importe dizer que há muito caminho feito, não se pode ignorar que ainda há demasiado por fazer.
Os dados do ‘The Global Gender Gap Index 2020’ mostra que Portugal subiu dois lugares no ranking da igualdade – passou da 37.º para a 35.º posição desde o ano passado – mas caiu três patamares na comparação com 2006, o primeiro ano em que este Índice foi realizado pelo Fórum Económico Mundial.
Isto não significa que Portugal está pior do que em 2006 – aliás, na maior parte dos indicadores está bastante melhor -, mas revela apenas que os outros Estados aceleraram o passo e conseguiram melhores resultados.
A Islândia continua, pelo 11.º ano consecutivo, a encabeçar este ranking, que mede o grau de igualdade (ou desigualdade) entre homens e mulheres em diversos indicadores: participação económica e oportunidade, educação; saúde e esperança média de vida e participação política. Cada um destes é depois desagregado em vários outros campos, para um melhor entendimento do avanço (ou retrocesso) de cada país.
Em Portugal, homens e mulheres já estão em pé de igualdade no que concerne a trabalhadores qualificados e ao nível de estudos garantidos. É na participação nos órgãos de poder político que se verifica a maior clivagem, com Portugal a garantir uma pontuação de 0.278 pontos – aqui, zero é equivalente a desigualdade e 1 equivalente a paridade.
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Na questão da igualdade, como em tantas outras, os exemplos têm de vir de cima para se conseguir acelerar processos. E se em Portugal a paridade tarda em chegar aos órgãos de soberania, o que dizer das administrações das empresas? Na UE, apenas 8% dos cargos de presidência executiva de grandes empresas são ocupadas por mulheres – há vários países onde os exemplos estão a dar que falar.
A primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Arden, causou espanto quando, em 2018, afirmou que iria ter um filho durante o seu mandato, e que depois de seis semanas de licença de maternidade, passaria a ‘pasta da criança’ ao seu companheiro, que gozou o restante tempo de licença. Arden tornava-se assim a segunda primeira-ministra, em todo o mundo, a ser mãe em pleno exercício de funções – a primeira foi Benazir Bhutto, em 1990. Os coros de críticas não tardaram, mas foram muitos mais os que a aplaudiram por se ter mantido firme naquilo que é a sua convicção: a de que “é possível as mulheres desempenharem vários papéis ao mesmo tempo”, desde que seja essa a sua vontade.
Depois disso, houve deputadas a amamentar em sessões parlamentares, bebés a participar em reuniões um pouco por todo o mundo, sinais de que, apesar de ainda faltar muito caminho para percorrer, as mentalidades começam a mudar.
Já em janeiro deste ano, os holofotes viraram-se para o ministro japonês do ambiente, Shinjiro Koizumi, que chegou a ser apontado como um dos favoritos para suceder a Shinzo Abe. Koizumi foi o primeiro elemento de um Executivo nipónico a gozar de licença de paternidade. A lei daquele país já prevê que os pais podem estar um ano em licença, mas estar fora do mercado de trabalho durante todo esse tempo é social e culturalmente mal visto, pelo que praticamente ninguém o faz – segundo dados oficiais, apenas 6% dos pais japoneses gozam de alguns dias da sua licença.
Quando anunciou que iria ausentar-se durante duas semanas, Koizumi respondeu aos críticos afirmando que não entendia o destaque dado à sua decisão, que considerou como perfeitamente normal, e tomou a reação como um sinal de que o Japão é um país “intransigente e antiquado”.
Filhos: ativos ou passivos?
A parentalidade continua a ser um dos principais motivos pelos quais as mulheres são muitas vezes deixadas para trás, seja na corrida a cargos de topo, seja na questão salarial, seja na escolha para cargos executivamente exigentes. Se, genericamente, se olha para os homens como os provedores de condições para que as famílias sejam saudáveis, assume-se igualmente que as mulheres podem (e devem) ganhar menos porque alegadamente estão “menos disponíveis” quando há filhos, sobretudo pequenos, em casa. Na União Europeia, o fosso salarial entre homens e mulheres é, atualmente, de 16% e, segundo a própria Comissão, estas últimas “continuam a ter obstáculos no acesso e na permanência no mercado de trabalho”. E isto apesar de o número de homens com um diploma universitário ser inferior ao de mulheres.
Esta é, aliás, uma das questões à qual a Comissão Europeia se compromete a dar resposta na sua Estratégia Europeia para a Igualdade de Género 2020-2025, apresentada em março. “Para permitir que as mulheres prosperem no mercado de trabalho, a Comissão redobrará igualmente de esforços para fazer cumprir as normas da UE em matéria de conciliação entre vida profissional e vida familiar, a fim de que as mulheres e os homens tenham uma verdadeira possibilidade de escolha no que respeita ao seu desenvolvimento tanto a nível pessoal como profissional”, lê-se no documento libertado na altura.
A equipa de Ursula Von der Leyen reafirma ainda a importância de agir como exemplo no campo da representação política. E nesse sentido, “a fim de permitir que as mulheres assumam a liderança nomeadamente nas empresas, a Comissão incentivará a adoção da proposta de 2012 relativa ao equilíbrio entre homens e mulheres nos conselhos de administração das empresas. […] Para dar o exemplo, a Comissão procurará alcançar um equilíbrio de 50 % entre homens e mulheres em todos os níveis de gestão até ao final de 2024”, esclarece o mesmo documento.
Dados compilados pela PricewaterhouseCoopers (PwC) no seu Women in Work Index 2020 revelavam, no início deste ano, que em Portugal as mulheres ganham menos 18,9% que os homens. Isto num país onde as mulheres representam 59% da população com ensino superior.
Já os dados do Fórum Económico Mundial mostram que apesar de as mulheres terem conseguido aumentar a sua participação no mercado de trabalho – fazendo com que Portugal esteja no 28.º lugar do ranking deste indicador, entre os 153 países considerados –, a verdade é que quando se olha para o fosso salarial [considerando apenas trabalhos e funções equivalentes], Portugal tomba para o 100.º lugar do índice. Além de que este é também o único indicador onde Portugal não está acima ou, pelo menos, em linha com a média de todos os Estados considerados.
Contas feitas e, apesar de se ter trilhado um caminho importante, Portugal precisa de continuar a correr para acompanhar os seus congéneres, que se têm revelado muito mais céleres a garantir as mudanças necessárias no caminho para a igualdade.