Se muitas das grandes empresas construíram mecanismos que lhes permitem agora navegar os mares conturbados da crise pandémica, isso não é verdade para as micro, pequenas e médias empresas que fazem a esmagadora maioria do tecido económico empresarial. E se boa parte daquelas que estavam saudáveis antes da chegada da Covid-19 vão preservar o essencial da sua atividade e sobreviver à travessia do deserto, para outras a solução pode ter de passar por ganhar escala e satisfazer as necessidades de capitalização, ao mesmo tempo que será necessário reinventar a forma como Portugal vai gerir os recursos vindos de Bruxelas.
“As empresas precisam de ter abertura para se fundirem, para se tornarem maiores e começarem a trabalhar conjuntamente, como aconteceu no passado com os casos dos moldes e do calçado,” defendeu Rui Leão Martinho, bastonário da Ordem dos Economistas, durante a conferência online “Retoma da eficiência dos negócios”, organizada esta segunda-feira, 14 de setembro, pela EXAME e pela Ageas Seguros (e que pode rever neste link). “Muitas vezes, para ganhar clientes, é preciso ter condições financeiras para operar com eles. Quando se exige isso, recomendo que estejam de olhos abertos para essas parcerias, que envolvem algum know-how, que trazem capacidade,” secundou Luís Castro Henriques.
O presidente da AICEP, que foi um dos intervenientes do painel “Tomar o pulso à economia”, defendeu que esta crise encontrou empresas mais bem preparadas que a anterior (2008/2011) e que essas vão continuar a estar em melhores condições que a generalidade das suas pares uma vez passada a pandemia. Mas alertou para a necessidade de todas anteciparem o seu ciclo produtivo para os próximos seis meses. “Ainda vamos assistir [a destruição de capital], mesmo com moratórias e uma série de ferramentas que estão a ser usadas. (…). Estamos a aproximar-nos de um momento de embate. Para alguns setores, como calçado, têxtil ou vestuário, houve um período que não foi escoado em 2020 e isso vai ter um impacto em 2021,” exemplificou.
Daí que o ganho de escala por fusões e aquisições (a que as novas gerações de gestores estarão mais abertas) e a realização de joint-ventures também possa ser um instrumento para reforçar a própria capitalização das empresas. António Saraiva, que participou no terceiro painel (“Caminhos para a recuperação”), também foi perentório nessa necessidade de recapitalização e na existência de estímulos fiscais (mas não só) para ganhar escala e acelerar a internacionalização da economia. Sobre a recapitalização, criticou a entrada de capitais de risco na última crise e admitiu a entrada de capital público, mas sem “condições usurárias.” Além disso, acrescentou, “as empresas não podem estar de mão estendida ao paizinho Estado.”
À espera do despertar das viagens
Fortemente afetado pela interrupção das viagens e pelos receios de propagação da doença, o setor do turismo é um dos mais importantes para as exportações, emprego e geração de receita. E, também por isso, aquele que precisará de estar na linha da frente entre os mais bem preparados para reagir assim que a situação pandémica seja ultrapassada, apto a satisfazer as necessidades de viajar que o setor acredita que serão das primeiras a despertar.
Prémio Inovação em prevenção
O êxito da saída de qualquer crise, como foi analisado durante este webinar, depende em boa medida da preparação e da análise de riscos que é feita previamente pelas empresas. Em muitos casos, trata-se de boas práticas que, ao serem disseminadas, podem beneficiar todo o ecossistema. “A prevenção tem um papel ainda mais relevante [no contexto de pandemia]. Situações como esta pandemia também são um tema relevante e para o qual consideramos que temos conhecimento acumulado na nossa atividade principal, e podemos ajudar no reconhecimento dos riscos, na preparação e ajudar a ultrapassar esses incidentes,” afirmou o CEO da Ageas, José Gomes, durante o segundo painel da conferência, dedicado ao Prémio Inovação em Prevenção, que está a ser promovido em parceria com a EXAME e cujas inscrições estão abertas até final de outubro. O regulamento e todas as informações relevantes podem ser consultadas aqui. José Gomes desafiou as empresas a candidatarem-se e a partilharem as medidas que assumiram e estão implementadas neste âmbito, bem como a componente de inovação que lhes está associada e que “é fundamental.”
Mas, entretanto, há que ir vencendo a crise. E a presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) deixou críticas à forma como isso tem sido feito na Europa, desde a gestão das fronteiras (mesmo dentro do espaço Schengen) sem normas comuns ou regras uniformes, até às medidas protecionistas dos países que preferem estimular o mercado interno. Sem ultrapassar esses obstáculos, defendeu Cristina Siza Vieira, é muito difícil retomar as viagens. “Mesmo dentro dos países há assimetrias – entre os Açores e a Madeira, entre freguesias. Se não conseguimos governar bem a nossa casa, como é que conseguimos governar o espaço europeu?”, questionou.
Para que Portugal saia como um dos primeiros beneficiados na realidade pós-pandemia, a responsável associativa defendeu a aposta nas acessibilidades aéreas, que permitem a chegada de 90% dos turistas internacionais a Portugal. E, neste domínio, a construção do novo aeroporto e a existência da TAP, que transporta 50% dos passageiros que frequentam a oferta turística e hoteleira nacional. Por outro lado, sublinhou a necessidade de um novo entendimento no setor. “Quando se fala muito em precariedade… não é precariedade. No turismo o que há é picos de produção, sazonalidade. Tem de haver um novo pacto social. Acho fundamental a contratação coletiva por razões de concorrência e competitividade das empresas. Mas é necessário haver um pacto social, que neste momento vejo com muita dificuldade. Estas circunstâncias de continuar a manter a atratividade do destino, e tecido económico social e humano que Portugal tem implica que empresas sobrevivam a este vale desértico.”
Planos e mais planos… falta implementar
Outro terreno pisado neste webinar foi o das estratégias de saída da crise e dos recursos para lhe fazer frente. Com um envelope comunitário avaliado em 57,9 mil milhões de euros a caminho no âmbito das transferências europeias, quase metade dos quais respeitantes ao Quadro Financeiro Plurianual, chegaram avisos sobre a forma como se vai desenhar a aplicação dessas verbas, que não poderá ser semelhante ao desenho feito dos quadros comunitários de apoio desde os anos 80. “Ou há uma reinvenção da maneira como são colocados ao serviço da competitividade e da produtividade, ou temos uma ‘pipa de massa’ que de pouco ou nada serve. Temos de partir do zero,” desafiou o presidente do ISQ, Pedro Matias.
Da forma como esse dinheiro vai ser aplicado dependerá também o que ficará vertido no plano de recuperação que António Costa Silva preparou para o Governo e cujo resultado da consulta pública será conhecido esta terça-feira. Mas planos há (houve) muitos, coincidiram os participantes neste webinar. É preciso é que passem do papel para o terreno. “Os planos estão todos feitos. O que falta é implementação,” atirou o presidente da CIP, ilustrando com os cinco grandes estudos apresentados numa década pela confederação ao governo que não tiveram sequência, e defendendo um acordo parlamentar de regime que permita realizar os elementos nucleares desses planos. “Com o devido respeito – tenho por ele enorme apreço – António Costa e Silva veio trazer-nos mais um documento, mais uma análise que soma a outras. Falta implementar. Um pouco como se dizia do Alqueva – e eu, como alentejano, permitam-me reproduzir este ponto – ‘Construam-me, porra!’”