Costuma dizer-se que a diferença entre um génio e um louco está no resultado. E, durante a sua carreira, Masayoshi Son já foi visto como um visionário capaz de gerar valor de forma galopante, mas também como um excêntrico que faz apostas caras, arriscadas e pouco racionais. Ainda antes de a pandemia começar a fazer mossa nos mercados financeiros, o fundador do Softbank estava a sofrer grandes reveses nos seus investimentos gigantes na Uber e na WeWork que levaram o mercado a questionar se o conglomerado japonês não teria andado a causar uma bolha no reino dos unicórnios. A crise provocada pela pandemia trouxe uma machadada ainda mais violenta nas contas do Softbank. No ano fiscal terminado no passado mês de março teve perdas de 1,36 biliões de ienes (11,34 mil milhões de euros). Segundo a Imprensa do país, foi o maior prejuízo alguma vez registado por uma cotada nipónica.
Nada que pareça retirar a confiança de “Masa”, um gestor carismático que gosta de citar Yoda quando fecha um negócio, incentivando os seus empreendedores a “sentirem a Força”. Aliás, o investidor já chegou a ser comparado à sábia personagem de Star Wars. Esta não é a primeira vez que o líder do Softbank e do Vison Fund, o maior fundo de capital de risco do mundo, se vê a braços com perdas avultadas. Na crise das dotcom de início dos anos 2000, a sua empresa chegou a perder 93% e a estar muito perto da falência. Mas Masayoshi Son continuou a acreditar na “Força” e conseguiu reerguer-se. Apesar das dificuldades, ainda conseguiu margem para investir nesse ano 20 milhões de dólares numa então pequena e relativamente desconhecida startup, a Alibaba, fundada e liderada por Jack Ma. Quando a atual gigante chinesa do comércio eletrónico entrou em bolsa em 2014, o Softbank assegurou um encaixe de 60 mil milhões de dólares.
Apesar de já ter estado à beira de perder tudo, o gestor japonês mostra não ter receio de fazer apostas ambiciosas. O objetivo é “sonhar em grande” para tornar “possível o impossível”, como Masayoshi Son escreveu numa mensagem a investidores. Quase que faz lembrar um dos ensinamentos mais populares de Yoda: “Try not. Do. Or do not. There is no try.” Com o poderio financeiro do Softbank e o poder de fogo inicial de 100 mil milhões de dólares do Vision Fund, alimentado com muito investimento do fundo soberano saudita, o gestor nipónico não foi conservador no dinheiro que atirou para empresas que considerou serem as próximas Alibabas ou que pudessem ajudar o Softbank a concretizar a sua visão.
Nesta estratégia não há meio termo. Quando é para investir é para o fazer em força. Mas isso tem despertado críticas frequentes de rivais e analistas que acusam o gigante nipónico de ter criado uma bolha no setor das tecnológicas. “Masa” é um dos mais prolíficos criadores de unicórnios (empresas que recebem rondas de investimento que as avaliam em mais de mil milhões de dólares) e, dado o peso do Softbank no capital de risco, é visto como um dos responsáveis pela inflação nos preços que os investidores têm pago nos últimos anos para comprarem participações em startups tecnológicas.
Ainda antes da pandemia, já havia unicórnios em dificuldades para justificar os valores que receberam em rondas de investimento. E o Softbank viu algumas das suas apostas resvalarem para o “vale dos unicórnios”, uma espécie de cemitério de empresas que falharam em sustentar as avaliações elevadas dadas por investidores. Foi o caso da WeWork, a empresa de espaços de coworking que caiu em desgraça quando quis entrar em bolsa, devido às dúvidas dos investidores sobre o desempenho financeiro da empresa e a conduta do seu CEO da altura, Adam Neumann.
O Softbank chegou a dar um valor de 47 mil milhões de dólares à tecnológica, avaliação que em poucos meses caiu para 2,9 mil milhões. Além do prejuízo, o processo de investimento do gigante japonês também não fez com que “Masa” saísse bem na fotografia. Neumann garantiu que Masayoshi Son precisou de apenas 28 minutos na primeira reunião entre os dois para decidir aplicar 4,4 mil milhões de dólares na WeWork. Muitos anteciparam que este falhanço, a par com a estreia em bolsa pouco auspiciosa da Uber, marcaria o princípio do rebentar da bolha criada pelo Softbank. Agora, a crise provocada pela pandemia pode levar mais empresas a caírem no temido “vale”.
O presidente do Softbank admitiu, na última conferência de imprensa sobre os resultados financeiros, que das 88 empresas em que o Vision Fund investe 15 poderão ficar na bancarrota. Mas acredita que outras 15 poderão tornar-se em seres alados e sair a voar desse fosso, com potencial para crescerem de forma expressiva nos próximos anos.
Perante o ceticismo dos analistas após as contas de 2019, o Financial Times indicou que Masayoshi Son comentou que até Jesus Cristo tinha sido um incompreendido. A crença na “Força” de “Masa” aparenta estar mais fraca. Até Jack Ma, o seu grande aliado, saiu da administração do Softbank, após o anúncio de prejuízos históricos.
As grandes apostas do Softbank
O gigante nipónico tem participação em mais de 80 empresas. Ganhou o jackpot com a Alibaba, mas teve dificuldade em repetir esse sucesso nos seus últimos grandes investimentos.
Alibaba
A empresa de comércio eletrónico foi o grande golpe de génio de Masayoshi Son. Investiu 20 milhões de dólares em 2020 e assegurou um lucro de 60 mil milhões de dólares, quando a Alibaba entrou em bolsa em 2014. O Softbank detém 26% da cotada chinesa, mas está a usar as ações como garantia de financiamentos e há notícias a indicar que poderá vir a reduzir a participação. Jack Ma, o fundador da gigante de e-commerce, abandonou recentemente o cargo que tinha na administração do Softbank.
Uber
É um dos grandes símbolos da nova economia de partilha, assente em plataformas tecnológicas que foram disruptoras de setores tradicionais. O Softbank entrou no capital da Uber no início de 2018, antes da entrada em bolsa da empresa. O investimento na empresa foi de 7,6 mil milhões de dólares. Nas contas relativas a final de março, a holding nipónica assumiu uma perda de 1,4 mil milhões com esse investimento. Desde a oferta pública inicial da Uber, em maio de 2019, os títulos da empresa desvalorizam cerca de 25 por cento.
WeWork
Foi um dos investimentos que mais contribuíram para as suspeitas de que o Softbank tem pago preços demasiado elevados por startups tecnológicas e que criou uma bolha no setor. Masayoshi Son aplicou cerca de nove mil milhões de dólares na empresa. Chegou a avaliá-la em 47 mil milhões de dólares. Após uma tentativa falhada de entrada em bolsa, a WeWork vale apenas 2,9 mil milhões.
O outro lado da Força
Masayoshi Son tem referido por várias vezes que não é o resultado financeiro de um determinado ano que lhe tira o sono, já que quer construir algo que perdure durante séculos. Num dos relatórios anuais explicou que quer que o Softbank seja uma espécie de Orquestra Filarmónica de Viena: “Foi fundada em 1842 e continuou a tocar boa música por mais de 150 anos, apesar dos seus maestros e intérpretes terem mudado ao longo da história. Esta tradição irá provavelmente continuar por mais um ou dois séculos. Queremos, de forma semelhante, criar um ecossistema que continue a crescer por 300 anos”, indicou Masayoshi Son.
A visão de “Masa” é tornar o grupo um cluster de líderes de mercado nas áreas da tecnologia e Inteligência Artificial e fazer com que quase todas as pessoas do mundo necessitem dessas soluções numa “revolução de informação” que traga “felicidade para todos”, slogan repetido frequentemente nas comunicações corporativas do conglomerado japonês. Mas, tal como acontece a alguns Jedi, é fácil resvalar para o lado negro da Força.
As empresas em que o Softbank investe são sobretudo plataformas como a Uber e a WeWork, que recorrem a trabalhadores precários e que já foram acusadas de deteriorar as condições de trabalho em algumas áreas de atividade. O New York Times chamou-lhe o “efeito Softbank”. No ano passado, em alguns países, houve manifestações de trabalhadores de empresas controladas pela entidade japonesa. Além disso, com a dificuldade desses unicórnios em apresentarem resultados financeiros que justifiquem as elevadas avaliações pagas por Masayoshi Son, sucedem-se os despedimentos. A tendência deverá acentuar-se na resposta à crise provocada pela pandemia.
Mas não são apenas as condições de trabalho dos subcontratados pelas empresas dominadas pelo Softbank a causar controvérsia. Em 2018, quando muitos líderes empresariais cancelaram a presença numa das grandes cimeiras de investimentos da Arábia Saudita – na reação ao assassinato do jornalista Jamal Khashoggi por agentes do regime saudita –, o gestor japonês voou até Riade. Segundo o Financial Times, a viagem terá servido para Masayoshi Son garantir que não iria cortar relações com o príncipe herdeiro saudita, Mohammad bin Salman. O fundo soberano do país árabe avançou com 45 mil milhões de dólares no lançamento do Vision Fund, e Masayoshi Son esperava antes da pandemia contar com um novo apoio para avançar com um segundo veículo de investimento.
Além da gestão reputacional desses casos, “Masa” está também a braços com a pressão de acionistas do Softbank, com Paul Singer à cabeça. O líder da Elliott Management entrou no capital da empresa e exige maior transparência nas avaliações dos unicórnios detidos pela entidade japonesa, assim como um plano que permitisse libertar mais valor para os acionistas. Já em março, após as ações da empresa terem perdido mais de metade do valor, Masayoshi Son usou títulos da Alibaba como garantia para assegurar um financiamento de 11 mil milhões de dólares de forma a iniciar um maciço programa de recompra de ações próprias. Respondeu às exigências de Paul Singer e evitou um problema, já que muitos dos créditos do Softbank têm ações da própria empresa como colateral. A desvalorização em bolsa poderia levar a que se tivesse de reforçar garantias.
A empresa já recuperou quase todo o valor perdido nesse mês de quedas livres. Mas para uma entidade que diz ter um horizonte temporal de séculos, teve de recorrer a uma estratégia que sustenta o preço das ações no curto prazo à custa de um fardo mais pesado de dívida para os próximos anos. As agências de rating já avisaram o Softbank que isso poderá ter consequências na solidez financeira da empresa. Com a dívida a aumentar e o valor dos seus unicórnios a descer, “Masa” enfrenta um grande teste à sua Força e à forma como a vai utilizar.
Artigo publicado originalmente na edição n.º 435, de julho de 2020, da EXAME