“Ter medo quando os outros são gananciosos. E ser ganancioso quando os outros têm medo.” Esta é uma das muitas máximas de Warren Buffet que se tornaram uma espécie de mandamentos para muitos investidores. Mas, apesar de todos os medos decorrentes das consequências do “Grande Confinamento” para a economia e para os mercados financeiros, o presidente da Berkshire Hathaway não dá sinais de querer arriscar. Preferiu, tal como muitos outros investidores, aumentar o dinheiro que tem guardado em caixa para valores recorde, em vez de lançar-se em grandes aventuras. É que, nos tempos de incerteza que o mundo atravessa devido à pandemia, nem o Oráculo de Omaha se arrisca a fazer grandes previsões.
“Não sei o que o mercado vai fazer amanhã, na próxima semana, no próximo mês ou no próximo ano”, disse o investidor de 89 anos, na assembleia-geral de acionistas da Berkshire Hathaway, uma espécie de Woodstock do capitalismo que costuma atrair cerca de 40 mil pessoas, mas que, este ano, teve de realizar-se à distância. O dinheiro em caixa e equivalentes era de 137 mil milhões de dólares, no final de março. Nos últimos meses reforçou ainda mais esse valor para 146,6 mil milhões de dólares, um novo recorde. Já há quem lhe chame o Fort Knox do mundo empresarial.
Buffett, considerado por muitos o melhor investidor de todos os tempos, tentou desvalorizar o facto de estar a acumular cada vez mais dinheiro em liquidez, em vez de utilizá-lo para financiar aquisições ou encontrar novos investimentos em bolsa. E a verdade é que o montante cada vez maior em caixa e equivalentes já revelava uma grande tendência de subida antes da pandemia. Apesar de outro dos grandes mandamentos de Buffett ser o de comprar apenas negócios com os quais fique confortável, se as bolsas encerrarem durante dez anos, o investidor garante que “teremos sempre bastante dinheiro na mão”. Relembrou momentos da História, como o 11 de Setembro e a I Guerra Mundial, em que os mercados norte-americanos permaneceram fechados. O presidente da Berkshire Hathaway quer garantir que a empresa está “preparada para tudo” e afirmou que o mercado de crédito norte-americano esteve bastante perto de ficar congelado, à semelhança do que aconteceu na crise financeira de 2008.
“Ficámos muito perto nesse dia ou dois dias antes de 23 de março, mas, felizmente, tivemos uma Reserva Federal que soube o que fazer”, considerou Buffett. Nessa data, o banco central liderado por Jerome Powell apresentou um conjunto de medidas para impedir que os mercados de crédito nos EUA colapsassem, anunciando programas de compras de dívida pública, dívida titularizada, obrigações de curto e de longo prazos de empresas. Basicamente, a Fed respondeu à crise com um programa de compras a roçar o infinito. Antes dessa decisão, o presidente da Berkshire Hathaway constatara que o crédito às maiores empresas do mundo, incluindo as que têm melhor qualidade de dívida, havia ficado muito perto do congelamento total. O Oráculo de Omaha disse que, assim, Powell merecia um “pedestal” pela forma como agiu. Considerou que, “apesar de ninguém saber de forma exata quais as consequências da massiva expansão do balanço da Fed, já se conheciam as consequências de nada se ter feito”.
Sem alvos e tiros ao lado
Na crise de 2008, a Berkshire Hathaway usou a sua capacidade financeira para fazer grandes investimentos em empresas que atravessavam graves problemas de liquidez e de capital, como o Goldman Sachs e a General Electric. Buffett conseguiu negociar termos favoráveis, tanto em juros como em possibilidade de conversão em capital, que lhe permitiram lucros avultados. “Foram desenhados para tirar partido do que pensávamos ser termos muito atrativos, mas que mais ninguém estava disposto a oferecer nessa altura, porque o mercado estava em estado de pânico”, explicou o Oráculo nas palavras que dirigiu aos acionistas no início de maio. Só no banco, a aposta de cinco mil milhões de dólares na crise financeira rendeu mais de três mil milhões de lucros à Berkshire.
Mas, desta vez, e devido à intervenção rápida da Fed, não houve oportunidades de negócios desse tipo. Greg Abel, um dos executivos de topo da Berkshire e potencial sucessor de Buffett, disse que, antes da intervenção do banco central, a empresa recebeu alguns telefonemas sobre potenciais oportunidades de negócio. No entanto, nenhum deles aparentava ser atrativo e, entretanto, as medidas da Fed permitiram que quem tivesse dificuldade de financiamento fosse facilmente ao mercado buscar dinheiro. “Não fizemos nada porque não vimos nada que pudesse ser atrativo. Agora, isso pode mudar muito rapidamente ou nem sequer acontecer”, acrescentou Buffett. Os três critérios do investidor para fazer compras são empresas que tenham boa remuneração do capital tangível, que sejam lideradas por gestores honestos e que estejam disponíveis a um bom preço.
Há mais de um ano que o Oráculo de Omaha tem sinalizado que quer fazer uma compra de grande dimensão para colocar o dinheiro em caixa a render. Mas não está fácil encontrar um alvo. Em 2019, Buffett considerava que o mercado estava caro. Agora, o problema é que ninguém sabe muito bem o que acontecerá com a economia e com as empresas. “Há muitos cenários que poderão desenrolar-se e em alguns deles iremos gastar muito dinheiro e noutros não o iremos fazer”, disse o líder da Berkshire Hathaway. Nas últimas semanas, o investidor tem usado algum do poder de fogo construído nos últimos anos para recomprar ações da sua própria empresa, numa tentativa de contrariar a pressão que os títulos têm sofrido.
Além de não fazer novas compras, Buffett tem estado numa posição de vendedor durante a pandemia. Revelou aos acionistas que, em abril, fez vendas líquidas de seis mil milhões de dólares em ações. Desfez-se, com perdas avultadas, das posições de cerca de 10% que tinha nas quatro maiores companhias aéreas norte-americanas. O investidor apostou no setor, no final de 2016, com a esperança de poder beneficiar dos agressivos programas de recompras de ações próprias que aquelas cotadas tinham em curso. No entanto, o “Grande Confinamento” deixou os aviões em terra, bem como as maiores empresas do setor dependentes de ajudas do Estado para poderem sobreviver.
“Posso estar errado, e espero estar, mas penso que o negócio da aviação mudou de forma muito significativa”, disse. “Não sei se daqui a dois ou três anos haverá tanta gente a voar como havia no ano passado. Isso pode acontecer ou não, mas o futuro e a forma como o negócio vai recuperar são pouco claros, apesar de isso não ser culpa das companhias aéreas”, explicou Buffett. Porém, as vendas não se ficaram por este setor. O multimilionário cortou a fundo no seu investimento mais emblemático da última crise, ao vender dez milhões de ações do Goldman Sachs, baixando a posição no banco de 2,9% para cerca de 0,6%, no primeiro trimestre. Também desinvestiu no JP Morgan. Nos últimos anos, o setor da banca era, a par do da aviação, uma das principais apostas do Oráculo.
Buffett tentou, nas mais de quatro horas da assembleia, explicar que a redução das posições em bolsa não se devia a uma previsão específica relativa ao futuro dos mercados financeiros. E deu uma longa aula de História sobre as grandes crises que assolaram os EUA e que foram sempre ultrapassadas. “Se alguém me disser que os dias para se investir nos EUA acabaram, eu discordarei de forma bastante veemente”, disse. Usou analogias para tentar desvalorizar o efeito do sobe-e-desce constante nos preços das ações e mostrou-se confiante de que o investimento em ações continuará a compensar no longo prazo. Mas, após a Berkshire Hathaway ter registado um prejuízo de 49,7 mil milhões de dólares, nos primeiros três meses do ano, devido à queda das bolsas, o multimilionário parece jogar à defesa. O Oráculo de Omaha não arrisca com base em presságios. Afinal de contas, outro dos seus grandes ensinamentos é o de que “as previsões podem dizer muito sobre quem as faz, mas nada dizem sobre o futuro”.
Artigo publicado originalmente na edição 434, de junho, da revista EXAME , atualizado com informação de recompra de ações próprias da Berkshire Hathaway e sobre o valor em caixa e equivalentes.