Os dados oficiais apontam para 76 casos de infeção pelo novo coronavírus, e 12 pessoas recuperadas. Para já, não haverá mortes a lamentar devido a esta doença. A maioria dos casos está situada na região de Cabo Delgado – que continua a ser assolada por ondas de violência – mas as autoridades de saúde garantem que está tudo relativamente controlado. Num país com cerca de 30 milhões de habitantes e onde há capacidade para realizar 10 testes por dia, a verdade é que estes dados dirão muito pouco sobre a realidade da Covid-19 em Moçambique.
Aliás, um estudo recente levado a cabo pela Equipa de Resposta à Covid-19 do Imperial College, em Londres, o mesmo que levou Boris Johnson a rever a sua estratégia de combate à pandemia, apontava para a possibilidade de morrerem entre 61 mil e 65 mil moçambicanos se o governo não tomasse ações concretas, e de que 94% da população poderia contrair a doença. O mesmo método de cálculo apontava para a probabilidade de, no pico da doença, 190 mil moçambicanos precisarem de internamento hospitalar, dos quais 32 mil em cuidados intensivos, muito além da capacidade dos serviços de saúde, citava o site Club of Mozambique.
Estado de emergência pode ser prorrogado
O país tomou algumas precauções, através do decreto de Estado de Emergência durante o mês de abril, encerrando todos os espaços de diversão e lazer, proibindo eventos e aglomerações, e recomendando a todas as pessoas que fiquem em casa, a menos que tenham que trabalhar ou tratar de assuntos essenciais. Foi imposta uma limitação na capacidade dos transportes públicos – que obrigam à utilização de máscara – e as fronteiras estão fechadas a estrangeiros. O partido da oposição já veio a público pedir que o Governo prorrogue o estado de emergência, para “evitar que se atinja o nível 4” de restrições – aquele que obrigaria ao confinamento domiciliar que, segundo Ossufo Momade “seria catastrófico para todo o país”, cita a Deutsche Welle. Na mesma ocasião, o líder da RENAMO pediu que sejam implementadas medidas de apoio às famílias pobres, de forma a conseguir atenuar o impacto social das restrições.
A economia, já demasiado massacrada pelos dois ciclones que no ano passado devastaram as regiões da Beira e de Cabo Delgado (o Idai e o Kenneth, respetivamente, que deixaram o país a braços com necessidades a rondar os 3 mil milhões de dólares só para reconstruções), sofreu agora um novo embate. Para ajudar o país a suprir “necessidades urgentes da balança de pagamentos e fiscais decorrentes da pandemia de Covid-19”, o Fundo Monetário Internacional decidiu desembolsar 309 milhões de dólares através do mecanismo de Rapid Credit Facility (RCF), revel a instituição em comunicado. A decisão surge dez dias depois de o FMI ter decidido aliviar a dívida daquele Estado entre abril e outubro, num movimento que ajuda o país em cerca de 15 milhões de dólares.
Os moçambicanos têm visto o preço dos alimentos a aumentar consideravelmente desde os ciclones, com sucessivas colheitas a serem devastadas ora pelas cheias, ora pela seca, ora pelas chuvas que este ano também se mostraram mais intensas do que o habitual, o que fatigou ainda mais os terrenos. A Rede dos Sistemas de Aviso Prévio contra a Fome (FEWS NET, na sigla em inglês)
Um novo começo
Recorde-se que a relação entre FMI e Moçambique está a ser recuperada nos últimos meses, depois de em 2016 a instituição ter retirado a confiança ao país devido ao escândalo das dívidas ocultas. No entanto, após o ciclone Idai, a organização decidiu voltar a ajudar, a título excecional, aquela antiga colónia portuguesa, de forma a conseguir mitigar as principais necessidades da economia. Em fevereiro deste ano o ministro da Economia e das Finanças de Moçambique, Adriano Maleiane, revelava que o país tinha sido apresentado formalmente um novo pedido de ajuda ao FMI, naquilo que se esperava que fosse um retomar da ligação entre ambas as entidades.
Recorde-se que Moçambique assinalou no passado dia 14 de março o primeiro ano após o Idai, ainda em meio de muita fome e escassez, tendo assinalado há apenas dois dias o primeiro ‘aniversário’ desde que o ciclone Kenneth chegou a Cabo Delgado. Ambas as zonas estão sob forte escassez alimentar e ainda com demasiado trabalho de reconstrução a precisar de ser feito.
A norte, em Cabo Delgado, acresce o recrudescimento da violência, que há mais de dois anos não dá tréguas, com centenas de mortes a serem reclamadas pelo auto-proclamado Estado Islâmico. No entanto, pode haver muitas outras questões políticas e económicas envolvidas numa luta que teima em não abrandar.