Não saem da cabeça de ninguém nas últimas semanas – serão, com muita probabilidade, eleitas as palavras do ano – e a frequência com que andam nas nossas bocas e chegam aos nossos ouvidos também as torna potencialmente ativos valiosos. Com ou sem fins comerciais, já há portugueses – e não só – a posicionarem-se para tentar registar marcas relacionadas com a Covid-19 ou com o novo coronavírus.
Nos últimos dias houve três entidades, entre empresas e pessoas singulares, a apresentar pedidos de registo da marca Covid-19 ou Covid 19 no País, segundo consultas no site do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Ainda nenhuma das requisições obteve luz verde do instituto, mas já houve, entretanto, uma desistência. A EXAME falou com alguns dos requerentes, que garantem que o objetivo não é fazer utilização comercial dos registos.
O primeiro pedido registado no site do INPI data de 19 de março e foi apresentado pela Conselhos & Sugestões, uma empresa de consultoria de gestão de Coimbra, que pediu o registo para categorias como cosméticos, produtos de impressão, produtos de agricultura, cervejas e outras bebidas alcoólicas. Esta firma já detém outras marcas na área das bebidas e conta com outros pedidos recusados no INPI. Em resposta por e-mail à EXAME, o responsável pela Conselhos & Sugestões, Nuno Filipe Gomes, diz que não pretende fazer uso comercial da insígnia. “A Conselhos & Sugestões sempre registou marcas. Por vezes de más ideias podem surgir oportunidades,” justifica.
Na semana que se seguiu entraram mais dois pedidos semelhantes, um dos quais da Workin SGPS, empresa com sede em Sintra, para a classe de preparações farmacêuticas e cosméticos. Mas mudou de ideias, entretanto. Em resposta a questões da EXAME, o advogado da empresa diz que a sua cliente desistiu do pedido há cerca de uma semana “por não achar oportuno tal registo” e que optou por registar outra marca, que o responsável diz ser “mais compatível com o projeto” prosseguido pela cliente.
A terceira intenção chegou de um particular, Manuel Sousa, para aplicação em classes de preparações farmacêuticas, material informático, jogos e brinquedos, além de serviços. Foi o único que pediu o registo da marca com a designação incluindo o hífen (Covid-19). A EXAME tentou entrar em contacto com Manuel Sousa através de uma empresa com quem tem uma relação enquanto acionista, mas até ao momento não foi possível obter respostas.
First come, first served
Para o advogado João Ferreira Pinto, “é um ‘fenómeno’ habitual haver um aumento de registo de marcas associadas a determinados eventos/acontecimentos ou episódios publicamente impactantes”, como é o caso da atual pandemia. Com pelo menos dois candidatos à marca, o sócio responsável pela área de TMT, privacidade e cibersegurança da Antas da Cunha ECIJA explica que a atribuição vai depender primeiro de se confirmar se a insígnia tem capacidade para distinguir determinado produto ou serviço. Havendo vários pedidos, a prioridade de registo é dada ao primeiro a chegar, explica. “O primeiro a obter a marca passa a gozar de um direito exclusivo oponível a todos (com limitações territoriais), isto é, fica legalmente vedada a possibilidade de haver uma segunda marca igual,” adiciona.
Sem se pronunciar sobre nenhum caso em específico, João Ferreira Pinto admite que os contornos valiosos que por vezes algumas marcas acabam por ganhar levam a que haja “quem se dedique à criação e registo de determinadas marcas (e outros ativos ou nomes de domínio), com o intuito de as revender por um alto preço mais tarde”. Como aconteceu, lembra, com o registo da marca espanhola El Corte Inglés em Portugal nos anos 80: “Só após uma dura batalha judicial que terminou em acordo, possibilitou a entrada do El Corte Inglés em Portugal.”
Há ainda registo no site do INPI de um outro pedido para uma marca associada ao nome da doença provocada pelo novo coronavírus, neste caso Trace Covid-19 – Gestão de Vigilâncias. Corresponde à ferramenta tecnológica de acompanhamento da doença, contact tracing e doentes em vigilância e auto-cuidados desenvolvida pelos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), um organismo público.
Marcas de todos os lados
Portugal está longe de ser caso isolado no registo de marcas relacionadas com a pandemia. A nível europeu, o site do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) dá conta de oito pedidos de registos de marcas relacionados com o termo Covid – Maskcovid, Medicovid, Cocovid, Covidbusters ou Covidaloca são exemplos –, que foram requeridos a partir de alguns dos países mais afetados pela doença, como Itália, Espanha, França ou Alemanha. Na base de dados TMview, que reúne informações de institutos de propriedade industrial também fora da União Europeia, há mais de meia centena de pedidos relacionados com o termo Covid na última semana, a grande maioria nos Estados Unidos e Turquia.
Também a palavra coronavírus já motivou pedidos de registo. Aqui ao lado, três espanhóis de Oviedo solicitaram a marca a nível europeu para uso em óleos aromáticos, cervejas e outras bebidas alcoólicas. Em Portugal, numa referência indireta, o termo aparece ainda associado à SOS Legal Coronavírus. A requerente da marca é a sociedade de advogados Cruz, Roque, Semião e Associados, que agrega num site com o mesmo nome toda a informação jurídica relativa à pandemia.
Maskcovid, Medicovid, Cocovid, Covidbusters ou Covidaloca: exemplos de marcas pedidas nos últimos dias em alguns dos países mais afetados pela doença, como Itália, Espanha, França ou Alemanha
Nuno Pereira da Cruz, managing partner daquela sociedade, sublinha o caráter meramente informativo do site, que pode ser usado pelo público em geral e onde se agregam perguntas e respostas úteis sobre a pandemia. “A marca não tem qualquer fim comercial, o objetivo foi só proteger o site. Esperemos que em breve a pandemia seja passado e que também o site deixe de ser necessário,” disse à EXAME por telefone.
Quando a pesquisa é feita apenas pelo termo “corona”, nos registos do INPI consta um pedido feito no final de fevereiro por um particular, Luís Pedreira, que requereu o registo de uma marca com uma proximidade fonológica em relação à palavra coronavírus – Corona Vinhus -, neste caso para associação a vinhos. Não foi possível, até ao momento, contactar Luís Pedreira. A EXAME contactou também o INPI, mas também ainda não foi possível obter resposta.
De acordo com informações no site daquele instituto, o processo de obtenção do registo de uma marca demora em média quatro meses e passa por várias fases, desde a entrega do pedido ao exame formal e publicação no Boletim da Propriedade Industrial, correndo depois um prazo para oposição (aquele em que se encontram os pedidos aqui referidos) até à decisão, de concessão ou recusa. A recusa é passível de recurso para o Tribunal da Propriedade Intelectual ou para o centro de arbitragem específico Arbitrare.