A hotelaria nacional deverá ter quebras nas receitas entre os 1,22 mil milhões e os 1,4 mil milhões de euros durante o primeiro semestre do ano, numa altura em que se estima que o número de trabalhadores do setor em lay-off chegue aos 51 mil, durante este mês. “E isto é uma visão modesta”, nota Cristina Siza Vieira, diretora-executiva da Associação de Hotelaria Portuguesa (AHP). São números que refletem uma quebra de entre 11,8 a 13,1 milhões de noites só entre janeiro e junho de 2020.
“A nossa estimativa do número de trabalhadores que existem na hotelaria em abril é de 60 mil pessoas (considerando 133 mil quartos na hotelaria nacional) e, portanto, estamos a considerar a razão de um trabalhador por cada dois quartos. Mas isto é uma visão modesta, e tendo em conta que muitas funções da hotelaria são externalizadas”, explica ainda a responsável. “Se estimássemos uma média de 85% de trabalhadores da hotelaria em lay off, entrarão neste regime, no mês de abril, 51 mil trabalhadores”, considera.
Cristina Siza Vieira extrapolava desta forma os resultados agregados da segunda fase do inquérito da Associação de Hotelaria Portuguesa, que foi concluído ontem, 7 de abril, que revela que 94% dos hoteleiros inquiridos vão implementar o regime de lay off temporário e que 4% estão a pensar nisso. Dos que consideram recorrer a esta medida de lay off simplificado, ou temporário, 44% afirma que vai colocar 100% dos seus trabalhadores neste regime, enquanto os restantes 50% consideram aplicá-lo a 80% a 99% do seu efetivo.
Os dados revelados esta manhã pela AHP permitem ainda concluir que “mais de 75% dos inquiridos recorreu ou pretende recorrer às medidas de apoio do Governo”, que a diretora executiva da AHP considera serem, para já suficientes. Cristina Siza Vieira acredita que apesar de as linhas de apoio de Governo, no valor de 900 milhões de euros, serem disponibilizadas às empresas através de empréstimos bancários, o facto de haver limitações de spread e alargamento dos prazos de pagamento deverá ser suficiente para acomodar as atuais necessidades das companhias de hotelaria.
No entanto, não afasta a possibilidade de falências no setor, embora não se comprometa com números, uma vez que considera ser demasiado cedo para fazer prognósticos. “Na verdade, não sabemos se as insolvências vão ou não ocorrer. Aqueles que são grupos, que estão menos descapitalizados, que estavam equilibrados do ponto de vista financeiro têm mais capacidade. Já as unidades novas e com dívida verão outras dificuldades”, considera. “Mas neste momento é um bocadinho prematuro estar a antecipar números”, reforça em resposta aos jornalistas num encontro virtual com a imprensa, esta manhã.
Cancelamentos e adiamentos
Uma das principais preocupações manifestadas pela responsável da AHP foi o facto de ser preciso tomar decisões em relação às políticas de cancelamento das reservas feitas nas unidades que agora se encontram encerradas. O que tem acontecido, genericamente, revela o mesmo inquérito apresentado hoje, é que as unidades hoteleiras têm privilegiado a emissão de vouchers com a duração de um ano para que as pessoas possam utilizar as suas reservas de qualquer forma, ou então tem sido facilitado o reagendamento das reservas para um período posterior àquele que se acredita que será o da duração da pandemia – e a AHP estima que em junho se possa começar a assistir ao regresso a uma espécie de normalidade na atividade.
No entanto, tem havido algumas dificuldades na gestão das reservas com as plataformas como Expedia ou Booking, que muitas vezes decidem pela devolução do valor pago pelos clientes – uma vez que uma pandemia é considerado um motivo de força maior e justifica o cancelamento – e depois pedem essa devolução às unidades hoteleiras. A responsável garante que o assunto está a ser discutido com os vários operadores, e que tem estado em cima da mesa nas conversações com a tutela.
Recorde-se que o setor do Turismo tem um peso de cerca de 13% no PIB nacional e foi um dos mais afetados com a pandemia da Covid-19, uma vez que antes ainda de ser decretado o estado de emergência em Portugal, muitas linhas aéreas deixaram de operar devido ao fecho das fronteiras. A recuperação da normal atividade do setor, que é uma das principais preocupações apontadas pelos hoteleiros consultados pela AHP, deverá ser lenta e trará, certamente, muitas mudanças na atividade: Cristina Siza Vieira acredita que haverá algumas regiões do país a beneficiar daquilo que acredita que vai ser uma maior apostas dos portugueses no mercado interno, uma movimentação que poderá acontecer também devido à incerteza sobre o comportamento das cadeias de contágio do novo coronavírus e à liberalização das viagens para fora do País.
No entanto, para já, o cenário é de muita incerteza e de recurso a todas as ferramentas possíveis para que se possam salvar as empresas e os postos de trabalho em risco. Recorde-se ainda que o setor hoteleiro é dos que mais vive de contratações sazonais, e que o facto de a Páscoa ocorrer em período de estado de emergência levou já a uma quebra acentuada nas contratações que geralmente ocorrem nesta época, para além de não ter havido renovações nos contratos a prazo. No mesmo sentido, não é certo que haja reforços de pessoal na altura do verão, precisamente por ainda não haver qualquer certeza no horizonte de curto prazo.