Em apenas uma semana, as cerca de mil pessoas que trabalham para a Nestlé em Portugal, em serviços de secretária, passaram ao regime de home office. As duas fábricas reorganizaram turnos, zonas comuns e procedimentos de segurança e a produção continuou a todo o vapor.
“As nossas fábricas são fundamentais, e não fechámos nem uma em todo o mundo”, começou por revelar Paolo Fagnoni, diretor-geral da Nestlé Portugal, à EXAME. “Estamos muito orgulhosos desse facto, porque sabemos ser parte de uma cadeia de fornecimento fundamental”, assume.
“Portugal é um dos países menos afetados. Tivemos a vantagem de ser um pouco mais rápidos, e esta questão de estarmos mais afastados do resto dos países acabou por funcionar com uma vantagem” para a empresa. Ao telefone, com o som de vários pássaros por detrás, o italiano explica que as duas fábricas nacionais – Avanca e Porto – estão a funcionar praticamente na sua máxima capacidade.
Afinal, os bens alimentares são produtos essenciais mesmo em tempos de “economia de guerra”, para usar as palavras do ministro das Finanças, Mário Centeno. E a Nestlé, apesar de sentir o impacto na procura nos produtos que geralmente são vendidos em cafés, restaurantes ou pastelarias, tem reforçado a oferta no retalho e nas vendas online.
Daí que seja fundamental manter as fábricas a operar como habitualmente, resolvendo as “contingências” provocadas pelo estado de emergência.
Foi o que aconteceu, por exemplo, na fábrica de Avanca, afetada pelo facto de cerca de 100 colaboradores residirem em Ovar, concelho que está sob cerco sanitário há vários dias, devido à explosão de casos de Covid-19. A solução passou pela redefinição de turnos e o recurso a mais alguns colaboradores. Já a do Porto continuou a operar como habitualmente. Em ambas as fábricas, recorda o responsável, as medidas de segurança sanitária já eram de um nível muito elevado tendo em conta que se trata de produtos alimentares.
O maior ativo
Paolo, também ele em isolamento profilático – regressou há umas semanas de umas férias em Itália, numa altura em que o surto fazia demasiadas vítimas naquele país – admite que não só a Nestlé tem uma posição privilegiada no mercado, por ser uma multinacional, como está a usufruir agora, pelo menos em Portugal de uma estratégia que já tinha começado a adotar há cerca de um ano, nomeadamente na questão do teletrabalho.
“Mais de 1000 pessoas trabalham em casa, para já. Ou seja, 99,5% das pessoas que trabalham na sede. Preparámos isto tudo num instante, mesmo para os trabalhos que exigem mais capacidade técnica, porque era algo que estávamos a tentar fazer há cerca de um ano. Independentemente desta pandemia”.
É certo que “estamos a encarar contingências. Mas na realidade as operações estão a funcionar como antes. Estamos a entregar aos clientes como antes, encontramos muita solidariedade interna”, dentro da organização. “E isto tem um pouco a ver com antecipação. Mas fomos muito bons a organizar as prioridades, e quando a crise chegou conseguimos entrar rapidamente no modo de emergência e mudar as formas de trabalho”, resume o responsável.
“Estou a trabalhar aqui, em Portugal, há dois anos e foi impressionante a atitude dos portugueses, a prepararem-se para isto. Funcionámos muito rapidamente. Estamos a trabalhar de forma completamente diferente e eu estou rodeado de pessoas fantásticas que o fizeram acontecer”, aplaude ainda.
Prognósticos, só no final do jogo
Paolo é taxativo a esquivar-se a estimativas sobre o que esta pandemia poderá provocar ao País, ao mundo e ao seu próprio negócio. “Temos que ter a noção de que há coisas sobre as quais não temos conhecimento suficiente. Mas posso dizer-lhe como decidimos agir: primeiro que tudo, quisemos pôr as nossas pessoas em segurança, porque elas são o nosso maior ativo. Depois, quisemos dar continuidade ao negócio: entregar os produtos. Tomar medidas que nos permitam olhar para o futuro”, começa por dizer.
“Não sou virologista e não sou matemático. Estamos focados em prover produtos saudáveis e de qualidade. Queremos que os nossos clientes continuem a encontrar, todos os dias, leite em pós. Papas. Chocolates! É assim que conseguimos continuar a dar segurança aos consumidores. Agora, o que vai acontecer em quatro ou cinco meses? Não sabemos. Ninguém está em condições de saber”.
A gestão é, por isso, diária, semanal. Uma espécie de ação contínua de olhos postos no curto prazo, que permite traçar caminho para o médio prazo e, no limite, para o longo.
O responsável garante ainda que todas as fichas estão, agora, na manutenção do valor da marca, garantindo que os produtos que continuam a chegar ao mercado têm a mesma qualidade de sempre, para que numa altura crítica como a atual os consumidores se possam sentir confiantes no consumo.
E quer acreditar, também, que no “meio desta tragédia será possível encontrar alguns sinais positivos: a solidariedade, o compromisso, o sentimento de união”.
Mensagens positivas de um gestor que, em tempos de crise, se congratula por poder não baixar os braços.