Os governos e as autoridades monetárias colocaram a banca na primeira linha de defesa da economia nesta crise causada pela Covid-19. Os Estados têm anunciado pacotes de milhares de milhões de euros, mas que incidem sobretudo em garantias a empréstimos a serem concedidos pela banca comercial. Já o plano do Banco Central Europeu tem como uma das peças-chave direcionar liquidez para a banca e libertar o setor de algumas exigências de capital para apoiarem o mais que puderem as empresas e as famílias que perderam rendimentos devido à pandemia.
Na prática, a forma que as autoridades encontraram de fazer o dinheiro fluir para a tesouraria das empresas ou para aliviar os orçamentos familiares é canalizá-lo através da banca. Assim, neste combate aos danos económicos da Covid-19, muito dependerá da atuação do setor.
O primeiro-ministro, António Costa, tem reiterado essa ideia relembrando o setor que depois das ajudas que receberam dos contribuintes na última crise agora é a vez de ser o setor a ajudar o País a superar este momento de crise económica. A Associação Portuguesa de Bancos (APB), em respostas à EXAME, garante que “o sector bancário nacional está absolutamente empenhado e disponível para dar o seu apoio às empresas e famílias portuguesas neste momento particularmente desafiante”. Mas ressalva que, “na medida em que esta é uma crise que terá impactos significativos na economia, terá também impacto na banca”.
As armas que estão a ser dadas aos bancos
Para assumirem este papel fulcral na linha de defesa da economia, as autoridades têm tomado medidas para que a banca possa ter mais munições para utilizar. Na resposta à crise da Covid-19 uma das primeiras medidas tomadas pelo Banco Central Europeu foi anunciar, a 12 de março, novos empréstimos ilimitados e a juros negativos para as instituições financeiras da Zona Euro. Caso os bancos usem esse dinheiro para apoiar as empresas e as famílias até serão pagos por isso, já que o juro é de -0,75%. O objetivo é incentivar o setor a manter ou aumentar o financiamento da economia real.
O Governo anunciou linhas de crédito até três mil milhões de euros com um período de carência de 12 meses e prazos até quatro anos. O Estado garante até 80% a 90% desses financiamentos que terão um spread (margem do banco) de entre 1% a 1,5%, a que podem acrescer algumas comissões. A urgência em que o dinheiro chegue às empresas levou alguns bancos a adiantar parte desses financiamentos antes da aprovação por parte das entidades públicas. No entanto, as empresas que não sejam consideradas viáveis ou que tenham ainda o carimbo de incumprimento devido a reestruturações passadas ficarão de fora desta linha de apoio. O limite do recurso por empresa é de 1,5 milhões de euros, o que alguns banqueiros e associações empresariais consideram ser insuficiente.
Além de garantir que haverá sempre dinheiro disponível para a banca injetar na economia, o BCE, que também atua como supervisor, tomou outra medida importante: baixou as exigências de capital. Nos últimos anos, os bancos foram forçados a construir almofadas de capital que podem agora ser utilizadas. É ainda permitido ao setor que, temporariamente, opere com alguns rácios de liquidez abaixo do que era exigido. Haverá ainda mais flexibilidade nos instrumentos que podem apresentar como capital de elevada qualidade.
A estimativa do BCE é que estas medidas de alívio “permitam aos bancos absorver perdas ou financiar potencialmente até 1,8 biliões de euros em empréstimos a famílias e empresas”. Para os analistas do ING trata-se de “medidas desenhadas para apoiar o setor bancário e manter afastado um cenário de escassez de crédito”.
As moratórias de crédito são outras das armas que os governos querem ver utilizadas para retirar pressão à situação financeira das empresas e famílias afetadas pela pandemia. Neste ponto, as autoridades regulatórias tiveram de garantir que esses empréstimos não venham a ser classificados como crédito malparado. Assim, a banca fica protegida de ter de assumir perdas com esses contratos, o que pressionaria capital e os resultados. Já as empresas e famílias nessa situação não verão o seu nome na lista negra dos devedores que não conseguiram cumprir com as suas obrigações, evitando assim serem penalizadas em futuras operações de crédito.
O Governo anunciou na passada quinta-feira a moratória nos créditos a empresas e particulares até 30 de setembro. Podem suspender o pagamento das prestações de capital e juros as pessoas que vejam os rendimentos afetadas pela crise provocada pela Covid-19 devido a: situação de desemprego; suspensão do contrato de trabalho; redução do período normal de trabalho; isolamento profilático; doença; assistência a filhos ou netos. Também as empresas que vejam a sua atividade afetada podem suspender os pagamentos das prestações. Para beneficiar deste apoio é necessário ter a situação financeira regularizada junto dos bancos e do Estado. O ministro da Economia, Siza Vieira, estima o valor das prestações bancárias de capital e juros que se vencerão nos próximos seis meses em cerca de 20 mil milhões de euros.
Como os bancos se estão a reforçar
Além das armas que estão a ser concedidas pelas autoridades, os bancos também têm de fazer a sua parte para reforçar as suas armaduras para este combate aos impactos económicos da Covid-19. A começar pela distribuição de dividendos. O BCE indicou logo que anunciou os apoios ao setor que “os bancos usassem os efeitos positivos dessas medidas para apoiar a economia e não para aumentar dividendos ou a remuneração variável”.
Mais que não aumentar a remuneração aos acionistas, há bancos que anunciaram um corte. O BCP comunicou esta semana que vai interromper a distribuição de dividendos para “que o banco esteja mais preparado para fazer face ao presente contexto de incerteza”. A Federação Europeia de Bancos, que representa o setor, também garantiu que a banca está empenhada em ser contida na distribuição de resultados aos acionistas e na recompra de ações próprias.
Apesar de ressalvar que é necessário ter em conta a expetativa dos acionistas, a recomendação é que os bancos preservem o máximo de capital possível. Uma das indicações, que será seguida por algumas instituições financeiras, é que as administrações dos bancos proponham aos acionistas “direcionar a parte ou a totalidade do valor dos dividendos para reservas até existir uma maior clarificação sobre os efeitos desta crise”. O grupo Santander, por exemplo, já suspendeu o pagamento do seu próximo dividendo intercalar e cortou para metade a remuneração dos seus executivos de topo.
Alguns reguladores, como o da Alemanha, recomendam ainda cautela com os bónus que serão pagos aos gestores. O Conselho de Risco Sistémico, um grupo constituído por antigos reguladores e supervisores, recomendou aos líderes do G20 que os bancos sistémicos a nível global cessem imediatamente o pagamento de dividendos e os bónus dos seus altos quadros.
Banca com mais capacidade que na última crise…
O impacto da pandemia na economia será significativo. O FMI prevê uma recessão maior que a da crise financeira e o Banco de Portugal admite que, no pior cenário, Portugal tenha a pior recessão desde, pelo menos, 1960. No entanto, a banca acredita estar melhor preparada agora do que em 2008 ou em 2012, na altura da crise de dívida soberana. Nessas últimas tempestades a banca estava sem liquidez e com a capacidade de emprestar muito reduzida.
Os bancos têm uma estrutura mais sólida de capital e de liquidez o que lhes dá maior margem em relação às últimas crises
No primeiro embate com este choque económico, os bancos beneficiam de ações mais rápidas e eficazes dos bancos centrais. E também das almofadas de capital e de liquidez que foram construindo nos últimos anos. Em 2009, por exemplo, os bancos tinham 135 euros concedidos em empréstimos por cada 100 euros que detinham de depósitos (um rácio de transformação de 130%), segundo dados da APB. No final de 2019, apenas financiavam 88 euros por cada 100 euros de depósitos, o que indica que têm margem para poder emprestar mais.
Já os principais rácios de capital aumentaram de 8,7% para 13,9%, o que torna o sistema mais sólido para resistir a choques.
… mas também tem risco de contágio
Mesmo que a banca esteja mais sólida, o que já começa a ser bem visível é que a pandemia dará origem a uma crise económica significativa. E a banca é um setor cíclico. Mesmo que aguente o primeiro impacto e faça o seu papel de utilizar todas as armas à sua disposição para manter a economia à tona, a crise causará estragos no setor financeiro.
“Se voltarmos a ter uma espiral parecida com a de 2008, os bancos – mais do que problemas de liquidez – poderão ter problemas de capitalização, afetando a sua solvência”, afirmou a presidente do Conselho das Finanças Públicas, numa entrevista recente à EXAME. Nazaré da Costa Cabral explicou que “como a união bancária não foi concluída, se houver esse problema, terão de ser os Estados a apoiar as suas instituições financeiras, um encargo para os contribuintes suportarem”. Já a APB realça que “na medida em que esta é uma crise que terá impactos significativos na economia, terá também impacto na banca”.
A preocupação é semelhante a nível europeu e global. Justin Bisseker, o analista da gestora Schroders que acompanha o setor bancário, nota que muito vai depender “de quão longo o período de rutura causado pela Covid-19 durar e o grau de resposta dos governos”. O especialista nota que “o primeiro ponto é desconhecido nesta fase. No entanto, temos assistido a uma miríade de respostas por parte dos governos para mitigar os efeitos da crise”.
O analista da Schroders não descarta que “se o período de rutura aumentar de semanas para meses não surpreenderia que observássemos alguma forma adicional de indulgência regulatória”. E já há sinais de que isso possa ser feito. O Banco Internacional de Pagamentos, conhecido como o banco central dos bancos centrais, anunciou esta sexta-feira um adiamento da implementação de um modelo de regras de capital mais exigentes para a banca para que o setor possa fazer face às necessidades causadas pela Covid-19. E garante que continuará a monitorizar o impacto da crise de forma a poder estudar para poder dar a resposta necessária.
Supervisores, reguladores e governos não hesitaram no arsenal que colocaram à disposição da banca. Agora é a vez do setor, que tão mal visto saiu da última crise, se redimir e usar esse poder de fogo para proteger a economia através do apoio à tesouraria de empresas e aos orçamentos das famílias afetadas pela pandemia.