Numa altura em que o setor já estava pressionado, a decisão da administração norte-americana de cancelar todos os voos entre os EUA e a Europa deverá causar um forte revés na economia nacional. O mercado norte-americano tornou-se, nos últimos anos, uma das principais fontes de receita para o turismo em Portugal, a representar mais de mil milhões de euros em receitas em 2018.
A decisão anunciada esta quarta-feira, 12 de março, por Donald Trump vai afetar, pelo menos, 196 voos da TAP. A companhia aérea nacional tem atualmente 49 voos por semana para os EUA, voando de Lisboa para Nova Iorque, Boston, Miami, São Francisco, Chicago e Washington, e também do Porto para Nova Iorque. A empresa tem reforçado, sobretudo nos últimos anos, a aposta nos EUA, um mercado que no primeiro semestre do ano passado representava já 13% das suas receitas, segundo o Relatório e Contas da companhia liderada por Antonoaldo Neves. Contactada pela EXAME, fonte oficial da TAP remeteu para a informação que já é pública um potencial prejuízo causado por esta decisão.
Na informação financeira divulgada no final do ano passado, a TAP salientava também que a “aposta no mercado dos EUA afigura-se como fundamental para a diminuição da dependência do mercado brasileiro e simultaneamente, de diversificação da moeda das receitas”.
A TAP já anunciou, desde o início da agora pandemia, o cancelamento de 3 500 voos para vários destinos europeus, e admite quebra na procura. Foram flexibilizadas as regras de cancelamento e alteração de voos para tentar minimizar os impactos económicos da quebra na procura, mas ainda assim o cenário é incerto. No ano passado a TAP registou um prejuízo de 105,6 milhões de euros, e os olhos estavam postos em 2020 para uma recuperação. Em entrevista recente ao Observador, David Nellman mostrava-se nada preocupado com os números apresentados pela companhia aérea no ano passado, afirmando que sabia “que vamos começar a fazer dinheiro e que a companhia é hoje muito mais saudável.” No entanto, a chegada do COVID-19 não para de gorar os planos da companhia aéra nacional – e das restantes companhias aéreas mundiais.
Aviação perde mais de 100 mil milhões
Há apenas três dias, a estimativa da IATA apontava para que as perdas globais no setor da aviação chegassem ao $113 mil milhões de dólares. Essa previsão irá agravar-se quando acomodadas as novas diretivas norte-americanas. “A alteração dos acontecimentos como resultado dos COVID-19 é quase sem precedentes. Em pouco mais de dois meses, as perspetivas do setor em grande parte do mundo pioraram dramaticamente”, referiu o CEO da IATA Alexandre de Juniac num comunicado libertado pela entidade. O mesmo documento já alertava para um cenário de crise. “Não é ainda claro como é que o vírus se desenvolverá mas se, com o impacto contido a alguns mercados, vemos uma perda de receita entre os 63 mil milhões e os 113 mil milhões de dólares, é o que se chama de crise”, referiu.
A operação global da aviação caiu 26% face ao ano passado, e a taxa de não-comparecimento está atualmente nos 50%, refere ainda a IATA.
Num comunicado conjunto, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, rejeitaram veementemente a decisão dos EUA, afirmando que “o Corona vírus é uma crise global, que não se limita a alguns continentes, e que requer cooperação e não ações unilaterais”. Numa crítica direta à administração norte-americana, os responsáveis europeus afirmam “desaprovar o facto de os EUA terem decidido impor uma proibição de viagens unilateralmente e sem consultarem” os seus pares, e garantiram que “a União Europeia está a tomar fortes medidas para limitar o contágio do vírus”.
Hotéis perdem até 800 milhões
O mercado norte-americano foi-se tornando cada vez mais importante para o setor hoteleiro nacional, que apostou fortemente nesta geografia sobretudo no pós-crise financeira. A Associação de Hotelaria de Portugal realizou um inquérito flash para conseguir estimar as perdas provocadas pela crise do COVID-19 e “os resultados não são bons. Estimamos uma perda de receitas na ordem dos 50% até dia 30 de junho. E uma quebra nas dormidas na mesma ordem de grandeza” referiu Cristina Siza Vieira esta manhã aos jornalistas. Ou, em números mais exatos, podemos estar a falar de perdas na ordem dos 800 milhões de euros.
Desde 2016, o investimento nacional em promoção turística, só nos EUA, mais do que duplicou, e em 2018 já rondava os €1,3 milhões. Vão ser precisos mais alguns dias para conseguir perceber o real impacto da decisão anunciada por Donald Trump, mas para já, o cenário não é animador. Recorde-se que em 2018, a procura turística em termos nacionais subiu 7,7%, para mais de 29,8 mil milhões de euros, correspondendo a 14,6% do PIB nacional.