Afinal, o que está a acontecer nos mercados financeiros?
Está a ser o pior dia em vários anos, com quedas generalizadas na maioria dos ativos, com destaque para o petróleo e as ações. No petróleo, as quedas rondavam os 30%, a maior queda desde a guerra do Golfo, em 1991. Nas ações, os principais índices europeus perdiam entre 6 e 7%, para descidas diárias que podem ser as piores desde a explosão da crise financeira de 2007-2008. As empresas petrolíferas estão entre as maiores vítimas, com vários títulos a sofrerem derrocadas a rondar os 20%. Também há estragos severos nas criptomoedas, com o mercado global a perder mais de 20 mil milhões de dólares em valor, segundo alguns cálculos. Em Lisboa, o PSI 20 caía perto de 7%, com a Galp a sofrer a maior pressão, com uma descida de 15% a meio da manhã, depois de ter desvalorizado 25% na abertura da sessão. As yields das obrigações norte-americanas estão num terreno que, em termos técnicos, aponta para uma recessão a caminho
Qual a razão para tamanhas perdas?
Nas últimas semanas, o nervosismo tomou conta dos mercados financeiros por causa das potenciais consequências do coronavírus na economia, que se tinha já refletido numa queda dos preços do petróleo. Neste ambiente instável, a Arábia Saudita colocou ainda mais combustível na fogueira, anunciando que vai cortar o preço de venda do seu petróleo e que irá aumentar a produção para inundar o mercado. No final da semana passada, colapsaram as negociações entre os membros da OPEP e a Rússia, que tinham em cima da mesa uma proposta para cortar a produção. O objetivo da proposta era de suportar os preços – através da redução da oferta – num momento de crise extrema em que a procura por petróleo está em queda livre, devido a uma forte redução das viagens e da atividade económica por efeito dos receios acerca do coronavírus. A Rússia recusou cortar a produção e insinuou querer prosseguir um caminho próprio, levando a Arábia Saudita – segundo maior produtor mundial e líder de facto da OPEP – a apostar numa estratégia de “terra queimada”: irá aumentar a produção e baixar o preço de venda, procurando magoar os concorrentes, sobretudo a Rússia. Esta é o que alguns analistas estão a chamar de estratégia de “quota de mercado” versus uma estratégia de preços, ou seja, o objetivo é ganhar quota nas vendas mundiais, mesmo que com menor rendibilidade no curto prazo.
Há alguns ativos a servir de refúgio?
Sim, sobretudo o tradicional ouro e as obrigações norte-americanas, cuja procura aumentou. Mesmo com rendibilidade reduzida, os investidores preferem o certo ao incerto, o que explica estes movimentos.
Há pontos positivos desta queda do petróleo?
Sim, sobretudo para economias que importam muito petróleo, como é o nosso caso, já que os custos da matéria-prima baixam. O principal perigo vem do efeito macroeconómico que esta situação pode trazer a nível internacional, em países produtores como a Rússia, os EUA ou os Estados do Médio Oriente. Basta pensar que, em muitos destes países, o preço de venda do petróleo é uma variável-chave para o crescimento económico e para as contas orçamentais. Se o preço médio de um barril for de 30 dólares em vez de 50 ou 60, é uma diferença colossal em termos anuais para vários destes mercados.
O que se pode esperar dos próximos dias?
Dentro da inevitável incerteza, é possível que se assista a uma correção em alta do preço dos ativos mais castigados no início da semana. Há que descontar o valor do pânico, que pode ter levado a quedas mais acentuadas do que o justificado pelos fatores fundamentais de análise. Por outro lado, se o anúncio da Arábia Saudita provocou este furacão, não deixa de ser verdade que, para já, nada aconteceu. As quotas de produção da OPEP – valor diário máximo que os países-membros se comprometem a produzir e a vender – estão em vigor até final de Abril, e assim se manterão até essa data. E, apesar de a Rússia já ter vindo hoje dizer que não tem qualquer receio de acompanhar a estratégia da Arábia Saudita – inundando de oferta um mercado de procura deprimida – nada impede que haja um acordo nas próximas semanas, até porque é provável que vários membros da OPEP não estejam contentes com a decisão, que também penaliza as suas contas.