A minha opinião é simples: os fatores que alimentam esta subida dos preços no imobiliário são estruturais e podem configurar um ciclo virtuoso de desenvolvimento para Portugal. Como esta pode parecer uma afirmação ousada, vou tentar ir por partes. Comecemos pelos principais fatores que têm contribuído para tantos cabeçalhos sobre o aumento do imobiliário: em primeiro lugar, a legislação dos residentes não habituais (RNH), que oferece benefícios fiscais a qualquer pessoa que não tenha sido residente (fiscal) em Portugal nos últimos cinco anos.
Apesar de existir desde 2009, o RNH começou a ser conhecido e utilizado por cidadãos estrangeiros sobretudo a partir de 2015. Como para ter acesso ao RNH é preciso ter uma residência permanente em Portugal (alugada ou comprada), o primeiro impacto sentido é o aumento da procura no imobiliário. Mais relevante é que Portugal entrou muito recentemente neste “campeonato” pela atração de pessoas por benefícios fiscais (Espanha, Bélgica e o Reino Unido estão na “liga dos campeões”), e as vantagens que o País tem para oferecer em termos de qualidade de vida são ainda relativamente pouco conhecidas ao nível global. Basta observar que as pessoas em Portugal com o estatuto RNH estão ainda muito concentradas em poucas nacionalidades: países escandinavos, França, Reino Unido e Itália. Tendo em conta a melhoria da perceção externa de Portugal como destino de excelência para viver, podemos afirmar que teremos ainda um crescimento significativo do número de pessoas com estatuto RNH em Portugal.
O mesmo raciocínio se aplica ao Regime de Autorização de Residência para Atividade de Investimento, mais conhecido por golden visa. O golden visa, apesar de prever outro tipo de investimentos que não apenas no imobiliário, traduziu-se essencialmente em compras de imóveis (mais de quatro mil milhões entre 2012 e junho de 2019). Mas, também aqui, o investimento ainda está muito concentrado em poucas nacionalidades (com claro destaque para Brasil e China) havendo, portanto, muito mercado para conquistar. Como nos golden visa, a procura vem de fora da União Europeia – sendo a principal motivação dos particulares que investem neste esquema a obtenção de um “porto seguro”. O facto de Portugal ser cada vez mais percecionado como um destino seguro leva-nos a concluir que iremos assistir a um aumento do investimento imobiliário para obtenção de residência.
Este tema da perceção de Portugal como um destino seguro é também relevante para o crescimento do turismo. Com efeito, muito do turismo que tinha como destino o Norte de África foi “desviado” para Portugal, depois do trabalho consistente e de grande qualidade feito ao nível do Turismo de Portugal e de vários agentes do setor, que levaram a que o crescimento no setor tenha superado todas as expectativas. Para os mais distraídos, ficam aqui os números de visitantes: em 2014, tínhamos 17 milhões; no ano passado, chegámos perto dos 25 milhões. Como não é possível construir hotéis e hostels em menos de dois anos (sendo otimista), muitas das casas portuguesas passaram para o regime de Alojamento Local. Não pela via da procura, mas pela via da redução da oferta (mais um fator a contribuir para a subida do preço do imobiliário). E, mais uma vez, falamos de um fator estrutural.
O mais relevante é que os cidadãos estrangeiros que escolheram Portugal como residência fiscal ou como destino de investimento são pessoas de elevados rendimentos, com qualificações acima da média e com uma rede de contactos assinalável
Infelizmente, as “crises” à nossa volta – migrantes, terrorismo, movimentos independentistas, só para enumerar alguns – não têm resolução fácil e, do ponto de vista da procura dirigida a Portugal, isso é positivo. Por outro lado, o bom trabalho feito no setor do turismo e a entrada de novos players, que vão investir ainda mais para rentabilizarem os investimentos feitos recentemente (para 2019 estavam previstos mais de 60 hotéis), fazem crer que a procura não vá cair. Muito provavelmente, mesmo com a nova oferta hoteleira, o pior que irá acontecer será alguma quebra no preço, mas dificilmente veremos casas que estão hoje em Alojamento Local a voltar ao mercado residencial.
Esperando agora que estejam convencidos quanto aos fatores que levaram ao aumento dos preços dos imóveis – RNH, golden visa e turismo – serem elementos estruturais, olhemos para a vida além do imobiliário. Na minha atividade, dedicada essencialmente a apoiar pessoas que procuram quer o estatuto RNH, quer o golden visa, e também enquanto assessor de investidores na área do turismo, tive oportunidade de observar alguns efeitos que podem ser decisivos para a nossa economia. Um óbvio é o consumo que estas pessoas fazem em Portugal. Numa amostra com apenas 54 clientes da minha empresa, concluímos que o valor anual de consumo é superior a 20 mil euros por pessoa. Isto é apenas consumo, não inclui o investimento que eles cá fazem.
Mas o mais relevante é que os cidadãos estrangeiros que escolheram Portugal como residência fiscal ou como destino de investimento são pessoas de elevados rendimentos, com uma experiência profissional/qualificações acima da média e com uma rede de contactos assinalável. Essas pessoas estão a “passar a palavra” sobre como Portugal é um bom destino e isso não traz apenas turistas. Estão a trazer pequenos negócios, empreendedores e outros investimentos. O primeiro investimento até pode ser feito num imóvel, mas a seguir vem o investimento noutras áreas e esse não chega tão facilmente ao cabeçalho dos jornais. Até porque muito desse investimento não está a ser feito ao abrigo de programas de Investimento Direto Estrangeiro de milhões, mas de forma mais “orgânica”, e, muitas vezes, por via da transferência de know-how e de contactos para empreendedores nacionais. Além do consumo, há capital a vir para atividades produtivas, know-how que pode ser combinado com o capital humano em Portugal, e o acesso a redes que podem facilitar ou alavancar a internacionalização de muitos negócios em Portugal. Juntando a isto a melhoria da perceção do País como destino para viver ou investir, temos uma oportunidade de criar efetivamente um ciclo virtuoso de desenvolvimento.