Darren Woods é um dos gestores mais poderosos da indústria petrolífera. Porém, essa influência não impediu um grupo de investidores de desafiar o chairman e CEO da gigante ExxonMobil. À partida, poder-se-ia pensar que a petrolífera norte-americana tem o peso suficiente para ser um Golias eficaz a esmagar a revolta dos acionistas minoritários. No entanto, do outro lado da barricada está um exército composto por legiões cada vez maiores de gestoras de ativos, fundos de pensões e investidores institucionais. Têm biliões de euros sob gestão e querem usar essa força para pressionarem as empresas responsáveis por mais emissões de dióxido de carbono a pensarem em estratégias para diminuir o impacto que têm no aquecimento global.
O general da campanha contra a ExxonMobil é Tom DiNapoli, responsável pela gestão dos 185 mil milhões de euros dos fundos de pensões dos funcionários do estado de Nova Iorque. E o poder de fogo não se fica por aí. Na luta contra Woods, DiNapoli conta com o fundo de investimento da Igreja de Inglaterra. Tem ainda na retaguarda 320 grandes investidores institucionais e gestoras de ativos que, em conjunto, gerem 30 biliões de euros. Alistaram-se na Climate Action 100+, uma iniciativa que tem como missão pressionar as cotadas mundiais com mais emissões a apresentarem metas para as reduzir de forma a mitigar a sua pegada ecológica.
A ExxonMobil, uma das empresas responsáveis por mais emissões de gases com efeito de estufa, é das poucas resistentes às campanhas lançadas pela Climate Action 100+. Esta coligação de investidores tem um historial de conseguir trazer as grandes empresas para o seu lado. Só neste ano, grandes cotadas como a britânica BP, a petrolífera norueguesa Equinor, a Shell e a gigante das matérias-primas Glencore renderam-se às exigências do grupo de grandes investidores e comprometeram-se com metas para a redução das emissões poluentes. E esta não é a única coligação a exigir mais das empresas. São cada vez mais os acionistas que submetem propostas em assembleias gerais para forçar as cotadas a adotarem estratégias que ajudem a atrasar o ritmo das alterações climáticas.
Laurent Babikian, director investor engagement da CDP Europe, afirma à EXAME que “o maior envolvimento pode ser explicado, porque os investidores estão cada vez mais conscientes de que os riscos ambientais são os mais significativos entre os riscos ESG [ambientais, sociais e de governação]”. A CDP é uma organização apoiada por 525 grandes investidores que pede a empresas e governos que lhe reportem informações sobre as emissões – dá ratings às empresas, disponibiliza uma base de dados ao mercado e faz relatórios com base nesses dados.
“O nosso relatório mais recente sobre alterações climáticas concluiu que 215 das maiores empresas do mundo identificaram, coletivamente, riscos climáticos avaliados em um bilião de dólares [890 mil milhões de euros]”, revela o responsável da CDP. Nesse estudo, as empresas consideraram que a maior parte dessa fatura poderá chegar já nos próximos cinco anos. Uma parte significativa dos custos, 250 mil milhões de dólares, virá da desvalorização de ativos relacionados com combustíveis fósseis, ou que deixarão de ter utilidade económica quando se fizer a transição para uma economia de baixo carbono. Uma das grandes lutas dos investidores é que as empresas sejam transparentes em relação a estes custos, para não sofrerem surpresas desagradáveis no futuro.
Investidores vs. Governos
Apesar do poderio e do peso das alianças de investidores verdes, a ExxonMobil tem conseguido deter os avanços dos grupos de investidores preocupados. Se, em 2017, a administração perdeu uma votação que a obrigou a indicar dados sobre as emissões de carbono, ultimamente tem contado com a ajuda de decisões de secretaria nas batalhas com alguns grupos de acionistas. Este ano, a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC) deu luz verde à petrolífera para eliminar da ordem de trabalhos da assembleia geral a proposta de DiNapoli – que visava forçar a empresa a comprometer-se com metas de curto, médio e longo prazo para a redução de emissões.
O regulador do mercado de capitais norte-americano acedeu à argumentação da administração liderada por Woods e entendeu que a resolução apresentada por DiNapoli seria um ato de “microgestão”, já que impunha “métodos específicos para implementar políticas complexas, em vez das avaliações contínuas da gestão supervisionada pelo seu conselho de administração”. Noutros casos recentes, como os das petrolíferas Devon Energy e Chevron, a SEC já havia tomado decisões semelhantes.
O bloqueio deste tipo de propostas aumentou após as mexidas de Donald Trump na cúpula da SEC. “Com o atual presidente, Jay Clayton, a SEC limitou a margem para aceitar propostas de acionistas que tentam prescrever um curso de ação para as empresas lidarem com problemas relacionados com as alterações climáticas e outros assuntos ambientais”, indica a sociedade norte-americana de advogados GableGotwals, numa nota a clientes. Algumas estimativas indicam que a SEC travou cerca de dois terços das propostas deste tipo, o que pode ajudar a explicar uma maior resistência das empresas norte-americanas a aliarem-se aos acionistas preocupados com as alterações climáticas.
Existe também um respaldo político. O Presidente dos EUA tem negado o problema das alterações climáticas e chegou mesmo a considerar que esse tema era um “embuste” posto a circular pela China. Desde que se tornou inquilino na Casa Branca, Trump anunciou a retirada dos EUA do Acordo de Paris (que poderá ocorrer em 2020) e desmantelou a legislação ambiental adotada durante a administração Obama. Fez ainda nomeações polémicas para a agência de proteção ambiental norte-americana, que é atualmente liderada por um antigo lobista da indústria do carvão.
Outras potências mundiais não foram tão longe quanto Trump em relação ao Acordo de Paris, mas dão sinais de que o combate ao aquecimento global não é uma prioridade ou de que as medidas para mitigar as alterações climáticas podem ser um trunfo em negociações diplomáticas. A Rússia ainda não ratificou o acordo e o seu Presidente, Vladimir Putin, chegou a questionar os impactos negativos que a energia eólica pode ter na vida selvagem, como, por exemplo, na morte de pássaros.
Também o Japão deu indicações de um menor compromisso com as metas para a redução de emissões na última cimeira do G20, que decorreu em Osaka no final de junho. “Antes do encontro, o Japão alterou o comunicado preliminar para excluir expressões como ‘alterações climáticas’ e ‘descarbonização’, cedendo aparentemente à pressão dos EUA nas negociações comerciais”, observa Marc Hassler, analista da Schroders, numa nota aos investidores. Além de eventuais cedências a Trump no tabuleiro da guerra comercial, após o desastre de Fukushima, o Japão teve de compensar a quebra da produção de energia nuclear. A solução rápida foi o carvão, que representa cerca de 75% na geração de eletricidade do país, o que dificulta a missão de reduzir as emissões poluentes.
Marc Hassler considera que “o falhanço da cimeira do G20 em mostrar o nível de liderança necessário para resolver a crise climática aumenta a importância do papel dos investidores. O ónus para agir está ainda mais do lado dos investidores e consumidores”. E tem havido cada vez mais ação. Em 2017, cerca de 400 grandes investidores pressionaram os países do G7 e do G20 a apoiarem e a implementarem as metas do Acordo de Paris, que pretende “promover esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais”. E, de ano para ano, o número de resoluções de acionistas a exigir mais medidas às empresas tem aumentado.
O grupo de investidores que escreveu aos líderes do G20 mostrou-se disponível para fazer parte do processo de descarbonização da economia: “Os investidores institucionais são atores essenciais no combate às alterações climáticas. Estão expostos aos riscos climáticos mas também às oportunidades, já que gerem uma grande quantidade de capital [só nos países da OCDE, têm 100 biliões de dólares sob gestão] que pode disponibilizar os biliões de dólares necessários para financiar a transição para uma economia de baixo carbono”.
Este ano deverá ser novamente de recordes no ativismo dos investidores, até porque os efeitos das alterações climáticas são cada vez mais evidentes: incêndios na Sibéria e no Alasca, vagas de calor no Norte da Europa e um ritmo recorde de degelo. Uma sondagem recente junto de 46 grandes investidores revelou que 85% consideram as alterações climáticas o assunto mais importante a debater com as administrações de cotadas. No ano passado, essa proporção era de apenas 31%.
Apesar do exército cada vez maior de investidores verdes, Laurent Babikian avisa que “não atingiremos as metas do Acordo de Paris sem uma transformação do sistema financeiro e da comunidade de investidores”. E considera que “a indústria de gestão de ativos necessita de alterar dramaticamente a forma como aloca o capital”.
Adaptar ou desaparecer
A administração da ExxonMobil pode ter sacudido a pressão dos acionistas, mas não ficou sem resposta. Tom DiNapoli contra-atacou com uma proposta para separar a função de chairman da de CEO, ambas desempenhadas por Darren Woods. O objetivo era que a empresa tivesse um presidente do conselho de administração independente que comunicasse com os acionistas sobre a estratégia da empresa para mitigar os riscos das alterações climáticas.
Após a SEC ter chumbado a resolução sobre as metas específicas para as emissões, a nova proposta foi uma espécie de referendo ao grau de satisfação dos acionistas com as políticas ambientais da petrolífera. Teve 41% de votos favoráveis. Apesar de não ter sido aprovada, Tom DiNapoli considerou que a dimensão da votação era uma “forte mensagem de insatisfação dos acionistas com o fraco modelo de governo da empresa, o que está a impedi-la de enfrentar de forma adequada o risco climático”. E disse que a Exxon estava por “sua conta e risco” ao ignorar este nível de apoio para que a petrolífera seja mais transparente em matérias relacionadas com as alterações climáticas.
O braço-de-ferro está longe de terminar, e o incentivo para as empresas se aliarem ao exército de investidores verdes é cada vez maior. A química alemã Basf reconhece, no relatório anual sobre alterações climáticas, que “se os grandes investidores ou clientes orientados para a sustentabilidade considerarem que as nossas atividades de negócio contrariam o crescente ímpeto global para agir contra as alterações climáticas, isso representa um risco reputacional para a empresa – que pode, em última análise, levar a menores vendas e a uma redução do valor de mercado”.
Laurent Babikian afirma que “gerir os riscos ambientais não é apenas positivo para o planeta mas também para o negócio”. O responsável da CDP indica que, entre 2011 e 2019, as cotadas que obtiveram o melhor rating por parte da entidade bateram o mercado em 5,5%, segundo a provedora de índices acionistas Stoxx. “Não é uma grande surpresa que empresas que tenham um bom desempenho nas métricas ambientais também consigam resultados positivos noutras áreas de negócio”, comenta o responsável da CDP. Babikian recorda que “há dez anos se dizia que o ESG era prejudicial para o desempenho financeiro. Porém, o paradigma mudou dramaticamente”.
E não são apenas os investidores a mostrarem preocupação. Apesar do negacionismo na Casa Branca, da retórica mais hesitante do Japão e da demora de Moscovo em ratificar o Acordo de Paris, há responsáveis das maiores economias do mundo conscientes dos riscos. Os bancos centrais e outros reguladores de 34 países uniram-se para incentivar o setor financeiro a divulgar e a apresentar planos para lidar com os riscos relacionados com as alterações climáticas na Network for Greening the Financial Services. Estão presentes quase todos os maiores bancos centrais do mundo e o Banco de Portugal também se juntou a esse movimento. No entanto, há ausentes de peso: a Reserva Federal dos EUA e o Banco do Brasil.
Ausências à parte, os governadores do Banco de Inglaterra e do Banco de França resumiram o desafio com que se deparam as empresas e o setor financeiro. Numa carta aberta divulgada em maio, Mark Carney e François Villeroy de Galhau “realçam que as emissões de carbono têm de descer 45% na próxima década em relação aos níveis de 2010, para se atingir a neutralidade carbónica em 2050. Isso requer uma realocação massiva de capital”. E avisam: “Se algumas empresas ou setores não se adaptarem a este novo mundo, deixarão de existir.” Um alarme que cada vez mais investidores gostariam que soasse bem alto no escritório de Darren Woods e nas administrações das empresas mais vulneráveis aos riscos das alterações climáticas.
Gigantes que se renderam
As campanhas lançadas por investidores já deram resultados junto de algumas grandes cotadas, a maior parte delas na Europa. Nos EUA, as grandes petrolíferas têm tentado escapar às investidas.
BP
A BP aprendeu da pior maneira o custo que pode ter a negligência ambiental, depois das indemnizações milionárias que teve de pagar após o desastre da Deepwater Horizon, que provocou um grande derrame de petróleo no Golfo do México. A petrolífera britânica não resistiu às exigências dos investidores da Climate Action 100+. A proposta para que a empresa apresentasse um plano de negócios consistente com as metas do Acordo de Paris teve o apoio da administração da BP e a aprovação de 99,14% na assembleia geral deste ano.
Equinor
A empresa de energia norueguesa, antiga Statoil, já tinha metas para a redução de emissões. Mas, após conversações com alguns membros da Climate Action 100+, comprometeu-se, em maio, a tomar mais medidas. A Equinor vai fazer testes de stresse aos seus ativos para medir o risco das alterações climáticas, reequacionar a presença em associações empresariais que não se comprometam com a redução das emissões e colocar indicadores ambientais na forma de cálculo da remuneração dos seus executivos.
Shell
Também em maio a Shell chegou a um compromisso inicial com investidores. A empresa definiu metas de redução da pegada carbónica, para os próximos três anos, em 2% a 3%. A eficácia no cumprimento desses objetivos vai pesar na remuneração de 150 executivos de topo. A petrolífera acordou ainda definir novas metas para a redução de emissões a partir de 2020. O compromisso foi alcançado um ano antes do prazo que estava a ser indicado nas negociações.
Glencore
É uma das multinacionais da indústria mineira mais controversa. O CEO da empresa, que é também um dos principais acionistas, tem a reputação de ser um osso duro de roer. Há quem diga que a característica mais suave de Ivan Glasenberg é o esmalte dos dentes. Ainda assim, a Glencore comprometeu-se em seguir uma estratégia de negócio em linha com o Acordo de Paris, depois de muita pressão por parte de alguns acionistas. A empresa liderada por Glasenberg acordou em definir limites para a produção de carvão e acedeu investir mais noutras matérias-primas que a Glencore diz serem essenciais na transição para uma economia de baixo carbono, como o cobre, cobalto, níquel, vanádio e zinco.
100 empresas são responsáveis por dois terços das emissões
A Climate Action 100+ surgiu no final de 2017 e identificou as 100 cotadas mundiais responsáveis por mais emissões diretas e indiretas de gases com efeito de estufa. No total, essa centena de empresas é responsável por dois terços das emissões industriais, afirma a organização com base em dados da CDP, uma entidade que solicita e agrupa informação ambiental sobre as cotadas mundiais.
A Climate Action 100+ foi ganhando participantes e conta com mais de 360 grandes investidores que têm 34 biliões de dólares (cerca de 30 biliões de euros) sob gestão. O objetivo desta coligação é sensibilizar e pressionar essas empresas a delinearem estratégias para enfrentarem a transição para uma economia de baixo carbono. Em julho de 2018, foram adicionadas mais 68 empresas ao radar da Climate Action 100+. Esse segundo grupo de cotadas foi escolhido com base no seu potencial para liderarem a transição energética ou para poderem reduzir de forma significativa a pegada carbónica. A maior parte das empresas na lista de vigilância da aliança de investidores está na Europa (34,8%) e na América do Norte (33,5). E são sobretudo dos setores petrolífero, da eletricidade e dos transportes.
Apesar de ser uma coligação relativamente recente, a Climate Action 100+ tem conseguido forçar compromissos com algumas empresas. No entanto, a atuação tem sido mais eficaz na Europa do que no mercado norte-americano, com o regulador financeiro dos EUA a bloquear algumas propostas feitas por investidores ligados à Climate Action 100+.
€890 mil milhões em risco
Maiores empresas estimam custos elevados com as alterações climáticas
Custos elevados
215 das maiores cotadas mundiais identificaram riscos climáticos avaliados em um bilião de dólares (890 mil milhões de euros), segundo um relatório da CDP, entidade que colige dados sobre a relação das empresas com as alterações climáticas. Os principais fatores que arriscam ter impacto negativo nas contas dessas empresas são os fenómenos meteorológicos extremos, a subida global da temperatura e licenças mais caras para as emissões de gases com efeito de estufa. As entidades envolvidas no estudo e que reportaram à CDP admitem que a grande maioria desses custos chegue já nos próximos cinco anos.
Ativos “encalhados”
Uma das grandes preocupações dos investidores é se as empresas reportam de forma transparente a desvalorização de ativos que perdem utilidade à medida que se vai fazendo a transição para uma economia de baixo carbono. As empresas que reportaram à CDP estimam que possam vir a sofrer prejuízos de 250 mil milhões de dólares com estes ativos que irão ficar “encalhados”. A maior parte deles está relacionada com infraestruturas ligadas às energias fósseis.
Oportunidades
Apesar dos custos com as alterações climáticas, as empresas que responderam à CDP acreditam que a transição para a economia de baixo carbono traz oportunidades para novos negócios, produtos e serviços. Estimam que o impacto positivo na receita possa exceder os dois biliões de dólares. No entanto, um dos setores mais otimistas neste ponto é o petrolífero, o que pode levantar dúvidas sobre os indicadores que reportam aos investidores, ressalva a CDP.