O grupo hoteleiro português Vila Galé diz que é “muito pouco provável” que as autoridades brasileiras aceitem a pretensão de demarcar como reserva indígena os terrenos onde quer construir um resort, na Bahia. E assegura que não fez nenhuma diligência junto da autoridade turística brasileira no sentido de pressionar o encerramento do processo de demarcação daquela área. “É muito pouco provável que seja negativo,” diz, sobre o desfecho deste caso. “O processo apanhou três mandatos, desde o PT [Partido dos Trabalhadores]. Se ainda não foi aprovado, é porque não devem ter sido encontradas grandes certezas,” defende à EXAME Jorge Rebelo de Almeida.
Na semana passada o jornal online The Intercept Brasil revelou a existência de um ofício em que a autoridade turística nacional brasileira, a Embratur, pedia à Fundação Nacional do Índio (Funai) o fim do processo de demarcação de terras indígenas do povo Tupinambá de Olivença. Alegando que esta zona, no sul da Bahia, se trata de uma “área de excecional potencial de desenvolvimento turístico,” o instituto apontava em particular a intenção do grupo Vila Galé investir na construção de empreendimentos turísticos em Una e Ilhéus, municípios abrangidos por aquela área delimitada.
Em causa está a terra indígena Tupinambá de Olivença, cuja delimitação foi oficialmente aprovada em 2009 pela Funai, com base num estudo coordenado pela antropóloga portuguesa Susana de Matos Viegas. Segundo o site Terras Indígenas do Brasil, este território corresponde a 47 mil hectares com uma população de 4631 pessoas e a sua situação jurídica é “identificada/aprovada sujeita a contestação”. Mas para a demarcação ser definitiva, o processo aguarda pela tutela da Funai (a assinatura de portaria declaratória pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro) e pela homologação da demarcação, a cargo da Presidência da República.
O presidente do grupo hoteleiro diz não ter quaisquer garantias oficiais de que a demarcação venha a ser rejeitada, mas assegura que o Vila Galé fez “o trabalho direitinho” neste processo, incluindo em termos ambientais, tendo sido depois apanhado no meio de fogo cruzado. “Nós, empresas, acabamos por apanhar com o respaldo de algumas guerrilhas políticas. Nesta notícia toda, o que está envolvido são razões laterais, que é o típico hoje das agendas políticas e jornalísticas. (…) Os indígenas são uma bola de arremesso no meio disto tudo,” atira Jorge Rebelo de Almeida, sugerindo o alvo último deste caso: “Alguém quer atingir Bolsonaro.”
O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, manifestou-se por várias vezes, antes e depois de tomar posse, contra as demarcações de terras indígenas, alegando que é “muita terra para pouco índio” e que pretendem “inviabilizar o país”. Ainda há dois meses deixou claro que enquanto estiver no cargo não autorizará novas demarcações e que vai rever processos passados em que suspeite de fraude. “Na ponta da linha, quem demarca terra indígena é o presidente da República,” insistira antes, em junho.
“Ele diz isso porque é de extrema-direita? Não. É de bom senso. Eu, no lugar dele, dizia que os indígenas, que estão em vários pontos do país, têm direito a serem integrados na sociedade brasileira. Não vamos criar ilhas autónomas,” defende o presidente do grupo Vila Galé. “Quando muito, se fosse no interior da Amazónia, uma coisa que não tivesse contacto com o exterior, ainda podia fazer sentido. Agora, no litoral sul da Bahia, a 20 quilómetros de um grande empreendimento, o Cana Brava, estar a falar de uma reserva indígena é uma coisa no mínimo caricata,” acrescenta, numa referência ao local onde pretende construir o resort, enquanto vai mostrando fotografias do local.
‘Parece que há aí uma complicação’
Jorge Rebelo de Almeida diz que é hábito o grupo ser “aliciado” por vários governos estaduais brasileiros para desenvolver empreendimentos turísticos, mas que neste caso, o do resort Costa do Cacau, o convite veio de um empresário local que doou o terreno para a construção do hotel, procurando assim uma âncora para alavancar os seus projetos. A obra, com o “apoio forte” da prefeitura de Una, chegou a estar prevista arrancar em maio, com estudos e projetos prontos.
“Estávamos para levantar a licença na prefeitura quando surgiu, por parte do órgão estadual, isto de: ‘Parece que há aí uma complicação’. Quem decidiu não levantar a licença fomos nós,” conta. Segundo Jorge Rebelo de Almeida, o Governo do Estado da Bahia, liderado por Rui Costa, do PT, contactou depois a Embratur “explicando a situação.” “O Governo estadual uniu-se ao federal para resolver o problema. Porque é um projeto com a maior importância,” afirma.
A matéria passa por vários centros de decisão, mas o empresário diz que não conhece o presidente da Embratur, nem nunca teve contacto com o chefe de Estado, apesar de lhe terem feito chegar um recado de Bolsonaro: “Que ele gostaria de falar comigo, pois aposta imenso no desenvolvimento do turismo e porque somos um grupo [a investir] numa época em que não há praticamente nenhum investimento estrangeiro no Brasil.”
Entretanto, os Tupinambá de Olivença denunciaram o presidente da Embratur, o prefeito de Una e o governador e o vice-governador da Bahia como sendo parte do lobby “em favor da empresa portuguesa de turismo” e acusaram o governo brasileiro de desrespeitar a Constituição Federal por não ter demarcado o seu “Território Sagrado”.
Presente há 19 anos no país, o grupo Vila Galé tem nove empreendimentos turísticos a funcionar no Brasil. O investimento no Costa do Cacau, de 150 milhões de reais, deveria estar pronto a operar em 2022. O gestor não revela quanto investiu até ao momento neste projeto nem arrisca uma data para o início dos trabalhos.