Ao fim de 178 anos de história, o operador turístico britânico Thomas Cook anunciou esta segunda-feira a entrada em liquidação, depois de terem falhado durante o fim de semana novos esforços de viabilização – que passavam pela recapitalização e reorganização da empresa – junto dos principais acionistas.
“A administração da empresa concluiu, portanto, que não tinha outra opção que não entrar em liquidação obrigatória com efeito imediato,” disse hoje a companhia em comunicado. Além do operador turístico, todas as empresas do grupo no Reino Unido, incluindo a companhia aérea Thomas Cook Airlines, estão incluídas no pacote de empresas a liquidar.
Assim, quem estaria para iniciar viagem para o destino de férias não deverá poder fazê-lo, tal como quem já está no destino não conseguirá fazer o regresso à origem pelos meios inicialmente previstos. No total, o número de pessoas afetadas em viagem deve totalizar 600 mil pessoas. Só britânicos são 150 mil que estão neste momento de férias no estrangeiro, o que levará a desencadear o maior repatriamento de cidadãos britânicos em tempo de paz. O governo britânico – a quem a empresa terá pedido um resgate de 250 milhões de libras, não concedido – já alugou 45 aviões para assegurar o retorno.
O grupo atribuiu nas últimas semanas a sua situação difícil à instabilidade política em destinos onde opera (como a Turquia, por exemplo), à onda de calor que atingiu o Reino Unido – que desencorajou a realização de viagens para destinos no estrangeiro – e ao impacto da incerteza com o Brexit na reserva de futuras viagens. Resultado: só vendeu 57% das suas viagens de verão em 2019.
As raízes da crise vão, contudo, mais fundo. Segundo o The Guardian, a dívida que trouxe às costas desde a fusão em 2007 com a MyTravel e a emergência dos operadores online que retiraram mercado ao tradicional pacote turístico já vinham a fazer mossa há alguns anos.
Em maio, reportou prejuízos de 1.456 milhões de libras relativos ao primeiro semestre fiscal (depois do impacto negativo da reavaliação contabilística de um dos braços do grupo, a MyTravel), altura em que contava 1.200 milhões em dívidas. Três meses depois, em agosto, o grupo garantiu um financiamento de 900 milhões de libras. O seu maior acionista – a chinesa Fosun, com 18,1% da empresa, está presente em Portugal no BCP e é dona da Fidelidade – entraria com 450 milhões de libras e a banca e os obrigacionistas com um montante semelhante. Essa injeção dar-lhe-ia uma participação de 75% do grupo e de 25% na companhia aérea.
Recentemente, a exigência dos credores bancários em reforçar o financiamento em mais 200 milhões de libras deixou o plano em dificuldades. E acabou por falhar este fim de semana. A Fosun, principal acionista da Thomas Cook e que apresentou um programa para recuperar o grupo, já se disse “desiludida” por não se ter conseguido encontrar uma solução viável para a recapitalização proposta com os vários credores envolvidos, disse à AFP.
Além do grupo britânico de viagens, a Fosun é ainda dona do Club Med e da empresa francesa de circo Cirque du Soleil. O processo de liquidação obrigatória da Thomas Cook, segundo a BBC, coloca em risco mais de 21 mil postos de trabalho em todo o mundo, dos quais quase metade – 9 mil – no Reino Unido.
Em junho passado, o The Mail on Sunday avançava, citando fontes de mercado, que a portuguesa Hi Fly, ligada à família Mirpuri, tinha feito uma oferta não vinculativa pelo negócio de aviação da Thomas Cook, uma notícia que a companhia portuguesa não quis comentar.
Impacto no Algarve: dos “milhões” ao “efeito reduzido”
Em Portugal, a Thomas Cook trabalhava até agora sobretudo com os destinos Algarve e Madeira. Segundo a Embaixada do Reino Unido, citada pelo Ministério da Economia ao final da manhã, há 500 pessoas afetadas no Algarve. Em comunicado, o Governo português diz que “está a acompanhar de perto e em permanência a situação,” e que estão a ser feitos pontos de situação dos efeitos da falência em Portugal, “quer sobre os turistas, quer sobre as empresas portuguesas.”
Para os hotéis algarvios que trabalhavam com a Thomas Cook, a falência do operador será uma má notícia com forte impacto nas suas contas. É o quadro que pinta o presidente da principal associação hoteleira da região. Apesar de não conseguir estimar quantos hotéis ou turistas serão afetados, tem uma certeza: os prejuízos para a região serão na “ordem dos milhões de euros.”
À VISÃO, Elidérico Viegas diz que a liquidação do grupo deixa mais de um mês de capacidade hoteleira por preencher – os turistas que deveriam viajar até ao fim da época alta, que termina no final de outubro. “Mas o mais importante não é isso,” defende o presidente da AHETA. “São os dois meses anteriores que têm dívida, julho e agosto, é essa faturação que está em causa.”
O responsável dá esses valores, que a Thomas Cook já tinha cobrado aos clientes mas ainda não tinha transferido para os hotéis, como perdidos. O que, para os empreendimentos que trabalhavam com o operador britânico, corresponde a “50% da faturação dos hotéis num ano,” argumenta.
Elidérico Viegas estima que metade dos turistas que chegam ao Algarve venham pela mão de operadores turísticos – entre operadores tradicionais e online – e espera que o espaço deixado vazio pela queda da Thomas Cook venha a ser disputado por outras companhias, o que poderá “estreitar ainda mais o caminho” para os hoteleiros devido à redução do número de operadores no mercado.
Contudo, outros responsáveis do setor relativizam o impacto da falência no turismo português. Em declarações ao Expresso, tanto o presidente da Região de Turismo do Algarve como o presidente da Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT) referem que haverá um “efeito reduzido” na região – João Fernandes, líder da região turística, estima que o operador não tenha transportado mais de 0,2% do turistas para o Algarve este ano.
Entretanto, a autoridade da aviação civil britânica já confirmou a realização do voo da Thomas Cook Airlines de Faro para Manchester, que estava previsto para esta terça-feira, 24, às 10:15, a que entretanto foi atribuído um novo número: ZT1169 em vez do habitual MT1169. Os voos dos dias 28 de setembro, 1 e 5 de outubro ainda estão por confirmar.
Noutros destinos, o impacto deverá ser maior. Segundo o The Guardian, no Chipre há 15 mil turistas clientes impedidos de viajar. Na Turquia, as autoridades temem que o colapso da Thomas Cook custe 700 mil turistas por ano ao país. O líder do Turismo de Creta, onde 70% dos hotéis da ilha têm contratos com a Thomas Cook, considerou que esta falência é um “terramoto de grau 7 e o tsunami ainda está por chegar.” E a Grécia também será fortemente afetada.