A entrada deste monte alentejano é igual à de tantos outros da região: um caminho de pedra ladeado por árvores, e vacas que nos olham desconfiadas assim que entramos na propriedade. Pastam nos verdes campos que ainda não denunciam a seca deste ano e acabam por ignorar os visitantes que entretanto chegam aos edifícios principais. À direita, altiva e sem deixar margens para dúvidas, a antiga habitação do feitor – hoje transformada em várias casas, com dois ou três quartos cada.
À esquerda, as casas dos trabalhadores que outrora faziam desta propriedade de 780 hectares uma comunidade próspera e praticamente autossuficiente e que hoje são luxuosos quartos. A rua que separa umas das outras é empedrada, numa espécie de calçada romana que, na verdade, foi construída com pedras da propriedade. Ao longe, vê-se o castelo de Monsaraz e, em redor, pouco mais do que silêncio, eventualmente entrecortado pelo relinchar dos cavalos e pelos mugidos das nossas primeiras anfitriãs.
Arqueólogos, geólogos, historiadores, arquitetos, arquitetos paisagistas e os proprietários estudaram profundamente as origens desta herdade, outrora uma das mais bem-sucedidas da região, e tentaram mantê-la tão original quanto o projeto que se propuseram a fazer lhes permitia. Durante 14 anos, tentou-se perceber qual o rumo a seguir, enquanto se trabalhava para arranjar financiamento para o ambicioso empreendimento que abriu portas em 2016 e que, desde então, já cresceu em serviços oferecidos e em conceito.
Assim que paramos o carro, à sombra de uma frondosa árvore, tentamos perceber aonde devemos dirigir-nos. E, na ausência de indicações, utilizamos a técnica infalível de seguir as pessoas que por ali deambulam: a receção do hotel parece a entrada de uma casa de família, com livros e fotografias espalhados pelas prateleiras e paredes. Ao lado, vislumbramos os sofás que convidam à leitura, ou simplesmente a um momento de descanso, no bar da propriedade. Atrás de nós, o restaurante espreita, com o seu alpendre tosco e uma lareira que, acreditamos, será muito útil ao jantar, quando o sol descer e o frio do Alentejo se fizer sentir em todo o seu esplendor. Estamos em plena rua do monte, na propriedade da antiga Casa Leal, e hoje Herdade de São Lourenço do Barrocal – São Lourenço por ser o padroeiro da hospitalidade, Barrocal porque toda a herdade tem diversas porções de terreno ladeadas por pedras de xisto (os barrocais).
Hoje, ao invés de 50 famílias, um feitor e os “senhores da herdade”, o hotel do Barrocal
alberga 24 quartos (dois dos quais são suítes), 15 casas, um spa, dois restaurantes, uma loja de produtos regionais, uma sala dos brinquedos, uma horta, duas piscinas, uma adega, uma sala de provas e uma garrafeira. Foram cerca de 12 milhões de euros (5,5 dos quais provenientes de fundos europeus), num investimento que se quer de futuro. “Não havia um telhado que não tivesse caído ou não estivesse a cair”, antes de se iniciar o projeto de recuperação da herdade, realça José António Uva, administrador do Barrocal e representante da oitava geração da família a quem pertence o monte. Eduardo Souto de Moura foi, para os acionistas (os proprietários e o empresário António Menano), a escolha óbvia para recuperar o empreendimento, pelo seu “conhecimento muito profundo da arquitetura vernacular portuguesa”, justifica o responsável.
E a verdade é que foi precisamente com este projeto alentejano que o arquiteto português arrecadou, no ano passado, mais um importante galardão internacional: um Leão de Ouro, o reconhecimento máximo da Bienal de Arquitetura de Veneza. à primeira vista, o monte parece mesmo ter parado no tempo: as paredes grossas e caiadas de branco, os arcos largos, as lareiras que na realidade são chaminés, os recantos acolhedores, as janelas que deixam entrar o sol quente dos dias limpos. Claro que agora há eletrodomésticos SMEG a conviver com portadas de madeira transformadas em mesas de centro. Há aparelhos de ar condicionado escondidos em armários discretos. Há todo o conforto que um hotel de cinco estrelas exige envolto em 200 anos de História. “Não nos apresentamos como um turismo rural, mas também não nos apresentamos como um resort”, esclarece José António. Aqui, a ideia é a de que as pessoas se sintam em casa. Que possam trazer um copo de vinho para o seu terraço enquanto veem o pôr do Sol; que passeiem pela propriedade em busca dos dólmenes, do lago, dos cavalos selvagens ou das oliveiras centenárias. Que se percam nos 15 hectares de vinha ou que se esqueçam do tempo enquanto fazem um piquenique no sítio que mais lhes aprouver. Ou que aproveitem para fazer uma viagem de balão com uma das empresas da região que trabalham em parceria com o Barrocal, ou para conhecer mais da história da propriedade com a ajuda de um historiador, que pode desenhar um programa quase à medida. Claro que também há passeios a cavalo e tempo para um mergulho na piscina, se o tempo ajudar. Se apanhar chuva, como foi o nosso caso, não se preocupe: as lareiras e os sofás onde nos afundamos são um ótimo convite à leitura.
Numa altura em que tanto se fala da dificuldade em arranjar quem queira dedicar-se à hotelaria, José António esclarece que a atual equipa do hotel, cerca de 100 pessoas – o número aumenta para 150 no período do verão –, é maioritariamente constituída por gente da freguesia. Algumas direções vieram de cadeias como o Ritz Four Seasons, mas o acolhimento alentejano faz parte da magia do lugar. “Temos um bom serviço, mas nunca teremos um serviço padronizado de luxo em todos os momentos”, porque a ideia é precisamente diferenciar-se pela forma como recebe, sublinha o responsável. É certo que isso pode refletir-se em refeições que não demoram menos de uma hora e meia – a sopa de tomate vale a espera, ainda que tenha um preço um pouco elevado, e o porco de bolota com migas é incontornável – e em chamadas para a receção que ficam sem resposta à primeira tentativa. Mas aqui o tempo tem outra medida. E talvez seja por isso mesmo que é tão apreciado por mercados como o brasileiro e o norte-americano. “Não temos um turismo de fim de semana. Na verdade, temos pessoas que ficam connosco quatro dias, uma semana…”
No único hotel de luxo de Monsaraz, os preços praticados são, assumidamente, pensados para o mercado internacional. Quando abriu as portas, o Barrocal cobrava por uma noite, para duas pessoas, com pequeno-almoço incluído, pouco mais de 100 euros. Hoje, em época baixa, o preço ronda os 200 euros e salta para os 400 em época alta. O objetivo, admite José António, é subir o preço médio para 500 euros, em 2020. “Invertemos claramente a tendência desde 2016. Na época, tínhamos 35% de hóspedes internacionais. Hoje em dia, 65% dos nossos clientes vêm de outros países, e acho que podemos aumentar essa percentagem já este ano.” A ideia é conseguir que o projeto seja sustentável durante todos os meses do ano, mesmo durante o inverno, quando, inevitavelmente, há menos reservas.
Para já, o saldo é positivo. Depois de dois anos de prejuízos, o Barrocal conseguiu, em 2018, ultrapassar a linha de água, garante o administrador. A faturação do hotel superou os 3,5 milhões de euros e José António estima um crescimento na ordem dos 40% para este ano. A juntar-se a estas contas está ainda o projeto imobiliário do Barrocal: há 25 lotes de terreno à venda [na verdade, à hora de fecho desta edição já havia só 12] dentro da herdade, para quem quiser ter uma casa de campo. Por 360 mil euros, é só escolher um dos barrocais disponíveis, ter em atenção as regras de construção estipuladas pelo arquiteto João Pedro Falcão de Campos e apostar numa casa de campo a cinco minutos da barragem do Alqueva. Uma forma de chamar mais gente à região e de conseguir rentabilizar uma propriedade cuja extensão não é alcançável a olho nu. Um projeto para, quem sabe, ser continuado pela nona geração. E
Alentejo