O encontro de banqueiros centrais em Jackson Hole, no Wyoming, é seguido de perto todos os anos por investidores e economistas. Foi nessa espécie de retiro espiritual dos responsáveis de política monetária que, em 2014, o presidente do BCE, Mario Draghi, anunciou os moldes do programa de compras de dívida na zona euro. Antes disso, e no pico da crise financeira, esse evento serviu como palco para o então presidente da Reserva Federal dos EUA (Fed), Ben Bernanke, acalmar os mercados financeiros e sinalizar as medidas que iria seguir para impedir uma depressão na maior economia do mundo.
Para a edição deste ano do encontro, Trump tinha expectativas elevadas em relação ao discurso de Jerome Powell, o seu escolhido para liderar a Fed. Depois de meses de ataques ao banco central por não descer as taxas de juro no nível pretendido pela Casa Branca, o presidente dos EUA dizia que “agora era a hora para a Fed mostrar o que vale”. Mas esta sexta-feira, após a palestra do líder do banco central em Jackson Hole, o presidente norte-americano ficou furioso e lançou um dos ataques mais violentos até à data contra Powell.
“A minha única questão é: quem é o nosso maior inimigo, Jay Powell ou o presidente Xi?”, questionou Trump no Twitter. “Como de costume, a Fed não fez NADA! É incrível que eles possam falar sem saber ou perguntar o que estou a fazer e irei anunciar em breve. Temos um dólar demasiado forte e uma Fed muito fraca,” acrescentou.
Afinal, o que disse Powell?
Apesar de Jackson Hole já ter sido palco de grandes anúncio de política monetária, Jerome Powell fez uma avaliação ao estado da economia americana que aparenta descartar medidas de choque. O presidente da Fed até deixou algumas pistas de que pode fazer mais alguns ajustamentos no nível das taxas de juro, devido aos riscos geopolíticos e aos efeitos colaterais da guerra comercial.
Mas não abriu a porta a muito mais que isso, já que a economia americana continua a dar sinais positivos. “A economia dos EUA continua a ter em geral um bom desempenho, impulsionado pelo consumo. A criação de empregos abrandou face ao ritmo do ano passado e a inflação aparenta direcionar-se para mais perto dos 2%”, a meta pretendida pela Fed, disse Powell no seu discurso.
No entanto, Powell afirmou que face à reunião do passado mês de julho, em que desceu juros pela primeira vez desde a crise financeira, houve muitos desenvolvimentos que merecem uma análise cuidadosa: anúncio de novas tarifas sobre as importações chinesas; mais indícios de abrandamento global, especialmente na Alemanha e na China; eventos geopolíticos (maior probabilidade de um hard Brexit, aumento das tensões em Hong Kong e a queda do governo italiano). Fatores que o presidente da Fed apontou e que levaram a instabilidade nos mercados financeiros.
Para Paul Ashworth, economista-chefe da Capital Economics para os EUA, o discurso de Powell “aparente abrir a porta a uma descida da taxa de juro em setembro”. Numa nota a investidores a que a Exame teve acesso, Ashworth prevê que além desse corte, a Fed baixe novamente os juros em 25 pontos base em dezembro. A taxa dos fundos federais está atualmente num intervalo de entre 2% e 2,25%. Caso a estimativa da Capital Economics se revele certeira os juros terminarão o ano em entre 1,50% e 1,75%.
Trump quer cortes de 100 pontos nas taxas e compras de ativos
Apesar de a Fed ter abandonado o ciclo da normalização dos juros, para Trump as medidas não são suficientes. O presidente quer cortes ainda mais acentuados de juros e que o banco central retome programas de compras de ativos. No início desta semana, defendeu que “a taxa da Fed, num período bastante curto de tempo, deveria ser reduzida no mínimo em 100 pontos base, talvez também com algum quantitative easing”.
Essas medidas serviriam para Trump conseguir o objetivo de desvalorizar o dólar, uma arma que quer ter na guerra comercial com a China. Além disso, ajudariam a economia a chegar em boa forma às eleições de novembro de 2020, numa fase em que o conflito com Pequim arrisca causar danos aos EUA.
Aliás, a China retaliou esta sexta-feira à última ronda de tarifas anunciadas por Trump. Pequim disse que iria aplicar uma sobretaxa de entre 5% a 10% em importações de bens avaliados em 75 mil milhões de dólares. Isto depois de no início de agosto, os EUA terem comunicado que iriam impor tarifas em produtos chineses que valem importações de 300 mil milhões de dólares. Resultado, as bolsas tremeram e o petróleo também desvalorizou com os investidores a temerem os impactos da escalada na guerra comercial na economia mundial.
Mas, ao mesmo tempo que pede estímulos monetários, o presidente americano afirma que “a economia está muito forte”. Isto apesar de afirmar que a “horrenda falta de visão de Jay Powell e da Fed” impede um vigor ainda maior da economia. Tem acusado ainda os Democratas de desejarem que a economia pior em 2020 para tirarem dividendos eleitorais.
No entanto, há também quem interprete a estratégia de críticas consecutivas de Trump a Powell como sendo a procura de um bode expiatório para o caso de a estratégia arriscada no conflito comercial com a China vir a penalizar o desempenho da maior economia do mundo.
“O único plano da administração se as coisas correr mal parece ser culpar a Fed, cujo presidente foi escolhido por… Donald Trump”, afirmou Paul Krugman, numa opinião no The New York Times. Também o antigo governador do banco central da Índia, Raghuram Rajan, referiu num artigo que “para um líder populista que receie que uma recessão possa fazer descarrilar a sua agenda e afetar a sua própria imagem de infalibilidade, o banco central é o perfeito bode expiatório”.