“Será que há necessidade de ter um CEO quando o que estamos a ver são empresas mais matriciais, viradas para projetos, com equipas autónomas?” O CEO da Randstad Portugal fez a pergunta e deixou a resposta, em tom provocativo. “O meu trabalho vai acabar. Não sei quando mas vai,” acrescentou José Miguel Leonardo.
A reinvenção da forma de trabalhar, que está em curso e se intensificará com a digitalização da revolução 4.0, vai trazer organizações cada vez mais abertas, onde o espírito de inovação e a necessidade de uma maior cultura de risco vão conviver com a procura de competências como a atitude e a entrega e com a necessidade de manter a proximidade com os clientes.
“Fico contente de saber que o lugar do CEO está em risco, é importante. A centralização estrangula a evolução e o progresso,” corroborou Rui Miguel Nabeiro, presidente executivo do grupo Delta e um dos oradores no painel sobre o trabalho e a transformação digital da conferência Portugal em EXAME, que esta quinta-feira se realiza no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
Em risco ou não, José Gonçalves prefere destacar o papel de algumas lideranças em Portugal como sendo “muito paternalista, que sabem tudo e tudo aquilo que tem de ser feito,” ao contrário do que acontece nos EUA, onde a preocupação é contratar os talentos que ajudam as lideranças a perceber aquilo o que deve ser feito.
Para o CEO da Accenture Portugal, as empresas deste lado do Atlântico enfermam ainda de outra dificuldade associada à cultura conservadora na Europa: a fraca apetência para o risco, que trava a inovação. “Em muitas empresas, vivem melhor as pessoas que não assumem riscos, as que passam pelos pingos da chuva,” lamenta. “Se [uma experiência] não correr bem, não tem problema, não vamos destruir a empresa toda,” afirmou por seu lado Rui Miguel Nabeiro, exemplificando com o papel dos colaboradores no desenvolvimento interno de novas ideias de produtos. “Estamos mais em risco se não inovarmos do que se inovarmos e correr mal.”
Persistam ou não estes traços culturais de aversão ao risco, por debaixo o tecido colaborativo já está a mexer e não é pouco. Mais do que tecnológica, esta é uma revolução que toca na vida e no papel das pessoas, diagnosticou José Miguel Leonardo. E as empresas já sentem dificuldades em contratar. “Há uma desadequação enorme entre as competências que as empresas procuram para garantir o seu futuro e as que existem no mercado. As competências técnicas adquirem-se, mas soft skills como a atitude e a entrega têm de se treinar.”
É o que já acontece na Accenture, onde quem está a chegar ao topo da consultora não eram forçosamente os melhores alunos quando os talentos foram captados nas universidades. “São os melhores em liderança, proatividade, persuasão, a trabalhar em rede,” sublinhou José Gonçalves, para quem também é importante a existência, na organização, de uma cultura de culturas que respeite os valores de cada um.
Haverá novas profissões, outras desaparecerão e outras serão transformadas. E, pelo caminho, gerações diferentes em contacto, com diferentes níveis de sofisticação e experiência. Na Delta, onde a robotização e a digitalização foram “bem recebidas,” há 120 pessoas em idade de pré-reforma e a idade média é de 40 anos, Rui Miguel Nabeiro disse ver neste gap tem efeitos virtuosos: a experiência dos mais velhos contribui para reduzir o risco de erro e engano dos mais novos.
“Temos de nos manter atuais, estar atentos. Estar disponíveis para perceber que a carreira não é sempre ascendente. E fazermos tudo para não sermos descartáveis, tornar-nos insubstituíveis,” deixou depois como recomendações o presidente da Randstad, para quem já está ou se prepara para entrar num mercado de trabalho com uma revolução em curso.