É preciso ir com alguma atenção na Estrada Nacional 118, para que não passemos a entrada da Quinta da Alorna, denunciada apenas pela indicação da loja, uma aposta de 2014 que ajudou a atrair turistas mas também habitantes da região. “Atualmente, 10% da faturação, em termos de valor, é feita na loja”, revela Pedro Lufinha, diretor-geral executivo da Quinta da Alorna, enquanto damos um passeio pela propriedade. A empresa registou, em 2017, vendas na ordem dos 3 milhões de euros, e o vinho é responsável por entre 65% e 70% desse valor.
Acabámos de sair dos escritórios onde o responsável explicou à EXAME a atual distribuição das culturas pelo terreno da herdade: 1 900 hectares estão dedicados a floresta, 500 hectares são de produção agrícola e 220 hectares são vinha. Aqui semeiam-se batatas para a Matutano, ervilhas para a Bonduelle e cultivam-se amendoins para a PepsiCo espanhola, revela-nos Lufinha, salientando ainda a importância do eucaliptal, “maioritariamente arrendado à Soporcel e à Altri”, o que garante não apenas uma renda fixa como a certeza de que o terreno está limpo e cuidado. O montado, de onde se retira cortiça de dez em dez anos, e o pinhal ocupam os outros dois terços da área florestal. Para esta diversificação do risco e da receita contribui, recentemente, a “produção de energia fotovoltaica. Temos seis centrais – é uma brincadeira em termos de faturação, mas é interessante para nós. Primeiro porque é negócio, depois por uma questão de sustentabilidade, não só ambiental mas económica. Nem todas as centrais são nossas.
Arrendámos algumas, recebemos consoante a sua produção e, ao fim de 15 anos, as centrais passam para nossa propriedade. Isso para nós é interessante porque o investimento foi zero e daqui a 15 anos esperamos que o sol ainda aqui ande”, diz com uma gargalhada. Mas no meio de toda esta atividade, é o vinho que lhe faz brilhar os olhos, não só por ser a atividade que mais fatura mas sobretudo por ser a que mais desafios tem trazido ao longo dos anos. Conversamos debaixo de um arbusto que tem mais de 200 anos e que é considerado Património Nacional. “Dá uma bela sombra, mas nos 30 metros em redor da árvore não podemos fazer nada”, lamenta em tom de gracejo.
É precisamente a planta centenária que dá as boas-vindas a quem entra na zona dos escritórios da empresa, e acaba por funcionar como uma espécie de rotunda. Mas é do outro lado da estrada que a história desta casa tricentenária começa, contada por uma alameda de árvores que apontam à antiga residência da marquesa de Alorna. Já no início do século XX, a propriedade passaria a pertencer à família Lopo de Carvalho, cuja quinta geração ainda hoje usa o palácio regularmente e detém 100% do capital da empresa. É aqui, às portas de Almeirim, e com vista para a lezíria ribatejana, que os acionistas se encontram aos fins de semana, nas férias ou sempre que a ocasião e a vontade peçam. No entanto, a estratégia também passou por, recentemente, abrir as portas do palácio a quem o visita, exclusivamente durante a semana. Foi, por isso, na sala de estar e rodeados de fotografias dos membros da família, que provámos os mais recentes vinhos produzidos pela enóloga Martta Reis Simões, ao mesmo tempo que ouvimos as suas explicações, e foi na sala de jantar que comemos a incontornável sopa da pedra.
Vinhos são a menina dos olhos
Se é certo que nem sempre os vinhos do Tejo são apontados como dos melhores que se fazem em Portugal, a verdade é que produtores, enólogos e proprietários têm trabalhado afincadamente para alterar essa imagem: “Queremos produzir em qualidade e não em quantidade”, simplifica o gestor, revelando que esta alteração de paradigma obrigou a um investimento na ordem de 1,3 milhões de euros entre 2013 e 2018, e que permitiu um aumento de capacidade, a otimização de processos de vindima, a renovação da adega e a criação de uma nova adega boutique para reforçar a capacidade de produção e a comercialização de produtos premium. Aqui, Lufinha salientou a importância de poderem, entretanto, avançar para a elaboração de um vinho ainda mais premium do que os atuais Grande Reserva.
Na Quinta da Alorna, a maior empresa privada da região – sem contar com as cooperativas – e onde trabalham atualmente mais de 60 pessoas, produzem-se 18 castas diferentes, nove para vinhos tintos e outras tantas para brancos. Com 14 referências, quatro delas monovarietais, foi aqui que se produziu “o primeiro Grande Reserva da região”, numa espécie de manifesto por esta vontade de fazer cada vez melhor. Sem querer alargar-se muito sobre os segredos dos Marquesa de Alorna Grande Reserva Branco ou Tinto, a enóloga explica apenas que nem sempre usa o mesmo blend, mas que garante a qualidade de ano para ano. “Depende dos anos, depende das barricas… não é um vinho que façamos todos os anos, mas já é uma referência em Portugal”, afiança a responsável enquanto abre garrafas, prova vinhos, come um pedaço de pão e volta ao início. Martta aproveita para explicar que, a partir de 2015, foi feita uma aposta clara também na qualidade dos vinhos de entrada de gama, os Quinta da Alorna, que adjetiva de “vinhos corretos, que funcionam bem para beber todos os dias”.
Ainda dentro dos Quinta da Alorna, há espaço para Reservas e para Colheitas Tardias, tanto brancos como tintos. Outra das surpresas é o Alorna Abafado 5 Years, 100% Fernão Pires. “São usadas as barricas velhas que vêm para aqui para morrer, e toda a doçura que se sente neste vinho é totalmente natural”, conta a enóloga, que olha pela terceira vez para o relógio pedindo desculpa pelo pouco tempo que passou connosco, mas explicando que ainda é uma fase complicada em termos de trabalho. Visitámos a Quinta da Alorna em outubro de um ano que se revelou particularmente complicado para os vinhos da região.
Em 2018, registou-se uma quebra de produção na ordem dos 30% na região Tejo, muito próximo daquilo que aconteceu também a nível nacional. “Aqui, conseguimos ter quebras de apenas 15%, em relação ao ano anterior” graças à localização das diferentes vinhas, explica Lufinha acabando o seu copo de vinho de olhos postos no horizonte. “A entrada principal da casa era esta, sabe?”, diz, enquanto passeamos na varanda que acreditámos fazer parte das traseiras do edifício. “As pessoas vinham de barco, ali pelo Tejo, e depois as carruagens traziam-nos por aqui. Por isso é que a escadaria principal é esta”, explica enquanto o Sol se reflete na piscina entretanto construída no jardim com vista para parte das vinhas. “Esta casa é o nosso grande ativo”, continua o responsável, explicando que fazem questão de contar a história da família e da propriedade a quem os visita. São cerca de 700 pessoas que todos os anos passam pela Quinta da Alorna, e há planos para expandir alguns dos edifícios secundários, que ladeiam a casa principal, de forma a estarem preparados para receber eventos. “Não serão casamentos, mas talvez passe a ser possível fazer alguns encontros de empresas, ou para grupos mais pequenos.”
Mercado mundial
Apesar de o mercado nacional ser ainda bastante importante para a atividade da empresa, a verdade é que é para o mundo que o gestor está a olhar. Não obstante venderem para 28 países, há “seis mercados estratégicos: Brasil, China, Polónia, Rússia, Reino Unido e EUA. Estes são estratégicos, não quer dizer que sejam os melhores. Por exemplo, um dos mercados que para nós é muito importante é o holandês, que vale mais do que o norte-americano”, revela o gestor. “A questão é que aí não conseguiremos crescer muito mais. Nos estratégicos, queremos e estamos a aumentar”, nota Lufinha. A empresa exporta atualmente 51% dos 1,5 milhões de litros de vinho que produz e, apesar de querer continuar a crescer, prefere não se comprometer com valores. “Estamos a fazer um processo de restruturação e rebranding da marca, porque queremos rejuvenescê-la. E, como achamos que isso vai ser para nós um salto importante, vamos esperar para traçar metas”, atira com um sorriso. À medida que o Sol começa a baixar no céu, fazemos o caminho de regresso aos edifícios administrativos da propriedade. Tornam-se mais sonoros os barulhos do campo, entrecortados pelo dos carros que atravessam a estrada nacional e que, ocasionalmente param à frente da pequena loja onde toda a gama de vinhos da propriedade está à venda. “Está a ver? As pessoas param mesmo!”, atira Lufinha em jeito de brincadeira enquanto se despede. À sua espera estão várias mensagens de vários mercados às quais precisa de responder. São as vicissitudes de ter aberto as portas ao mundo.