Portugal está sinalizado como um dos mercados mais concorrenciais na Europa para o negócio do retalho ótico. Segundo números do portal Statista, no ano passado, e entre 30 países europeus, era o quarto com maior presença desta atividade – média de 2,22 estabelecimentos por dez mil habitantes, à frente dos 2,1 de Espanha –, além de ser um mercado avaliado, em 2018, pela mesma fonte, em 831 milhões de euros, em que parece continuar a haver espaço para progressão; mesmo em marcas consolidadas como a MultiOpticas, há 30 anos no País.
O CEO da GrandVision Portugal, dona da MultiOpticas, fala num “crescimento muito interessante” da marca-bandeira, no primeiro semestre, em relação a 2017, quer em vendas quer em resultados, um avanço “quase próximo dos dois dígitos” e acima do orçamentado. Números com contornos mais nítidos graças às “lentes” da melhoria da economia, bem como do consumo e da procura turística nos grandes centros e que levam o negócio em Portugal a destacar-se no contexto internacional do grupo, com uma geração de EBITDA superior ao peso de turnover.
“Contribuímos muito mais do que o nosso peso relativo, se for só medido o volume de negócios”, diz Rui Borges em entrevista à EXAME.
No ano passado, a GrandVision Portugal – que além da MultiOpticas detém as lojas GrandOptical e Solaris – apresentou vendas de 61 milhões de euros e lucros de 4,85 milhões de euros, regressando a terreno positivo, depois de, em 2016, ter apresentado prejuízos de 2,29 milhões de euros. Atualmente, as três marcas têm 234 lojas em Portugal, a maioria (219) com insígnia MultiOpticas, a que se juntam seis estabelecimentos GrandOptical e nove da Solaris. E das dez novas lojas, que previa instalar em 2018, cinco já abriram (MultiOticas, a maior parte franquiadas), a que se juntará, em outubro, uma nova GrandOptical, na Grande Lisboa.
O motor de crescimento da rede, em particular no Interior do País, deverá continuar a ser o franchising, modelo presente em mais de metade (115) das lojas MultiOpticas. Na mira para a expansão, encontram-se espaços entre 70 e 100 metros quadrados, que exigem em média um investimento de 70 mil a 90 mil euros para equipamento, decoração e stock inicial.
“A nossa grande base de crescimento são os colaboradores, gerentes de loja ou optometristas, que têm competências, e algum capital para investir, e que manifestam interesse em abrir um negócio. Pode ser um investidor, mas tem de saber de ótica”, especifica o gestor. É exigido um royalty de 7% da faturação mensal, mas não há pagamento de direito de entrada. O fee de publicidade, previsto no contrato, não está atualmente a ser cobrado, dada
a forte concorrência no mercado.
Além do crescimento com novas unidades, a participação em fusões e aquisições não está posta de parte. “Não excluímos fazer uma aquisição, se isso se tornar aliciante”, afirma Rui Borges. Dificilmente será durante este ano, mas esta fará sentido, dada a vontade do grupo em expandir-se a nível internacional. “Havendo uma aquisição, o grupo decidirá se vai incorporar essas lojas nas marcas existentes ou se terá outra marca com um diferente tipo de posicionamento”, acrescenta, numa referência às 38 insígnias do grupo.
Escassez de optometristas
O aumento da concorrência – com a entrada de operadores de Espanha e de França e com a criação de insígnias pela grande distribuição – trouxe ainda outros efeitos, acentuando um fenómeno estrutural no setor: a falta de mão de obra especializada. As licenciaturas em Optometria em universidades públicas, como a da Beira Interior e a do Minho, oferecem anualmente ao mercado de trabalho entre 60 e 70 profissionais (este ano, juntas, têm 90 vagas para os dois cursos). Este é um número manifestamente abaixo das necessidades das lojas da rede, algumas das quais chegam a disponibilizar três a quatro optometristas por estabelecimento.
Resultado: na procura de pessoal especializado, as empresas veem-se forçadas a acenar com pacotes salariais “interessantes” e com incentivos à formação, que agarrem profissionais já de si entre os mais bem pagos na loja. Este ano, contando todos os reforços previstos (não apenas de optometristas), o número líquido de novos colaboradores a admitir pela rede da GrandVision deverá rondar os 30,
a juntar ao total de 850 trabalhadores distribuídos pelas lojas das três marcas.
Nos próximos anos, do lado da procura, há, pelo menos, dois fatores que continuarão a alimentar o negócio: o envelhecimento da população (a partir dos 40 anos, a perda de flexibilidade do nervo ótico obriga a correções) e os efeitos da fadiga visual, devido ao uso intensivo de dispositivos digitais, que afetam sete em cada dez pessoas no País. Há dois anos, a Sociedade Portuguesa de Oftalmologia estimava que 5,2 milhões de portugueses teriam de usar óculos. “As pessoas vão precisar de usar esta prótese mais vezes e durante mais tempo”, concretiza Rui Borges.
Se na primeira das três décadas da MultiOpticas em Portugal o setor se tornou mais próximo, conveniente e com maior leque de escolha, os próximos anos devem centrar-se na inovação, com uma maior penetração da tecnologia e a emergência de produtos mais sofisticados, como lentes de contacto inteligentes, que permitam, por exemplo, aceder a informação digital. E, ao nível do negócio, com tanto comércio eletrónico
e desintermediação, estarão as óticas condenadas a desaparecer ou estará a profissão de optometrista em risco?
“Penso que não. As pessoas estão mais informadas, fazem a sua autoanálise em casa, com essas ferramentas, e depois visitam uma ótica com conhecimento”, diz o CEO do grupo. As lojas em Portugal estão a ser “tubo de ensaio” em 44 países para o desenvolvimento de uma página de internet que quer levar a experiência do consumidor para lá das vendas. O objetivo é traduzir para o ambiente online e digital o que é a experiência de loja, incluindo ferramentas de realidade virtual, à semelhança do que já acontece com muitosmillennials: “Chegam à loja, puxam do smartphone e dizem: ‘Vi esta informação, sei que há lentes para isto.’