A Nordsudtimber, empresa detida por três irmãos luso-angolanos é o maior concessionário individual das florestas da República Democrática do Congo, mas há anos que a atividade desperta dúvidas quanto à sua legalidade. Documentos a que a Visão teve acesso revelam que a teia de subsidiárias – todas elas com sede em paraísos fiscais como o Lichtenstein, à semelhança da holding Nordsudtimber – tem ajudado a esconder o trajeto de madeira que é ilegalmente recolhida nas florestas congolesas e que é depois vendida para todo o mundo – incluindo para Portugal. As desconfianças sobre a legitimidade da atuação desta holding no Congo remontam a, pelo menos, abril de 2007, mês em que a Visão deu conta de que estes madeireiros trocariam alimentos por exploração das florestas, numa altura em que já estava em vigor uma moratória do Banco Mundial que proibia parte da sua recolha. As suspeitas foram reveladas, à época, pela Greenpeace e davam conta do envolvimento de membros do governo congolês nesta exploração abusiva.
Agora, é a britânica Global Witness (GW) que revela que, do total de madeira exportada por estes empresários luso-angolanos, José, João e Alberto Trindade, cerca de 11% entra em Portugal e em França. Recorde-se que a Nordusdtimber é a principal exploradora das florestas do Congo, detendo cerca de um terço da concessão, em termos de área (40 mil kms quadrados) – e, segundo a GW, atuando bem para além desses limites, não cumprindo a moratória do Banco Mundial que ainda se encontra em vigor.
Em Portugal, a madeira será comercializada por empresas como a J. Pinto Leitão, a Maciça e a Madeicentro, afirma a GW. Desde, pelo menos 2007 que madeira congolesa é enviada para o País. Na altura, já haveria pelo menos um contrato de prestação de serviços estabelecido entre a Hotrag (outra subsidiária da Nordsudtimber) e a Fintimber, empresa pertencente a Rui Monteiro, pai de Ivo Monteiro, administrador da já referida Maciça e, segundo a GW, últimos beneficiários da Nordsudtimber, segundo uma cópia a que a Visão teve acesso.
Ilegal desde a desflorestação
Desde 2013 que uma nova legislação comunitária obriga a um reforço de controlo na origem da madeira importada. O Regulamento Europeu da Madeira (EUTR), que define os requisitos que as empresas na União Europeia (UE) têm que cumprir para prevenir e minimizar o risco de comercialização de madeira ilegal, exige às empresas que vendem madeira ou produtos de madeira o cumprimento de determinadas normas.
Ora, a GW elenca pelo menos 12 violações ao código da floresta da República Democrática do Congo, nomeadamente a falta de planos de gestão a 25 anos em 8 das 20 concessões atuais; o exercício de atividade para além dos perímetros autorizados em 6 das 20 concessões atuais e a falta de atividade durante dois anos consecutivos em 9 das 20 concessões atuais. Refere ainda a recolha de espécies não autorizadas, o não pagamento de taxas devidas e a desflorestação fora dos períodos determinados. Segundo a ONG, qualquer uma destas violações seria suficiente para que os contratos de concessão entre o governo da RDC e a Nordsudtimber fossem revogados, e significa que a recolha da madeira foi feita de forma ilegal, o que a proibiria automaticamente de entrar em Portugal.
A GW estima que estes contratos ilegais custarão à República Democrática do Congo cerca de 1,3 mil milhões de dólares, numa altura em que a concessão de floresta rende aos cofres do Estado mais de 8 mil milhões de dólares.
A Visão contactou as três empresas referidas no relatório da GW, mas apenas a Madeicentro respondeu, garantindo que “nem a Sodefor nem a Forabola alguma vez faturaram à Madeicentro – para além disso, consultadas que foram as madeiras recebidas nos últimos anos, não existe qualquer registo de termos recebido e/ou comercializado madeiras nem de uma nem de outra empresa”. Fonte oficial da companhia referiu ainda que “a Madeicentro tem na sua politica de valores o respeito pelo cumprimento das regras de aquisição e comercialização de madeiras de acordo com as normas Nacionais e Europeias sendo uma empresa com certificação FSC”. No entanto, fotografias tiradas por satélite pela GW e a que a Visão teve acesso revelam a marca da Sodefor em madeira armazenada nas instalações da Madeicentro.

Global Witness
A Visão entrou também em contacto com o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, responsável pela aplicação do Regulamento Europeu da Madeira, que referiu que até à data não há qualquer investigação aberta, no âmbito do EUTR a qualquer das companhias referidas. “As autoridades europeias, começando pelas que estão em Portugal e na França, devem garantir que a lei da UE que proíbe a importação de madeira ilegal – e não apenas as da Norsudtimber – seja plenamente respeitada”, afirma fonte oficial da GW à Visão. “E a Noruega e a França não devem, em circunstância alguma, financiar projetos que expandam ou apoiem a exploração madeireira na RDC”, continua antes de lembrar que, naturalmente, “o Ministério do Meio Ambiente da RDC deve começar a limpeza do setor, garantindo que as leis do país sejam respeitadas e as violações sancionadas”.
Teia chega às ONG
Apenas 3 meses depois de a Visão ter tornado público o caso da Nordusdtimber, em 2007, a Precious Woods – outra das empresas em que se cruzam administradores da primeira – traçava um plano para conseguir desviar as atenções. Num email a que a Visão teve acesso, um dos responsáveis da empresa pedia aos colaboradores que “não tomassem qualquer atitude proactiva junto dos media” e que garantissem que num carregamento em específico pelo qual a Greenpeace lhes tinha perguntado, “não havia qualquer madeira do Congo com o selo da Nordsudtimber (à qual a Precious Woods está ligada). Apenas madeira da Precious Woods vinda do Gabão”, lê-se ainda na mensagem, que pedia para que a resposta fosse dada por telefone aos responsáveis da ONG e logo depois por email. “Expliquem que esta é uma operação que foi adquirida recentemente e que está em processo de certificação”. E continua: “Desta forma, a Greenpeace vai ter a informação correta e pode focar-se noutras empresas”.
A PreciousWoods deterá, ainda hoje, uma participação de 5% na Nordsudtimber, segundo a GW.
A mensagem acaba a pedir que “se forem feitas perguntas sobre a nossa atividade na RDC (e só mencionada se perguntarem) expliquem a nossa situação (como indicado anteriormente) e digam que estamos em contacto com a Greenpeace Internacional através de Suzanne Kroger da Greenpeace Holanda. E digam que, a pedido desta, vamos estar envolvidos no trabalho de lobby, em Bruxelas, para conseguir banir a importação ilegal de madeira. Posso facilmente fazer chegar esta informação à Greenpeace através da Greenpeace Holanda”, conclui.
Contactada pela Visão, a Greenpeace revelou que houve de facto uma mudança dos relatores a operar na RDC, mas escusou-se a adiantar mais pormenores sobre o caso.
O Congo, um dos países mais corruptos do mundo segundo o ranking da Transparência Internacional está, desde 2016, a viver um conturbado período político, depois de presidente Joseph Kabila se ter recusado a abandonar o lugar depois do término do seu mandato. Uma situação que facilita este tipo de esquemas e potencia alguma ausência de fiscalização.