Uma crise na periferia europeia parece uma coisa do passado, mas ela chegou com violência ao presente nos últimos dias. A diferença é que, em vez de abalar países mais pequenos, está a atingir em cheio os gigantes da moeda única. Itália e Espanha vivem verdadeiros sismos políticos, que assentam em problemas económicos profundos que estão por resolver.
O nó mais difícil de desatar parece estar em Itália. Perante a possibilidade de um eurocético ficar à frente do Ministério das Finanças, o Presidente da República, Sergio Mattarella, vetou o nome, receando que ele abrisse as portas a um processo de “Italexit”. A decisão fez com que o Movimento 5 Estrelas e a Liga desistissem de formar Governo. Mattarella decidiu então nomear Carlo Cottarelli, um antigo-diretor do FMI, para primeiro-ministro. Todos os sinais apontam para que esse Executivo não tenha a confiança do Parlamento e dure poucos meses.
Ou seja, assistimos à possibilidade de a próxima eleição em Itália acabar por ser um referendo à permanência no euro. A reação dos mercados tem sido violenta. As bolsas europeias estão a afundar e os juros das economias periféricas estão a disparar, com Portugal a ser arrastado pelo caminho. As “yields” portuguesas já atingiram hoje máximos de setembro do ano passado, refere o Jornal de Negócios. O governador do Banco de Itália já veio avisar que o país está a “um pequeno passo” de perder a confiança dos investidores.
“A rejeição presidencial de uma coligação democraticamente eleita atirou Itália para uma crise constitucional, tornada ainda pior por se ter devido à posição anti-euro da coligação”, refere Jake Robbins, da Premier Asset Management, citado pelo Guardian. “Ao fazer lembrar a crise do euro no arranque da década, estes acontecimentos podem ameaçar o futuro da União Europeia ou, pelo menos, questionar a sua forma atual.”
Algumas declarações parecem demonstrar pouca simpatia para com Roma. O comissário europeu Günther Oettinger disse à Deutsche Welle que os mercados e uma perspetiva mais negra vai ensinar os eleitores italianos a não votar em partidos populistas. Vitor Constâncio, acabado de sair da vice-presidência do BCE, deixou o aviso: “A Itália conhece as regras. Se calhar deviam voltar a lê-las.”
Em Espanha, está marcada para sexta-feira a votação de uma moção de censura que poderá fazer cair o Governo de Mariano Rajoy, depois de terem sido anunciadas as penas pesadas por corrupção para o ex-tesoureiro do PP e para o empresário Francisco Correia, que explicou em tribunal que entregava envelopes com dinheiro a funcionários públicos e responsáveis do partido para que favorecessem certas empresas. Horas depois, o PSOE anunciou a intenção de fazer cair o Executivo. As “yields” espanholas também estão a afastar-se das alemãs.
Embora ainda não estejamos perto dos níveis de pressão a que assistimos em 2010, antes da vaga de intervenções da troika, a verdade é que o impacto potencial é incomparável. Os países que tiveram programas de ajustamento – Portugal, Grécia, Irlanda e Chipre – representam, somados, pouco mais de 6% do PIB da moeda única. Itália e Espanha? Valem 26% da economia do euro.
Jasper Lawler, responsável pela investigação do London Capital Group, nota que “o problema para os investidores é que estas são duas das maiores e mais importantes economias da zona euro”. “Os investidores têm noção que do impacto que pode vir de Itália, mas também esta dor de cabeça em Espanha, acaba por menorizar os possíveis efeitos da saga da dívida grega”, sublinha, citado pelo Guardian. “Com possíveis eleições ao virar da esquina em Espanha e Itália, parece ser garantido um verão de volatilidade.”
Este choque político chega numa altura em que, apesar de a economia estar a recuperar, subsistem ainda muitos problemas estruturais em ambos os países. Estes são cinco deles:
DESEMPREGO
Ambos os países têm taxas de desemprego de dois dígitos. O desemprego espanhol em 2017 superou os 17% e em Itália estava acima de 11%. Em ambos os casos, acima da média da moeda única (9,1%). É verdade que a tendência tem sido de desagravamento – Espanha chegou a ter mais de 26% de desemprego -, mas são ainda valores elevados para economias em situação relativamente frágil.
CRESCIMENTO
Neste capítulo, a divisão é clara: enquanto Espanha tem recuperado a bom ritmo, a economia italiana avança a passo de caracol. No ano passado, o seu produto interno bruto (PIB) ainda não tinha regressado ao nível de 2010 (assim como Portugal). Desde que saiu da recessão, a economia transalpina tem crescido menos de 1% ao ano.
DÍVIDA PÚBLICA
É provavelmente a principal fonte de preocupação destas duas economias. No ano passado, a dívida pública espanhola ultrapassava 98% do PIB e a situação italiana está entre as mais frágeis do mundo, com um endividamento público equivalente a 132% da sua economia. Este é o indicador a que os investidores dão mais atenção: a capacidade de o país pagar aos seus credores. Uma crise de financiamento num país com este nível de endividamento é arriscada. Portugal, por exemplo, no ano que motivou a vinda da troika, tinha uma dívida pública de 96% do PIB. Não quer dizer que seja o nível de endividamento do Estado a provocar a crise, mas é um fator de pressão nos mercados financeiros.
DÉFICE
Caso Itália acabe mesmo com um governo eurocético, isso deverá notar-se quase de imediato no défice orçamental. Embora os responsáveis do 5 Estrelas e da Liga tenham desistido de criar um mecanismo de saída do euro, algumas das medidas que incluíram no programa de Governo tornam praticamente impossível o cumprimento das regras orçamentais comunitárias. Pretendem que seja possível alargar o défice, para colocar no terreno mais investimento público e estimular a economia. Em 2017, Itália tinha um saldo orçamental negativo de 2,3% do PIB e Espanha ainda estava acima dos 3%, sem ter conseguido sair do procedimento dos défices excessivos. O único país nessa situação.
INVESTIMENTO
Tal como no crescimento, nem Espanha nem Itália tinham regressado no ano passado ao nível de investimento observado antes da crise da Zona Euro, em 2010 (e ambos os países estão mais de 20% abaixo do valor de 2008). Neste caso, a situação é semelhante a Portugal, que também ainda não recuperou das pesadas quebras do investimento durante o pior período da crise.