É preciso ser um verdadeiro “desmancha prazeres” ou pessimista convicto para pôr em causa o excelente momento turístico que vivemos. Os resultados estão à vista, os números não mentem. Os media nacionais e internacionais não se cansam de enaltecer o sucesso do destino Portugal, provam-no os rankings mais diversos que saem todas as semanas. Os empresários celebram records, a escassez de mão-de-obra é a “prova dos nove” da vitalidade do sector, os aeroportos ultrapassam as metas, todos os políticos enchem a boca com a palavra turismo, do Presidente da menor Camara Municipal ao Primeiro-Ministro.
Não se trata, portanto, de duvidar do bom momento, nem de refrear entusiamos. Trata-se apenas de ousar avaliar alguns dos seus fundamentos. Nem que seja pelo sempre saudável exercício de questionar e compreender melhor, em vez de nos ficarmos pelo deslumbramento do sucesso. Eu sei, é um bocado chato, um pouco como invocar o dia seguinte durante festas de “bar aberto” em que a música está bombar, a pista ao rubro e acreditamos que tudo vai dar certo para sempre.
Em primeiro lugar, sem pôr em causa a estratégia seguida nem a ousadia ou o mérito dos empresários, é essencial ter a humildade de admitir que o nosso sucesso se deve – quanto a mim em boa parte – ao péssimo momento que vivem alguns dos nossos mais poderosos concorrentes devido à Primavera Árabe e seus danos colaterais (Turquia, Tunísia e Egipto no segmento de lazer), bem como aos temas da insegurança e instabilidade em geral que muito perturbaram vários outros destinos, sobretudo urbanos. Isto é, temos hoje ventos muito favoráveis que empurram milhões de turistas na nossa direção. O pior cego é o que não quer ver.
Em segundo lugar, é bom questionar este momento pela simples razão de que tudo é cíclico; desde o que está na moda – efémero por definição – até ao sucesso mais prolongado. Por definição, nenhum mercado, produto ou sector está imune aos ciclos e há que ter essa lucidez para ousar reinventar antes do fim do ciclo. É importante admitir isso: para rentabilizar ao máximo esta boa fase, fazer algum “trabalho de casa” para a prolongar e antecipar na gestão a mudança de ciclo. Porque muda sempre. Diz o ditado que “Jacaré distraído vira bolsa de Madame”.
Aos factores externos que sustentam esta fase tão forte do nosso turismo, acredito que existem alguns fundamentos sólidos: além de um clima extraordinário, somos um destino muito seguro, soubemos construir uma forte competitividade na relação preço/qualidade e temos conseguido manter e promover a autenticidade a par de alguma inovação nos produtos. Isto, bem sei, além da fantástica gastronomia que vicia qualquer um e daquela nossa genuína hospitalidade natural. Mas isso é a “barriga a falar” e uma visão um tanto lírica do tema. Foquemos no essencial que depende de nós (só o clima não depende): aperfeiçoar com inteligência e discrição as medidas de segurança, reforçar a qualificação da oferta com foco especial na formação/serviço, fortalecer a competitividade nos custos/preços sem deixar que o boom semeie o excesso de confiança, diferenciar cada vez mais os produtos na linha do que é genuíno, tudo isto suportado por um reforço corajoso e determinado do investimento na promoção online. Isto, para fidelizar parte destes milhões de novos visitantes e atrair outros segmentos da procura.
Por último, como vivemos num País que se gaba de ser mestre na arte do desenrascanço – muitas vezes por ser medíocre em quase tudo o que esteja ligado ao planeamento – é da maior importância saber fazer uma reflexão a médio-longo prazo e não nos entregarmos à filosofia do “go with the flow” que, nestas coisas, é pai do desastre. Trata-se de tentar ver ao longe, perceber as grandes tendências globais da procura turística das próximas décadas – são múltiplas, complexas e acontecem a uma velocidade crescente – para ter a coragem de executar ou planear as reformas em “tempos de vacas gordas”.