Mário Centeno é o homem das sete vidas, tal a quantidade de casos e casinhos nos quais vai tropeçando. O mais sério terá sido a questão de António Domingues e do que o ministro prometeu ou não ao banqueiro, no que respeitava à apresentação pública de património deste e da sua equipa. Na verdade, com a confusão magistralmente montada pelos partidos mais à esquerda, não se percebeu nada, e o caso morreu.
Agora é a bola, a temível bola, que já fez baixas significativas neste Governo, aquando das viagens ao Europeu de futebol a convite da Galp, patrocinador principal da Seleção. Já não é a equipa das quinas, agora é o Benfica, o clube do coração do ministro Centeno, que cravou uns bilhetes para ir ver um jogo. Tal como no caso da Galp, também aqui o essencial não está na ida ao futebol, mas numa suposta/alegada/insinuada contrapartida para a oferta. Isso, ninguém conseguiu nem vagamente demonstrar no primeiro caso, e apesar dos esforços de muitos, parece que este último episódio vai pelo mesmo caminho.
Com a informação até agora disponível, o pecado de Centeno terá sido apenas a imprudência, agravada por não ter aprendido a lição do caso Galp. Mais, o Governo criou mesmo um código de conduta a seguir aos factos de 2016, validando, num exagerado esforço politicamente correcto, uma polémica que se teria esgotado a si própria. Como é óbvio, não se pode dar importância a um determinado comportamento e depois, num caso semelhante, vir dizer que nada se passa. Lendo o tal código, o veredicto não é conclusivo, mas essa não deveria ser a questão. No espírito, mesmo que possivelmente não na letra, a conduta de Centeno viola a intenção do documento, que não substitui uma coisa muito mais simples e que tem faltado: bom senso.
Vivemos num meio cada vez mais puritano e assético, onde se espera que os ministros, os deputados, os desportistas, os artistas e os empresários não tenham defeitos, não tenham personalidade, não tenham qualquer fraqueza humana. Pois bem, ninguém é assim. Mais, eu não queria gente assim a mandar no meu país.
Se o caso, na minha opinião, é uma mão-cheia de nada, não deixa de ser gritante a incoerência de António Costa.
João Vasconcelos, ex-secretário de Estado da Indústria, estava a fazer um mandato muito bem sucedido quando saiu, exatamente por ter “ido à bola”, como ele diz numa entrevista dada à edição de Fevereiro da EXAME. E diz mais: “Acho que para o Governo foi melhor que tivéssemos saído naquela altura. E há um compromisso, apesar de não estar escrito, de que sempre que houvesse membros do Governo arguidos de algum processo estes não deveriam continuar”.
António Costa podia ter segurado então os membros do seu Governo, se quisesse. Optou por não o fazer e isso não é criticável. Outra conversa é dizer, agora, que Centeno “em circunstância alguma sairá do Governo”. Costa acrescenta ainda uma verdade simples, mas importante de repetir, que “um arguido não é um culpado”. Evidentemente. Mas tanto não é agora como não era há um, dois ou dez anos.
A saída de Centeno, agora e por este motivo, seria um disparate de todo o tamanho, ainda mais depois de ter sido escolhido para presidente do Eurogrupo. Mas fica a perceber-se que, para o sempre realista António Costa, há pessoas e há regras, mas estas últimas não se aplicam a todas as primeiras.
Schäuble deu o braço a torcer ao chamar Centeno de Cristiano Ronaldo. Para António Costa, o seu ministro das Finanças é mais do que isso: é o verdadeiro Special One.