Nos últimos anos tem-se falado na necessidade de reindustrialização da Europa, após décadas em que tudo se fez para que a indústria saísse do Velho Continente para outras localizações. Aliás, ainda hoje muito do acquis communautaire e uma parte relevante das políticas prosseguidas têm como efeito, de per se, a redução da atividade industrial no espaço da União, ao imporem entraves burocráticos e condicionantes técnicas aos processos produtivos sem paralelo noutros espaços concorrentes, mormente os Estados Unidos e Canadá. Para já não falar da China ou de outros dos novos países industrializados.
Quer os atores políticos quer os empresariais falam de reindustrialização num contexto de perda de importância relativa da Europa em áreas essenciais. Ao triunfalismo quase delirante da viragem do século, em que os dirigentes europeus concediam a si próprios 10 anos para se tornarem no espaço económico “mais competitivo do mundo” (cf. os objetivos da Cimeira de Lisboa de 2000), decretando (como se tal fosse possível ou fizesse qualquer sentido) taxas de crescimento económico de 3% ao ano, sucedeu a constatação de uma realidade bem menos entusiasmante. Em praticamente todos os setores. Mas sobretudo no setor industrial.
Desde a crise iniciada em 2007 que o setor industrial perdeu mais de três milhões de empregos na União Europeia. No final de 2014 a produção industrial mantém-se a menos de 90% do que era antes da crise, não se tendo invertido a tendência, já longa, de perda de competitividade no plano global. A União Europeia, que representava mais de 30% do output global da indústria transformadora em 2000, conta atualmente com um peso de menos de 20%. Ainda que o seu contributo em termos de valor acrescentado industrial seja maior, também caiu, sobretudo após 2008: de quase 40% em 2000 para pouco mais de 30% na atualidade. Ou seja, a Europa ainda é uma importante potência industrial, mas tem registado um declínio constante neste século (de certa forma, em linha com a perda de importância dos Estados Unidos e em contraponto com a emergência de novas potências industriais, donde se destaca a China). Sem poder militar e com recursos naturais limitados, a projeção do poder europeu num contexto claramente mais exigente implica necessariamente uma inversão do ciclo recente de declínio do seu peso industrial. É natural, portanto, que no horizonte de 2020 (e, necessariamente, a mais longo prazo) a opção estratégica da reindustrialização surja como um pilar essencial do posicionamento geoestratégico da União Europeia, num contexto global em rebalanceamento no sentido do Sul e do Oriente e Bacia do Pacífico.
A Comissão Europeia tem defendido, e, a meu ver, acertadamente, que a Europa necessita de urgentemente reconstruir e ampliar uma base industrial forte, quer em termos de produção quer em termos de investimento, como veículo preferencial para a retoma do crescimento económico e do processo de criação de emprego. No atual contexto, tal implica a “coordenação virtuosa” de um conjunto de políticas concretizadas com estabilidade num horizonte temporal alargado: política de financiamento, políticas do mercado de trabalho, política de inovação, política energética e política ambiental, para referir apenas as mais importantes.
A liderança europeia na promoção de um mundo mais sustentável não pode colidir com a pretensão de reter e desenvolver na Europa atividades industriais sofisticadas e criadoras de valor. Não só a Europa tem a obrigação de promover relações económicas mais justas por esta razão – dadas as externalidades globais de atividades ameaçadoras do equilíbrio ecológico, ainda que mantidas em pontos geograficamente afastados – como não poderá permitir que punções radicais geradas internamente levem a legislação e a política europeias para extremos incompatíveis com a competitividade da sua indústria. Por outro lado, não é expectável (nem desejável) que o posicionamento competitivo da Europa assente em baixos salários, mas antes na capacidade da sua indústria se diferenciar, criando assim valor acrescido. Tal só é possível se se investir em tecnologia, em design de produto e melhoria da eficiência dos processos produtivos, se se apostar na formação do capital humano e respetiva adequação às exigências de um setor industrial sofisticado e se se eliminarem os atuais estrangulamentos ao financiamento empresarial na Europa (não apenas crédito, mas capital “desburocratizado” para os vários ciclos de desenvolvimento empresarial). Ou seja, reindustrializar implica investir fortemente nas áreas chave determinantes da competitividade.
Finalmente, convém ter claro que a chamada “reindustrialização” não será uma preocupação central e continuada dos dirigentes europeus sem que os atuais problemas da sustentabilidade da zona monetária do euro sejam, pelo menos, alvo de consenso e ação consequente. Como a realidade tem mostrado, enquanto tal não acontecer a atenção dos decisores estará obviamente ocupada com esses problemas, por muito que se proclame a importância do crescimento e do investimento numa base industrial sólida.
Este artigo é parte integrante da edição de janeiro da Revista EXAME