“Yes, we can.” Foi este o título que a gestora Isabel Vaz, 48 anos, deu ao editorial publicado na revista interna do grupo Espírito Santo Saúde, ao qual presidia, no outono/inverno de 2008. Nesse artigo, a CEO dava a conhecer as vitórias alcançadas nos então oito anos de existência da empresa e os objetivos traçados para o futuro, partilhando o sucesso com a equipa. A frase de motivação, que foi tema da campanha de Barack Obama às presidenciais norte-americanas, remete para a vontade de vencer barreiras e ultrapassar dificuldades, fazendo cada vez mais e melhor. Uma das suas mais-valias é na liderança de equipas. “Motiva-me motivar os outros.”
“Yes, she can” é a opinião generalizada e unânime de pares, amigos e colaboradores contactados pela EXAME, na tentativa de perceber quais as características que distinguem esta líder, que, em pouco mais de uma década, construiu um pequeno império na saúde privada. Fundada em julho de 2000, a Espírito Santo Saúde cresceu exponencialmente na última década, atingindo 374 milhões de euros de volume de negócios e um resultado líquido de 14 milhões de euros em 2013, gerindo atualmente 18 unidades, entre hospitais, clínicas e residências sénior. Estes números não seriam tão impressionantes se não estivéssemos a falar de uma área usualmente conotada com dificuldades de gestão e prejuízos e a qual muita gente não acredita que é possível ser lucrativa.
Isabel Vaz ficou conhecida com a afirmação de “melhor negócio do que a saúde só o das armas” e empenhou-se em mostrar que assim era. Foi a mestria da sua gestão que evitou um total colapso no grupo, que emprega seis mil colaboradores, quando ventos negativos sopravam do lado do maior acionista. Em boa hora tomou a decisão de entrar em Bolsa, em fevereiro deste ano, tendo atraído 2800 investidores, 60 dos quais institucionais.
A Rioforte, do Grupo Espírito Santo, manteve o controlo da mesma, com 51%, e quando o escândalo financeiro rebentou, em agosto, a empresa foi alvo da primeira oferta pública de aquisição (OPA), através do grupo mexicano Ángeles. Seguiu–se-lhe a oferta dos portugueses da José de Mello Saúde, liderada por Salvador de Mello, que acabou por ser rejeitada, e a última oferta pública partiu do grupo chinês Fosun, através da seguradora Fidelidade, recentemente adquirida à Caixa Geral de Depósitos. A empresa de Isabel Vaz recebeu ainda uma proposta de negociação direta do maior grupo americano de saúde privada, a UnitedHealth, mas o grande vencedor da operação acabou por ser a Fidelidade, que ofereceu 5,01 euros por ação. Entre os ativos da ESS destaca-se o Hospital da Luz, o maior hospital privado do país e que dá agora nome à nova empresa do grupo comprador, a Luz Saúde.
Isabel Vaz conseguiu afastar-se do terramoto que se abateu sobre o Grupo Espí- rito Santo e conduzir as negociações a bom porto. Toda a operação foi um sucesso: “Nunca se tinha assistido a uma disputa tão grande por uma empresa”, disse publicamente dois dias depois da conclusão da operação. E, ao que parece, apenas a ela se ficou a dever. Diz alguém próximo que o facto de Ricardo Salgado e José Maria Ricciardi não terem estado presentes na sessão de lançamento em Bolsa marcou o início do afastamento da gestora em relação ao acionista maioritário, o que foi feito com algum cuidado. Apesar de todo o escândalo que envolveu as empresas do grupo, os quatro interessados manifestaram a sua intenção de manter a equipa de gestão, uma prova do valor da mesma. Ainda que haja quem defenda que essa manifestação antecipada era importante para ganhar a confiança dos acionistas, não querendo com isso dizer que mais tarde não se desfizessem da equipa executiva, a verdade é que “ninguém faz o que Isabel fez, ninguém consegue os rácios que ela conseguiu”, diz uma fonte próxima. Um outro amigo afirma que a compra do Grupo Fosun acabou por ser a melhor solução para a gestora, pois os chineses, mais do que dimensão, vieram comprar know how, e isso ela tem de sobra para lhes oferecer. O risco de perder o emprego é, assim, menor, mas também ajudará o facto de constar no prospeto da oferta pública de venda (OPV) que despedi-la implica o pagamento de uma compensação de 850 mil euros.
Apaixonada, dura, lutadora, autêntica, frontal, brilhante, concisa, informal e amiga do seu amigo, foram algumas das expressões mais utilizadas por quem a conhece para caracterizar Isabel Vaz. Quem é, afinal, esta mulher low profile, mas tão conceituada no mundo dos negócios?
Dos zero aos 500 milhões
Isabel Vaz nasceu no Porto, mas foi em Setúbal, para onde foi viver aos quatro anos de idade, que passou a infância. Já crescida, acompanhava o pai, médico cardiologista, a consultas ao domicílio, e viu miséria e carência. Percebeu que ser médico não é só curar, é tratar a pessoa como um todo. Conviveu com personalidades como José Mourinho e Miguel Frasquilho, mas foram as convulsões políticas dos anos 80, as condições de vida naquela localidade, o mar e a diversidade que lhe moldaram o pensamento. Apesar da proximidade com o setor da saúde, não seguiu Medicina, mas sim Engenharia Química, no Instituto Superior Técnico. Foi uma das três engenheiras que seguiram a área de indústria química, tema que sempre a apaixonou. Foi durante o curso que conheceu o marido, João Filipe Vaz, com quem tem dois filhos: um rapaz, de 20 anos, e uma rapariga, de 16. Vive no centro de Lisboa.
Iniciou o seu percurso profissional como investigadora no Laboratório de Biotecnologia Experimental e na Atral Cipan, mas depressa percebeu que não gostava de estar fechada num laboratório. Precisava do contacto com as pessoas. Foi convidada por um amigo para a área da consultoria, e, embora não se sentisse muito vocacionada para esta área, aceitou o desafio de ingressar na multinacional McKinsey. Tinha então 26 anos, já era casada e com um filho. Acabou por ficar durante sete anos, como conta no livro O Homem Certo para Gerir Uma Empresa É Uma Mulher, da jornalista Rosália Amorim. Aliás, como refere na mesma obra, foi mãe por duas vezes durante esta fase, quando todos julgavam ser impossível combinar a maternidade e o exigente trabalho de consultoria. “Era uma empresa que valorizava a meritocracia e nunca me senti discriminada”, relembra nesta obra.
Acabou por gostar de consultoria, pois nos anos 90 vivia-se um período de privatizações e operações que lhe ensinaram muito em termos de gestão e estratégia. Trabalhou na privatização do BES, na Tranquilidade, a área de seguros do Grupo Espírito Santo, e foi assim que conheceu Ricardo Salgado. Em 1999, o grupo começou a preparar uma nova área de negócio, a saúde, projeto no qual se viu envolvida. O convite para a liderar partiu de Ricardo Salgado, que viu nela as características necessárias para o sucesso. Rodeou-se de pessoas da sua confiança, como Tomás Branquinho da Fonseca, com quem trabalhou na McKinsey, Ivo Antão, colega de curso do Técnico, e João Novais, que foi buscar ao BPI, e que ainda hoje fazem parte da sua equipa. O Hospital da Luz, que abriu em 2007, é a imagem do grupo e o projeto mais acarinhado por Isabel. Disse em entrevistas que tudo nesse hospital foi pensado ao pormenor pela equipa de gestão, das cadeiras às portas, e só lhes faltou carregar baldes de cimento.
Conseguir muito com pouco
“Conheço a Isabel há muito anos e, embora tenhamos pontos de vista diferentes sobre muita coisa, reconheço que é uma força da Natureza. Tem uma enorme capacidade de trabalho, de empreendedorismo e luta por aquilo que quer quase de forma obsessiva”, diz Adalberto Fernandes, presidente da comissão executiva do SAMS e docente da Escola Nacional de Saúde Pública, da Universidade Nova de Lisboa.
Com apenas 34 anos, Isabel Vaz chega ao topo num mundo dominado por homens. A sua carreira no mundo da saúde foi construída a pulso de ferro e foi necessário batalhar para se impor como gestora. “A Isabel conseguiu afirmar-se com persistência, num mundo em que os homens e os médicos dominavam. Foram muito poucos os que acreditaram no seu sonho, e isso acabou por reforçar a sua determinação”, recorda Rui Pedro Batista, ex-jornalista e atual chefe de gabinete da comissão executiva da Portucel Soporcel.
Nos primeiros anos desbravou caminho, pois não teme entrar em mundos desconhecidos. Quando optou pela carreira na área da saúde, os amigos chamaram-lhe louca. “Saúde? Um setor público? Não deves estar boa da cabeça”, pode ler-se no mesmo livro sobre mulheres executivas, num episódio relatado pela própria Isabel Vaz. Mas isso não a assustou, só lhe aguçou mais o apetite. De início, poucos acreditaram nela e o próprio acionista deu-lhe rédea curta. Talvez por isso Ricardo Salgado estivesse sempre a telefonar, queria saber tudo o que se passava. Hoje o seu estilo de gestão passa pelo mesmo: controla tudo ao pormenor, quer estar informada e exerce pressão sobre os seus subordinados para que tudo corra bem.
Para alguns, o seu modelo de negócio não era credível, nem o tipo de investimentos que estava a fazer. Desabafou algumas vezes que se fosse um homem tudo seria mais fácil. Talvez por isso tenha desenvolvido uma característica que muito lhe valeu: “a sua habilidade em usar linguagem masculina”, como refere um amigo próximo. Também a sua rara capacidade de análise dos temas e dos problemas, tal como a sua rápida resolução, são pontos a seu favor. “Isabel enche uma sala com a sua presença, é assertiva, vai direta ao que interessa e não faz os outros perder tempo”, diz quem a conhece de perto. Características valorizadas no mundo dos negócios, em que tempo é dinheiro.
“A Isabel tem na vida profissional a mesma orientação que segue na vida pessoal: é exigente e espartana. Consegue fazer muito com poucos recursos”, refere Rui Pedro Batista. A gestora negoceia tudo o que pode, não gasta dinheiro desnecessário, quer na sua vida pessoal, quer nas empresas. O seu modelo de negócio assenta num controlo apertado de todos os gastos, uma disciplina de eficiência operacional necessária à obtenção da rentabilidade.
Adepta da inovação e mercado global
Inovadora em tudo o que faz, Isabel foi uma das primeiras pessoas a falar de internacionalização da saúde. Fazia viagens para conhecer as melhores práticas do mundo nesta área e trazia ideias novas, que nem sempre eram compreendidas. Fazer acordos com seguradoras e trazer para Portugal estrangeiros que necessitem de cuidados médicos ou de cirurgias foi, de facto, uma inovação no setor. Criticada pelos que defendem o Serviço Nacional de Saúde e que a saúde não pode ser vista como um negócio, a gestora defende-se dizendo que o próprio Estado também manda todos os dias doentes para casa por razões económicas e que pelo menos com as seguradoras sabe-se com o que contar.
Aliás, a sua relação com o Estado e com os sucessivos governos é bastante dura e crítica. Sem papas na língua, sem medo de represálias, diz o que pensa, e assegura que só precisa que o Estado não a chateie e a deixe trabalhar. Ainda que amigos próximos confirmem que Isabel gosta de política um dia ainda por lá passa, tal é a vontade de mudar as coisas -, não aceitou o convite de Pedro Passos Coelho para liderar o Ministério da Saúde. Alegou para isso que não queria deixar o projeto que iniciou de raiz e viu crescer. Franca e direta, não esconde o que pensa dos ministros da Saúde: “O trabalho de Paulo Macedo foi zero não só o dele como o todos os ministros anteriores, que se recusam a ver a falta de estratégia do financiamento global do sistema de saúde nacional”, disse numa entrevista.
Seu próprio estilo de liderança
Isabel Vaz conseguiu desenvolver, ao longo dos tempos, um estilo próprio de liderança, e talvez seja isso que a distinga. Muito informal, odeia títulos académicos e gabinetes fechados. Fala com todos os colaboradores, ouve-os, está muito próxima do terreno e visita os hospitais, as clínicas e residências regularmente. Diz-lhes o que pensa de forma direta e aberta, em qualquer local, e já todos sabem que é assim que ela funciona.
Para si, a escolha dos colaboradores é importante: os seus médicos têm um perfil team system, ou seja, trabalham em equipa e de forma multidisciplinar. Precisam saber interagir e mostrar inteligência emocional e comportamental.
Uma novidade que implementou nas suas unidades é que não há papéis a circular, e os médicos podem, em qualquer ponto do hospital, aceder aos processos clínicos.
Para Pedro Pita Barros, economista e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa: “Isabel Vaz tem um estilo energético e emocional de liderar as suas equipas. A determinação e a dedicação são duas das características que estão na base do seu sucesso como gestora.”
Adalberto Fernandes considera que a gestora acabou por desenvolver um estilo próprio de liderança, que é aquilo que realmente distingue um bom líder. Isabel é vista como uma mulher agressiva nos negócios, mas humana, embora tenha um defeito: acaba por centrar muito a gestão nela própria, tornando a empresa muito dependente de si. Quem são os números dois da gestão, que faria o grupo sem ela, são algumas questões colocadas pelo próprio mercado.
Maria da Glória Ribeiro, fundadora e managing partner da Amrop, considerada uma das melhores consultoras de executive search a nível mundial, conheceu-a em 1995, quando esta fazia o MBA na Universidade Nova. Maria da Glória era então conselheira de carreira e fez-lhe uma entrevista de aconselhamento. Posteriormente, ouviu-a numa outra entrevista para o livro Liderança para a Sustentabilidade, a Voz de quem Lidera em Portugal, autoria que partilha com Arménio Rego e Miguel Pina e Cunha, e afirma que foi uma das melhores entrevistas que conduziu (foram entrevistados 72 líderes no total). “Tem um nível intelectual brilhante, muito humana, nada desligada das pessoas e, sobretudo, muito focada e com visão estratégica. É, sem dúvida, um bom exemplo de liderança sustentável”, refere a propósito.
Isabel Vaz é respeitada até pela concorrência. Encontra-se algumas vezes com Salvador de Mello ou pelo menos encontrava-se antes de rejeitar a sua OPA -, mas existe sempre uma rivalidade latente entre os dois CEO. Salvador de Mello ambiciona os rácios alcançados por Isabel e ela afirma que “fica ‘piursa’ quando perde clientes para ele”. Uma mulher lutadora que não gosta de perder… nem a feijões.
A ENGENHEIRA DA SAÚDE
Isabel Vaz
Nasceu no porto, mas foi em Setúbal, para onde foi viver aos quatro anos, que passou a infância
Idade 48 anos
Formação engenharia Química, pelo instituto Superior Técnico
Percurso
iniciou o sua carreira no laboratório de Biotecnologia experimental, depois na Atral Cipan e, mais tarde, na McKinsey. Em 1999 começou a preparar de raiz o projeto da espírito Santo Saúde
SALVADOR DE MELLO
Salvador de Mello, presidente da José Mello Saúde, respeita-a, apesar da rivalidade. Salvador ambicionava alcançar os rácios de Isabel e tentou a OPA sobre a ESS, mas sem sucesso. Isabel diz que “fica ‘piursa’ quando perde clientes para ele”
MIGUEL FRASQUILHO
Reconhecimento profissional, nos dois sentidos, e a amizade são conhecidos entre Miguel Frasquilho, presidente da Aicep, e a gestora da ESS, Isabel Vaz
JOSÉ MOURINHO
O treinador de futebol faz parte do círculo de amigos que Isabel Vaz mantém e admira. Talvez se tenha inspirado nele para gerir bem as suas equipas e marcar golos na gestão da saúde privada
Este artigo é parte integrante da edição de novembro da revista EXAME