Demasiada intervenção onde ela não é necessária e fragilidades em áreas onde o Estado deveria ter uma presença mais forte. É assim que Edmund Phelps caracteriza as políticas públicas que estão, atualmente, no terreno nos países desenvolvidos. Embora adote uma posição liberal em relação à regulação, o economista sugere mais medidas de apoio às famílias com rendimentos mais baixos, via salário ou formação escolar. Vencedor do Prémio de Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel, em 2006, Phelps considera que a crise financeira deixou cicatrizes profundas, desincentivando os trabalhadores a pedirem aumentos e as empresas a aceitá-los. Foi entrevistado por email pela VISÃO poucas semanas antes de viajar até Portugal para participar nas Conferências do Estoril, em que discutirá o fenómeno da pobreza global e as dificuldades em erradicá-la.
Vários países têm tentado estratégias diferentes para estimular o crescimento, mas as economias ocidentais não parecem estar a ser bem-sucedidas a regressar aos níveis da segunda metade do século XX. Atingimos algum tipo de limite de velocidade ou temos estado simplesmente a testar as soluções erradas?
Há alguma incerteza em relação a isso, como é óbvio. Existem dois tipos de explicações para um crescimento lento. Uma delas é a de que a Europa e os Estados Unidos da América estão atolados em regulações de efeitos negativos e deficientes para que mantenham as indústrias abertas à concorrência. Em resumo: existe demasiada regulação que resulta em muitos atrasos e em custos e pouca regulação no sentido de se limitar os monopólios. A explicação que eu tenho há muito tempo sublinhado é a de que as pessoas que vivem em países altamente inovadores têm mostrado falta de entusiasmo pela inovação, mesmo durante os anos do pós-guerra, ou, no caso dos Estados Unidos da América, parece haver alguma perda no desejo de tentar inovar. O problema anterior diz respeito ao Estado, enquanto o segundo diz respeito às pessoas.
O que está a travar o crescimento da produtividade?
Além dos pontos que já referi, temos também observado um crescimento do poder dos monopólios, precisamente no setor em que, presumivelmente, haveria espaço para muito mais inovação. Temos também visto um enorme crescimento da regulação, o que deve ser particularmente oneroso para pequenas startups.
Algumas das leis da economia que tínhamos como sagradas parecem estar a colapsar à nossa volta, como é o caso da relação entre o desemprego e a inflação. Estamos a chegar a território inexplorado?
Tenho sugerido que a crise financeira global [de 2008] tem provocado, já por alguns anos, relutância entre os trabalhadores para pedirem aumentos salariais e tem levado as empresas a sentirem que podiam arriscar ao não conceder esses aumentos remuneratórios, quando temem não serem capazes de transmitir esse custo sob a forma de preços mais altos.
Existe uma desconexão entre os líderes políticos e a população? O que a provocou?
Muitas pessoas sentem que não são representadas em Washington e que apenas as empresas poderosas e as fações bem organizadas são capazes de ter aquilo que querem. Isto é criado pelo facto de estes grupos de pressão poderem pagar de volta aos seus representantes, ajudando-os a serem reeleitos.
Líderes populistas estão a aproveitar-se dessa desconexão. Qual deve ser o contributo dos economistas para este debate?
Eu tenho esperança de que os economistas defendam os mais desprotegidos, que não têm poder suficiente para obterem melhores condições pelo seu contributo. Deveríamos estar a falar de subsídios a empregos com baixos salários e de alargar os programas de crédito fiscal para impostos sobre o rendimento para aqueles que pertencem a um escalão mais baixo – em vez de estar a bajular a classe média-alta – porque são eleitores decisivos [swing voters] que podem determinar o resultado das eleições.
Como irá Donald Trump deixar a economia dos EUA no final do seu mandato? Alguns temem que tenha como consequência uma crise orçamental.
Acho que ele vai deixar a economia tão estagnada como a encontrou. Não se está a refletir minimamente no que tem de ser feito para se recuperar o dinamismo que puxou pelo crescimento ao longo de 100 anos. Com o crescimento económico a continuar lento, é possível que haja algum tipo de crise financeira. E consigo imaginar uma crise orçamental, caso o Governo perceba que não consegue arrecadar a receita fiscal suficiente para pagar os programas [orçamentais] e o serviço da dívida pública.
Seja pela esquerda ou pela direita, o mundo parece inclinar-se a seguir um caminho de maior intervenção do Estado. É esse o caminho certo?
É o caminho certo se os EUA perderem, nas palavras de Abraham Lincoln, a sua “paixão pelo novo” e se quiserem apenas a estabilidade económica que só pode chegar com uma situação de imobilidade e uma maior equidade salarial, que só pode chegar com um nível mais baixo de rendimento nacional. Mas eu quero pensar que o país ainda não está assim tão decadente. Pelo menos, ainda não. Precisamos de mais intervenções. Precisamos de um Theodore Roosevelt e dos seus rough riders [primeiro regimento de cavalaria voluntária dos EUA] para desmantelar os enormes monopólios que se têm formado. Pode dar-se o caso de mais intervenções estatais serem desejáveis, como subsidiar a entrada na faculdade de jovens provenientes de famílias mais pobres. Ao mesmo tempo, a economia já está coberta por um conjunto de intervenções do Estado que deve ser reduzido ou eliminado. Pode demorar uma década, ou duas, até se obter uma autorização para a construção de um túnel nalgum lado. Espero que os nossos políticos estejam preparados para dar mais uma chance ao crescimento económico. A sobrevivência dos EUA, tal como os conhecemos, dependerá disso.
Algumas ideias-chave
Perigo dos monopólios A incapacidade ou a falta de vontade dos Estados em combater os monopólios leva a menos inovação e a menos eficiência. Se quem domina uma indústria não tiver de enfrentar a concorrência, terá menos incentivo para inovar ou para oferecer melhores produtos
Um Estado diferente A intervenção pública não é boa ou má por si própria. O excesso de regulação deve ser eliminado por limitar a iniciativa e o crescimento mas, em contrapartida, o Estado tem de fazer mais na inclusão social, nomeadamente a nível académico e do mercado de trabalho
Inflação e desemprego A relação entre desemprego baixo e uma subida da inflação talvez não seja tão direta como se pensava. Phelps nota que é necessário incorporar nessa relação a expectativa dos agentes, sejam trabalhadores ou empresário. A crise pode ter alterado essas expectativas
Conferências do Estoril
Uma reunião de inteligência, sabedoria e influência
Entre 27 e 29 de maio, a justiça global estará em debate em Cascais, numa iniciativa que juntará, mais uma vez, dezenas de oradores de referência, entre os quais Edmund Phelps. As Conferências do Estoril, um encontro bianual de reflexão, com pensadores e figuras proeminentes mundiais, coorganizado pela Câmara Municipal de Cascais e pela Nova School of Business & Economics, e do qual a VISÃO é, este ano, parceiro de média, vêm novamente posicionar este concelho na rota do conhecimento mundial, com um painel de luxo que mistura oradores com histórias para contar, agentes da mudança e provocadores.
Sérgio Moro, o polémico juiz que é o atual ministro da Justiça e Segurança Pública do Brasil; Joana Marques Vidal, ex-procuradora-geral da República Portuguesa; Anne Applebaum, jornalista galardoada com o Prémio Pulitzer; Bernard Kouchner, cofundador dos Médicos sem Fronteiras e dos Médicos do Mundo; Svetlana Alexievich, Prémio Nobel da Literatura, e Ahmad Nawaz, o jovem ativista paquistanês pela educação e pela paz, são apenas alguns dos grandes nomes entre as dezenas de oradores que, durante três dias – de 27 a 29 de maio –, vão encher a Universidade Nova, em Carcavelos.
Depois de ter estado em discussão a relação entre o global e o local, ao longo das primeiras quatro edições, e as migrações em 2017, neste ano o tema em debate será a Justiça, em sentido lato, abrangendo quatro tópicos principais: direitos e deveres humanos, justiça climática, pobreza global e desigualdade, e tecnologia e desenvolvimento. Com intervenientes muito diferentes, alguns mesmo acusados de populismo. “Cascais teve sempre a particularidade de aqui conviverem diferentes formas de olhar o mundo”, explica Miguel Pinto Luz, vice-presidente da Câmara Municipal de Cascais e um dos “pais” do projeto. “Os populismos que pululam na Europa têm cada vez mais tração, porque o establishment os impede ou não quer que eles venham aos palcos tradicionais debater. E eles têm de vir a debate”, acrescenta.
O mote das Conferências do Estoril mantém-se intacto desde o início: para desafios globais, respostas locais. Noutras edições, as Conferências do Estoril já contaram com nomes como Joseph Stiglitz, Tony Blair, Mohamed ElBaradei, Nouriel Roubini, Frederik de Klerk, Viktor Orbán, Durão Barroso, Garry Kasparov, Madeleine Albright e Edward Snowden.
Os bilhetes custam entre €10 e €100 e estão disponíveis para compra online. Mais informação em visao.pt ou no site das Conferências do Estoril.