A conversa seguia em tom baixo mas ansioso, na área de restauração de um centro comercial da Grande Lisboa. Um homem, de computador portátil à frente, tentava convencer outro a aderir a um negócio que lhe daria um bom rendimento, facilmente. Não estava fácil, mas os argumentos eram sedutores: as simulações de quanto o potencial cliente poderia ganhar por mês. O acordo foi feito, para visível satisfação do angariador, que logo inscreveu o cliente num site, começando por lhe pedir o número de cartão de crédito. Na mesa ao lado, estava um repórter da VISÃO, que assistiu em direto a uma nova adesão à iMarketsLive.
Mas, afinal, que empresa é esta? E o que estava o novo cliente a subscrever? Aí começam os problemas. É que a iMarketsLive, que opera em vários países, tem sido alvo de avisos de autoridades de supervisão, que recomendam que os investidores se abstenham de conduzir negócios com esta entidade. A autoridade belga concretiza mais um pouco: a empresa “exibe características de um esquema em pirâmide”.
De acordo com um comunicado emitido em 2016 pela Autorité des Services et Marchés Financiers (ASMF), que supervisiona o setor financeiro em conjunto com o Banco Nacional da Bélgica, a iMarketsLive oferece ferramentas de software e ações de formação em produtos forex [mercado não regulado de moedas estrangeiras] e CFD [produto que permite negociar com as diferenças de preços das divisas e índices estrangeiros, sem comprar ou vender]. O seu alvo são os jovens e, entre eles, os universitários, que, depois de recrutados, são incentivados a propor a adesão de novos membros, numa atuação típica dos esquemas piramidais.
A ASMF lembra ainda que “opções binárias, produtos forex e CFD são muito arriscados”. Investir em tais produtos acarreta “o risco de perder a totalidade do investimento e, no caso dos produtos forex, ainda mais. A hipótese de ganhar é muito menor do que a hipótese de perder”, sublinha a autoridade belga.
Também as autoridades de supervisão de Reino Unido, Colômbia, França e Espanha emitiram recomendações semelhantes. Em Espanha, a CNMV tornou público, em maio deste ano, que a iMarketsLive “não está autorizada a fornecer serviços de investimento, incluindo o aconselhamento” naquele país. A Autorité des Marchés Financiers (AMF), além de informar que a iMarketsLive não tem autorização para oferecer serviços financeiros em território francês, afirma ter recebido “queixas de aforradores, incluindo pais de adolescentes” contra a empresa.
Em Portugal, a Comissão do Mercado de Valores Imobiliários (CMVM), que supervisiona o mercado de capitais, reproduziu os alertas sobre “intermediação financeira não autorizada” recebidos das suas congéneres estrangeiras, mas, questionada pela VISÃO, afirmou não ter registo de quaisquer “reclamações” contra a atuação da empresa em solo nacional. A Deco também desconhece a existência de queixas ou mesmo de pedidos de informação, por parte dos seus associados. No entanto, no site da Proteste Investe, da Deco, foi colocada a questão por um utilizador, perguntando se não se trata de um esquema em pirâmide: “Efetivamente, já existem diversos alertas de autoridades europeias de supervisão (Reino Unido, França e Bélgica) sobre a iMarketsLive que corroboram as suspeitas expressas”, responde a publicação. O Comando de Lisboa da PSP negou igualmente a existência de queixas. Já a Polícia Judiciária, através do Gabinete de Imprensa, informou que não iria dar resposta à VISÃO.
Estabelecer contacto com a iMarketsLive é uma missão impossível, ou quase. A página de internet da empresa não indica qualquer número de telefone ou endereço de email. E, na parte em que o utilizador é convidado a tornar-se cliente, o registo só é aceite se for indicado o nome do “padrinho” que fez o recrutamento. Por isso, resultaram infrutíferas as tentativas de contacto feitas pela VISÃO.
Dentro do negócio
Mas, afinal, o que ‘‘vende’’ a iMarketsLive e como promete fazer dos seus clientes milionários? O produto que é vendido é um software para investimento em forex e criptomoedas, acompanhado de vídeos explicativos. É dada a hipótese de o investidor colocar o software em “automático”, ou seja, são alegadamente os traders da iMarketsLive que fazem os investimentos, que são replicados pela carteira do cliente. Num vídeo em português, é dito pela empresa que isto dará uma valorização de entre 5% e 20% ao mês (um retorno superior ao que a esmagadora maioria dos produtos financeiros dá atualmente num ano inteiro). Este serviço custa uma “joia” de 235 dólares e uma mensalidade de 185 dólares. No entanto, se esse cliente trouxer mais dois clientes para a rede, a mensalidade fica de graça. Daí para a frente, a empresa foca-se numa segunda forma de ganhar dinheiro: que os clientes tragam mais clientes, fazendo crescer a rede e aumentando a remuneração de quem esteve na origem desses novos investidores. É dado mesmo um exemplo, para quem quiser tornar-se um IBO (Independent Business Owner), um angariador: se trouxer três novos clientes, cada um destes trouxer mais três e por aí fora, quando esta rede atingir os 75 membros, o IBO original recebe dois mil euros por mês. Isto, mesmo que ninguém negoceie efetivamente nos mercados de capitais, só pelo facto de pertencer à rede e pagar a mensalidade. É aqui que soa o sinal de alerta, por ser comum a esquemas piramidais do passado. A rendibilidade é assegurada pelo crescimento da rede e não pelo sucesso ou insucesso dos produtos comercializados. Noutros esquemas, o problema deu-se sempre quando deixaram de entrar novos membros.
A promessa de ganhos fáceis
Ao visitar o site da empresa, que até tem uma versão em português (embora rudimentar), ficamos a saber que dispõe de vários tipos de produtos e serviços, anunciados nos diversos domínios de internet de que é proprietária. Na prática, o que é comercializado é um software que permite a negociação no mercado de forex e de criptomoedas, com acesso a vídeos explicativos, por um preço de 185 dólares por mês, mais uma joia de entrada. Entre os serviços oferecidos, abunda o jargão economês, recheado de termos em inglês. Além dos ganhos que o investidor possa ter, é dado grande foco a uma segunda forma de poder ganhar: trazer mais membros para a rede, e é aqui que o modelo se aproxima de esquemas piramidais conhecidos
Há já inúmeros sites que alertam contra as práticas desta entidade em Portugal. Um deles, o fraudes.pt, contém uma descrição pormenorizada deste “esquema em pirâmide”. Denuncia “o grande esforço dos burlões em recrutar novas vítimas”, convidando-os a pagar mensalidades que podem atingir as centenas de dólares para abrir uma conta de cliente. Em contrapartida, a iMarketsLive promete recompensá-los com vários tipos de bónus, à medida que as aplicações financeiras forem gerando retorno. Claro que os avisos sobre o elevado grau de risco deste tipo de investimentos não são explícitos, antes pelo contrário. Num vídeo, em português, na página da empresa no Facebook, nunca é referida a possibilidade de perder dinheiro, enquanto é salientado que, negociando em “modo automático”, o investidor deverá ganhar entre 5% e 20% ao mês.
A iMarketsLive, originária dos Estados Unidos da América, é ainda suspeita de usar uma “empresa-fantasma” com sede em Inglaterra, denominada International Markets Live, Ltd, fundada a 11 de agosto de 2016, com endereço em Suite 7, Harpenden Rivers Lodge, West Common, Harpenden, AL5 2JD. Na mesma morada, funcionava uma empresa que comercializava “escritórios virtuais”. E, nos EUA, dispõe de um endereço que não passa, afinal, de uma caixa de correio: Inc. 45 Rockefeller Plaza, New York, New York, 10111. Até os seus responsáveis parecem ter umas biografias algo virtuais. Segundo a página de internet da empresa, o fundador e CEO chama-se Christopher Terry. Numa pequena nota biográfica, apenas ficamos a saber que participou em conferências e elaborou livros e artigos para revistas especializadas.
A atuação da iMarketsLive mostra semelhanças com a de entidades recentemente acusadas de esquemas piramidais, como a Geteasy. A lógica destes esquemas é muito simples: há um produto a subscrever, mas o dinheiro entra sobretudo com novos membros; aqui, recebe quem está no topo; paga quem entra para a base da pirâmide. E, quem permanecer na base terá mesmo de recrutar novos membros, ou então corre o risco de perder o seu dinheiro