Angela Merkel sugeriu, um dia, que os países do Sul gozavam demasiadas férias. O seu ministro alemão também gosta de fazer reparos à Europa do Sul, com uma atenção muito especial a Portugal. Havia poucas dúvidas sobre os preconceitos entre o norte e o sul, em particular dentro do Eurogrupo, e hoje Jeroen Dijsselbloem deu-lhes voz ao comparar os países do sul a uma festa bunga bunga.
“Durante a crise do euro, os países do Norte mostraram solidariedade com os países afectados pela crise. Como social-democrata considero a solidariedade extremamente importante. Mas quem exige também tem obrigações. Não posso gastar tudo em copos e mulheres e depois pedir ajuda. Este princípio aplica-se a nível pessoal, local, nacional e inclusive a nível europeu”, disse o presidente do Eurogrupo, em entrevista ao jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung.
Os eurodeputados exigem agora um pedido de desculpas e, em alguns casos, a sua demissão. Gabriel Mato, parlamentar espanhol, afirma que os comentários são um “insulto” para os estados membros do Sul e considera que Dijsselbloem perdeu toda a “neutralidade” enquanto presidente do Eurogrupo. O holandês recusa. “A ideia de que estou a ser duro nas regras e regulamentos, ao levá-los a sério, é um erro enorme”, respondeu na Eurocâmara.
José Manuel Fernandes, eurodeputado do PSD, classifica de “inaceitáveis” as declarações do líder do Eurogrupo, pelo estigma do sul, uma vez que a “União Europeia já tem divisões que cheguem”. À VISÃO, o eurodeputado comunista João Ferreira diz que estas declarações “evidenciam bem o calibre de quem as profere” e que “não podem deixar de responsabilizar também quer o Eurogrupo quer as próprias instituições da UE”. O socialista Carlos Zorrinho vai mais longe na hora de reagir “à enorme arrogância” do holandês. “Numa altura em que se comemora os 60 anos do tratado de Roma estas declarações são exactamente o contrário ao espírito e princípios do tratado”, diz o eurodeputado, que lembra que o povo holandês “já lhe respondeu” em votos.
O partido de Dijsselbloem (Pvda), que pertence à família socialista europeia, foi um dos mais castigados nas eleições de 15 de março: perdeu 29 deputados e passou de um dos principais partidos a sétimo em representação parlamentar. Na formação do próximo governo, é improvável que Dijsselbloem mantenha o cargo de ministro das Finanças, o que deixa o seu posto como presidente do Eurogrupo em xeque. O seu mandato só termina em janeiro de 2018, mas a sua saída antecipada parece entrar numa zona cinzenta da eurocracia. Dijsselbloem “quer recolher o apoio da linha dura para continuar ” como líder do Eurogrupo, diz José Manuel Fernandes, antes de acrescentar que o holandês tem como jogada perverter o sistema: “O normal é ser ministro das Finanças para ser presidente do Eurogrupo, mas Dijsselbloem recorda que é presidente do Eurogrupo para poder continuar a ser ministro das Finanças da Holanda”. A fragmentação do mapa político holandês obriga a uma coligação de quatro partidos para formar governo e o Pvda é dos possíveis parceiros.
A sua gestão à frente do clube do euro tem sido muito criticada por vários Estados, entre os quais Portugal. António Costa, apesar de pertencer à mesma família política europeia que Dijsselbloem, mostrou-se favorável uma mudança “rápida” da liderança do Eurogrupo em entrevista recente ao Expresso. Sempre candidato a este cargo está o espanhol Luis de Guindos, que tem contra si o facto de pertencer aos conservadores do PPE – a mesma família do PSD e PP, que arrecadou a presidência do Conselho (Donald Tusk), da Comissão (Jean-Claude Juncker) e do Parlamento (Antonio Tajani). “Para Portugal, ter Luis de Guindos não será pior que ter Dijsselbloem no Eurogrupo”, remata Carlos Zorrinho.