Imaginem-se embutidos num espaço verde, repleto de árvores que quase não deixam ver os portentosos edifícios do lado de fora. Está calor e à noite, quando decidimos levantar o queixo com a intenção de deambular pelos nossos pensamentos, reparamos que há estrelas no céu. Estamos em pleno centro de Lisboa, mesmo ao lado da rotunda do Marquês de Pombal, e como banda sonora temos a melodia cuidadosamente extraída de uma mesa de mistura, aqui ocupada por alguns dos melhores artistas da cena eletrónica mundial. Um verdadeiro jardim sonoro.
Entramos no Parque Eduardo VII pela primeira vez, neste festival, no segundo dia. Do primeiro, sexta-feira, 6, perdemos as performances de Carl Craig, Moodymann ou Octave One. Acreditamos que um bocadinho da cidade americana de Detroit se tenha transportado para a capital portuguesa. O Lisb_on não vive apenas dos samples mecânicos e das batidas mais graves. Há muito funk, jazz, soul e diversos instrumentos.
A contrariar a tendência do dia de abertura talvez esteja Marcel Dettmann, mais conhecido pelo tecno contemporâneo. Visita frequente no nosso País, o alemão tem residência naquele que é considerado um templo da música eletrónica, o Berghain, em Berlim. Uma curiosidade: se algum dia o leitor decidir visitar este clube, e antes disso googlar sobre ele, vai perceber que não é fácil conseguir lá entrar. Entre vários conselhos, lemos, por exemplo, que é melhor não falarmos muito na fila, que devemos guardar os telemóveis porque é impensável fotografar ou filmar no interior e, apesar de nos incentivarem a seguirmos o nosso próprio estilo, usar roupa escura será sempre uma boa opção. Talvez a lógica seja parte daquela ideologia hedonista e de uma viagem centrada em si próprio, associada ao tecno e ao ambiente mais underground, que o Lisb_on parece querer contrariar – no festival lisboeta não faltam cor e brilho. Nas roupas, nos puffs por aqui espalhados e nas várias marcas ativadas de forma a chamar a maior atenção. Não faltam também os telemóveis no ar. E as selfies. Nesse aspeto, talvez a tal viagem centrada em si próprio também aconteça aqui… A verdade é que estão 30 graus em Lisboa e o cenário convida a registar o momento.
Sábado, segundo dia. Chegamos por volta das 17h e, no palco principal, está a tocar DUDA. Não há muita gente a assistir e por isso aproveitamos para descobrir o recinto. O palco Treehouse, onde toca a dupla Roundhouse Kick, composta pelos portugueses Adriana Lourinho e Igor Inácio, é uma pequena casa feita em madeira, que não está nas árvores, mas debaixo delas. Há apreciadores e profissionais no público, como os DJ João Carvalho e Telma. A última tocou às 14h e, segundo a própria, havia um vazio enorme na pista, mas adorou ter os amigos a dançar com ela. Só tinha estado neste festival em 2015 e, apesar de já o ter considerado bom naquela altura, acha que hoje está ainda melhor, por causa das infraestruturas e pelo facto de haver mais opções – existem três palcos: o Main Stage, o Treehouse e o Carlsberg Hillsidestage. Já João Carvalho veio a todas as edições. Recorda com nostalgia a primeira, na qual choveu imenso, e refere que “não há melhor ao nível da organização. Nota-se que há brio e amor”. Confessa que irá pouco ao Main Stage (o palco principal), ignora os cabeças de cartaz e aconselha a ouvir alguns nomes que irão passar algo do estilo happy house: DMX Krew, Graig Richards, The Ghost e Vera.
Seguimos, ainda assim, para o palco principal, com a intenção de ouvir a Ten City Live Band. Num concerto com sete elementos e que se distingue, como dizia há pouco, do que poderíamos esperar de um festival de música eletrónica, ouvimos Byron Stingily convidar o público a juntar-se a eles para dançar. Uma fã adere e fá-lo com uma energia contagiante, que faz a audiência sorrir. Mas não nos prende. Avançamos para visitar o Carlsberg Hillsidestage para ouvir CLVT. Pelo caminho vemos o Espaço Família, onde há atividades para as crianças como jogos tradicionais, desenhos, pinturas faciais ou dar asas à criatividade num supermercado em miniatura. Podem também plantar e levar para casa um vaso com rúcula ou alface. Nota-se aqui como o festival tenta chamar a atenção para a importância da Natureza e incutir a responsabilidade ambiental. Além desta ideia para os mais novos, há copos reutilizáveis e nada de palhinhas, oferecem-se cinzeiros portáteis, as casas de banho são ecológicas e até há um palco alimentado por painéis solares, dizem. Relativamente às crianças podiam ainda ser pedidos, para empréstimo, uns coloridos auscultadores para protegê-las caso os graves ficassem bem elevados. E ficaram.
A maior pista de dança começou a encher por volta das18h30, meia hora antes de uma das duplas mais aguardadas do dia atuar: Masters at Work. A expectativa concretiza-se. Os nova-iorquinos trazem o house a que habituaram os fãs e fazem-nos viajar até ao início do milénio. Atingimos o clímax com a música Work, editada em 2001. No meio do público, conhecemos o Pedro que nos confessou ter ido apenas para ouvir Solomun. “Não conheço mais ninguém.” Ainda não sabia que o ídolo que esperava iria tocar com outro dos mais aclamados DJ e produtores da atualidade: Dixon. Pedro desconhecia também que iria ser um set de quatro horas.
É então que às 21h, já sem luz do sol, entram em cena o bósnio-alemão e o alemão. Passam seis minutos e o público está impaciente por algum impacto. Solomun e Dixon assumem desde cedo o seu estilo. Mostram o deep house que os caracteriza e puxam ao sentimento. É frequente ouvir os mais alheados da fórmula referirem-se à música eletrónica com as onomatopeias “pum, tchi, pum, tchi, pum…”, ou dizerem “aquilo parece sempre a mesma música do início ao fim”. Aceitamos. Não saberão eles que há um momento, enquanto ouvimos um set de música deste género, em que parece que houve um golo da seleção nacional. Na mesma gíria, podemos pensar no movimento crescente da onda. Só que esta onda dura, por vezes, alguns minutos até rebentar. E o público vai tentando manter-se nela… até Éder marcar o golo!
Às 23h30 ainda há crianças a dançar, enquanto alguns adultos descansam nas redes. Não é fácil aguentar tantas horas com o mesmo ritmo. As pernas começam a ceder, mas este é o momento pelo qual muitos aguardam – o que se reflete na maior enchente do festival. Note-se que o recinto nunca encheu por completo.
No último dia do Lisb_on, seguimos a dica de João Carvalho e fomos até ao palco Treehouse ouvir The Ghost. É o fantasma dos DJ e produtores Josh Tweek e James Creed. São conhecidos por terem uma loja de discos em Berlim que é um antigo autocarro e onde é possível ouvi-los tocar alguns desses discos também. O house não está tão happy e procuramos outros recantos, porque precisamos de repousar para o que vem a seguir. Sentados na pequena colina de relva adjacente ao palco principal, onde estão algumas das marcas patrocinadoras, vemos chegar as (e os) influencers que aqui recolhem os seus modelitos.
Daí ouvimos o mestre de cerimónias (MC) do festival anunciar os próximos dois convidados – DJ Vibe e o compositor e interprete Jamie Principale. A frase “that’s house music!” ouve-se entre os samples misturados pelo português. E é mesmo. Já o americano e a sua voz dão um verdadeiro espetáculo que se estende até ao meio do público. “Can you feell it?” Sim. Sentimos muito.
Mas não estamos preparados para o que vamos sentir a seguir, com Róisín Murphy. A vocalista dos extintos Moloko dá tudo, com a sua nova banda. Despe um casaco e veste outro; descalça e calça luvas; tira chapéu, põe outro chapéu. E nós tiramos-lhe o nosso. Entre tudo isto ainda canta sob a batida acelerada de fundo, como poucos saberão fazer. Com ela, o espaço do recinto em frente ao Main Stage voltou a reunir uma pequena multidão, mas há espaço para dançar mesmo lá à frente. E bem é preciso. O som de “Sing it Back” e “Forever More” exige esse metro quadrado de pista de dança privada para cada um. Foi bonito e pura nostalgia.
Finalmente, os Horse Meat Disco sobem ao palco para fechar o Lisb_on e, apesar de ser domingo, dão o mote logo cedo com “it’s party time tonight!”.
E não é que, às 23h, o MC anuncia 15 minutos de cerveja grátis? Foi o sinal de STOP para a nossa viagem. Não entramos em loucuras que no dia seguinte a viagem é para o trabalho.