É psicanalista, é presidente do Instituto Internacional Sem Fronteiras (IISF) – que se dedica a apoiar pessoas em situação de vulnerabilidade – e co-presidente do Silo do Alimento Frei Remberto Lessing – uma plataforma nascida do IISF, que distribui cabazes de bens de primeira necessidades às famílias que precisam. Ambas as instituições nasceram no Brasil e saíram da vontade de servir o próximo de António Flávio Onofre.
A psicanálise trouxe-lhe a capacidade de compreender o sofrimento alheio. A mãe e a avó, uma libanesa e a outra portuguesa, inspiraram-no a ajudar os outros – pela capacidade de cuidar da mãe, pela devoção a Nossa Senhora de Fátima da avó. Surge assim a ideia de devolver a dignidade a quem já não tem esperança através do Silo do Alimento, financiado através da venda de jóias em prata 925. Estas são a primeira frente de financiamento da plataforma, mas outras, garante o presidente, estão para nascer muito em breve, agora que o Silo do Alimento acaba de chegar a Portugal, onde irá apoiar, com a venda destas jóias, os portugueses mais vulneráveis.
Como nasceu o Instituto Internacional Sem Fronteiras e o Silo do Alimento?
Foi em 1997 que comecei a pensar, juntamente com aquele que é hoje vice-presidente do Silo do Alimento, o Padre Oscar, no conceito de fome. Fomos pensando sobre o tema e o que nos chamou a atenção foi o facto de nunca ninguém questionar este conceito, que sempre foi descritivo e nunca analítico. E foi aí que comecei a concluir que o que define a fome é o invisível. A invisibilidade de pessoas que, não têm voz, não têm rosto. São pessoas que se submetem à caridade, a viver de favores, de sobras, com perda quase total da sua dignidade. E foi então que pensámos: qual o oposto da linguagem da fome? O oposto da fome é o servir. E fazemos isso através do Silo do Alimento Frei Remberto Lessing, que criámos através do Instituto Internacional Sem Fronteiras.
Como funciona o Silo do Alimento?
Para que houvesse a possibilidade de o IISF abastecer o Silo do Alimento, deveríamos ter uma frente que transformasse os recursos em favor do Silo. Foi nessa altura que surgiu a ideia de se criar uma linha de jóias em prata de lei 925, que seria vendida, pelo nosso site, aos nossos distribuidores. E 15% da venda dessas peças reverteria a favor do Silo do Alimento. São esses os recursos que temos atualmente para poder comprar os cabazes de bens que distribuímos e orgulhamo-nos de poder dizer que, no Brasil, já servimos mais de 4 mil famílias.
E de que forma?
Nós temos um distribuidor, o Grupo Theodor, para se ocupar das vendas em todo o mundo. E então, 15% das vendas efetuadas a esse distribuidor, revertem para o Silo do Alimento. Esse valor envolve cabazes de alimentos, roupa, roupa infantil, sapatos, colchões, cobertores. Com uma exigência muito básica: não damos nada que não seja novo.
É aqui que entramos no conceito que costuma referir: que não está aqui para fazer caridade, mas para servir o próximo.
Eu costumo dizer que caridade é “arrogância em andamento”, porque, ao fazer caridade, eu coloco-me numa posição acima dos outros. Para mim, o Silo do Alimento é prato junto, é prato do povo. Então, para mim não existe caridade: existe o processo do servir. Porque quando eu cuido do outro, estou também a cuidar de mim.
A criação do Silo tem alguma ligação à religião?
O Frei Remberto Lessing era uma pessoa que praticava essa filosofia de servir o outro. Se ele fosse judeu, católico, evangélico, ou ateu, ele teria inspirado o Silo da mesma forma. A Nossa Senhora, por sua vez, inspira-nos como uma mãe. Uma mãe que é inconformada com a fome dos seus filhos, que sofre, que acolhe, que tem sempre lugar para mais um. E as imagens que colocámos nas nossas peças de joalharia são de pessoas inspiradoras na sua condição humana, não necessariamente ligadas à religião. Poderia ser o Gandhi. Podia ser o Chico Xavier, um espírita cuidador muito conhecido no Brasil. Mas focámos a nossa inspiração naquela que é a mãe-maior, a mãe de todas as mães, Nossa Senhora de Fátima.
É também por isso que escolhe Portugal como país de entrada na Europa?
Exatamente. A minha avó era portuguesa e ensinava-me, desde pequeno, que uma batata pode ser cortada para dar para quatro pessoas, para seis, e aí por diante. Foi com ela que aprendi a importância da partilha. Servir é partilhar. Quando comecei a pensar no Silo do Alimento, veio essa lembrança da minha avó e foi quando tive a certeza de que ele tinha de passar por Portugal e que Fátima tinha de ser a grande inspiradora. Era um pouco como fazer o caminho inverso: Portugal descobriu o Brasil, e agora voltamos cá com uma proposta de gratidão para que nos possam ajudar a proteger outras pessoas necessitadas e a espalhar esta mensagem de partilha.
Como vai funcionar o Silo em Portugal?
Chegados aqui, estamos em contacto com várias instituições que se identifiquem com esta missão do Silo, para que uma delas possa abrigar o Silo em Lisboa. O nosso intuito é que tudo funcione de forma idêntica, tanto em Portugal como no Brasil: o Silo recebe a doação dos 15% do que for vendido ao nosso parceiro das jóias, valor esse que vai diretamente para os bens que são distribuídos, os cabazes de que falava, de roupas, calçado, colchões, cobertores. Todas as despesas estruturais da criação da empresa em Portugal são asseguradas pelo IISF, para que tudo funcione a 100%, em função daquilo que é a legislação local.
As pessoas recorrem voluntariamente à ajuda do Silo ou estão referênciadas de alguma outra forma?
Vou explicar como funciona no Brasil, porque é o que queremos replicar em Portugal. O espaço que ocupamos é na Paróquia de Santa Cruz, do Padre Oscar, que é o vice-presidente do Silo, e que, juntamente com o D. Moacir (arcebispo de Ribeirão Preto) e o D. António Emídio Vilar, nos cedeu este espaço. Ao longo destes anos, selecionámos instituições que tinham trabalho comprovado no terreno – e essas sim, identificam as pessoas que têm necessidades. Mas também temos pessoas que se nos dirigem diretamente. E estamos a trabalhar num projeto interessante a que chamamos de agentes de bairro. São aquelas pessoas fundamentais em todos os bairros, que ajudam toda a gente, que sabem sempre o que se passa dentro das casas. Esses agentes comunicar-nos-iam quais as situações que precisam de apoio urgente e seriam um elo de ligação com a comunidade.
E qual o perfil típico do utente do Silo?
São pessoas invisíveis, que não contam. Que não têm mais esperança. São pessoas descartadas, que ninguém quer. E, para nós, essas pessoas merecem toda a dignidade.
Assim sendo, estes voluntários assistem a uma miséria terrível.
O padre Oscar costuma dizer, sobre os dias em que são distribuidos os cabazes da sua igreja: “é preciso ter estrutura emocional para escutarmos e vermos as coisas que vemos e ouvimos. Muitas vezes eu viro costas para poder chorar”. Mas há um lado positivo nisto tudo: estamos a dar esperança a estas pessoas. Estamos a mostrar-lhes que alguém se importa com elas.
Como imagina o Silo do Alimento daqui a 10 ou 20 anos?
O que eu sugiro é que daqui a 10 anos possamos continuar a dizer às pessoas que não têm mais esperança que alguém olhou para elas. Se isso é feito através de comida, sapatos, colchões ou outra forma qualquer, tanto faz. Mas temos de continuar a poder gritar que “temos comida”, “temos dignidade”, “tu existes”, “eu vejo-te”. Que daqui a 20 ou 30 anos, mais pessoas saibam disso.
Como psicanalista, de que forma a leitura que faz dos seus pacientes se refletiu nesta missão que abraçou com o Silo?
Muitas vezes perguntam-me o que é que as pessoas vão fazer ao consultório do psicanalista. E eu respondo que elas levam a coisa mais cara que têm, que é a sua alma. Quando as pessoas vão ao meu consultório, e falam sobre aquilo que lhes causa sofrimento, elas ensinam-me a compreender aquilo em que elas não se sentem compreendidas. Graças a essa experiência, à generosidade que os meus pacientes tiveram de me ensinar a entender a dor delas, eu aprendi a olhar para o outro antes de mim. O Freud dizia que a análise é um ato de amor. O Silo é um ato de amor. Se houver alguém para nos escutar e nos acolher, talvez exista esperança. É por isso também que sou muito grato à psicanálise, por me permitir servir as pessoas. Por me permitir devolver às pessoas, a esperança e a gratidão.
Para ajudar o Silo do Alimento em Portugal, adquira as jóias do Instituto Internacional Sem Fronteiras através do site theodorstore.pt