Do lado de fora, parece uma simples entrada para um edifício residencial, apenas mais um entre os muitos da periferia de Lisboa. Mas assim que entramos, somos surpreendidos por paredes coloridas cheias de memórias, quartos cheios de alegria e, muito rapidamente, entendemos que acabamos de entrar numa casa onde vive uma verdadeira família.
De segunda a sexta-feira, Raquel, a coordenadora do projeto, nascida e criada na região, é sempre a primeira a chegar às salas coloridas do centro. Licenciada em Relações Internacionais e já a trabalhar numa grande multinacional da área metropolitana de Lisboa, decidiu mudar de vida ao perceber o que a comunidade onde tinha crescido significava para ela. O seu principal objetivo é dar aos jovens do bairro o sentimento de que pertencem àquela comunidade. Raquel acredita no potencial das pessoas, quer que sejam amadas como ela foi amada ao longo dos anos que passou em Santo António de Cavaleiros e diz que todos os necessitados encontrarão as portas abertas.“Construído por pessoas para a comunidade” – estas foram as palavras da principal coordenadora do projeto que já mudou tantas vidas. “Somos uma segunda família“.
Dos dez aos vinte e cinco anos, crianças e jovens encontram no “Eu Amo SAC” um porto de abrigo, um lar que muitas vezes os protege e os afasta de todos os problemas sociais e familiares que vivem em casa. São cerca de cinquenta crianças por semana, maioritariamente lusófonas, com vários migrantes, sobretudo oriundos de países lusófonos do continente africano. As atividades do projeto baseiam-se em vários pilares como apoio escolar, apoio às famílias, novas tecnologias, competências sociais e pessoais, atividades artísticas e lúdicas. As atividades desenvolvidas respondem aos interesses dos jovens e permitem um acompanhamento personalizado focado na orientação que estes escolheram, incutindo princípios e valores de vida que estruturam um caminho saudável. O objetivo principal é manter as crianças e os jovens longe das ruas que às vezes podem ser muito perigosas. Nos subúrbios de Lisboa, há racismo velado, vandalismo, uso de drogas e violência que afastam muitas crianças de uma vida digna e justa.
O sonho de Raquel é transformar essa geração. “Para nós aqui no projeto, essas crianças são como os nossos filhos. Eles são os meus filhos. Temos uma grande responsabilidade perante as suas vidas. Eles sentem-se livres e seguros para falar connosco e falam. Somos a quem eles recorrem em tempos de angústia e às vezes só precisamos ouvir o que eles têm para dizer.”
Entre os muitos sucessos do projeto, destacam-se o teatro e o cinema. O “Eu Amo SAC” já participou em alguns festivais de cinema e muitos jovens descobriram uma vocação através das várias atividades organizadas por Raquel e pela sua equipa. É o caso de Dioclésio, que aderiu ao projeto em 2015, depois de o descobrir através dos primos. Começou extremamente tímido, mas quando descobriu a sua paixão pelo teatro, perdeu toda a timidez. Agora sonha em estudar teatro na Suíça e gosta de estar no centro das atenções, demonstrando um apreço especial pela criação de diferentes personagens. Elisandro também descobriu nesta segunda casa um grande amor pelo teatro e pelo cinema. Estudou línguas, mas ficou claro o que queria para o futuro depois ter chegado ao projeto. Depois de ter produzido um filme, ele quer agora terminar a escola e partir para Inglaterra, estudar teatro e aprender com os melhores. Ambos falam de uma boa adaptação ao centro, de um ambiente calmo onde todos se dão bem e veem em Raquel alguém que sempre esteve e estará presente para eles. Aprenderam a acreditar nos seus sonhos e a trabalhar para nunca se desviarem do caminho certo. Dioclésio encontrou foco, determinação e coragem para fazer o que ama e aquilo em que é realmente bom.
Por outro lado, Clayton, 20 anos, que veio de Angola, não teve um percurso fácil até Santo António dos Cavaleiros. Por conta de uma situação muito precária vivida entre várias casas, nunca conseguiu criar raízes num só lugar, mas desde que chegou ao projeto a sua vida mudou. Clayton gosta de dança, de filmes de animação e a sua paixão pelo futebol consegue animá-lo todos os dias. No início também era tímido e tinha problemas em falar em público, mas depois de algum tempo a participar nas atividades realizadas no âmbito do projeto, mudou completamente e é hoje um dos principais facilitadores em Santo António dos Cavaleiros. Fala com os mais novos, ouve os problemas deles, ajuda-os a tomar decisões e, sobretudo, proporciona-lhes a distração e a diversão que todas as crianças merecem. Ele sente uma grande responsabilidade como educador destas crianças e quer que elas se divirtam e cresçam com a consciência do que valem e do que querem fazer, sempre sem prejudicar os outros. Personagens como Paul Pogba ou Lionel Messi são modelos que segue com um carinho especial, mas Clayton tenta inspirar-se em tudo o que pode ao longo do dia. O seu sonho é criar um clube de futebol, aberto a toda a comunidade, para receber crianças que partilham a sua paixão pelo futebol e que procuram um novo porto de abrigo. O conselho de Clayton para todos os jovens? “Nunca fiques parado. Aproveita ao máximo tudo o que puderes. Aproveita o presente.“
Bruno, já com 21 anos, foi um dos primeiros a inscrever-se no projeto e conhece-o desde a sua criação. Atualmente, devido à sua idade, já não participa, mas mantém contacto com frequência e está sempre por perto. Cresceu com o “Eu Amo SAC” e leva o projeto no coração. Foi essa família que cuidou dele durante vários anos. Sentiu-se acolhido do início até ao fim. “É um projeto que muda vidas. Mudou a minha com certeza. Há muito respeito nesta comunidade pelo projeto e toda a gente conhece e apoia. Moldou-me e fez de mim a pessoa que sou hoje. É muito difícil explicar o que significou para mim. Venham conhecer este projeto porque as pessoas que estão aqui dão tudo pelas crianças que vêm aqui parar. Só sentindo e vivendo isto é que vai realmente entender o que eu amo no SAC. É viciante!”
“Eu, Nós, Todos” – o lema do projeto mostra bem o espírito de união que vive dentro daqueles corredores, o ambiente familiar, com sorrisos, diversão e tranquilidade que fazem esquecer os problemas com que muitas crianças nunca deveriam ter que lidar. O “Eu Amo SAC” é uma segunda família, a primeira linha de defesa para muitos que ali procuram e encontram um lar. “Amar e ser amado” – quem se depara com este cartaz no prédio não pode esquecer o espírito do grupo.
Jules Bigot e Afonso Morango
Este artigo foi produzido no âmbito do concurso Union Is Strength, organizado por slate.fr com o apoio financeiro da União Europeia. O artigo reflete a opinião dos autores e a Comissão Europeia não pode ser responsabilizada pelo seu conteúdo ou uso.