Em Portugal são diagnosticados cerca de 50 mil novos casos de cancro por ano. Entre os de maior incidência estão os carcinomas da mama, da próstata, do pulmão, e colorretal. O ano de 2020 veio baralhar as contas. Com a chegada da pandemia de COVID-19, verificou-se uma quebra entre 60 e 80% de novos diagnósticos.
Para inverter a situação, a Sociedade Portuguesa de Oncologia (SPO) lançou a campanha digital “O Cancro não Espera em Casa”, com o apoio da GSK. O objetivo é alertar os portugueses para a importância de continuarem a fazer os exames de rotina e rastreios que permitem detetar precocemente o cancro e para a necessidade de os doentes oncológicos manterem os tratamentos e cirurgias necessárias para vencer a doença, uma área que foi altamente impactada pela pandemia.
Ana Raimundo, médica oncologista e presidente da SPO, explica que “a diminuição do número de diagnósticos não quer dizer que a doença não esteja cá”. Simplesmente “não estamos a diagnosticá-la porque os recursos estão a ser desviados para prestar cuidados noutra área.”
Estes diagnósticos tardios traduzem-se numa mortalidade mais acentuada. “Se fizermos diagnósticos em fases mais tardias, o potencial de cura dos nossos tratamentos é menor. Portanto, o que se prevê é que a taxa de mortalidade suba daqui a alguns anos. Em dois, três ou quatro anos, vamos ver as curvas de sobrevivência por cancro penalizadas”, prevê Ana Raimundo.
Cirurgias e consultas adiadas
Mas a quebra de diagnósticos não é a única consequência da pandemia. No início do primeiro confinamento em Portugal, em março de 2020, o Instituto Português de Oncologia de Lisboa anunciou desde logo a suspensão das cirurgias programadas não oncológicas e as oncológicas não urgentes e sem implicações na vida ou progressão da doença, como forma de controlar a transmissão do novo coronavírus. Também foram adiadas as consultas de acompanhamento não urgentes.
Para além disso, Ana Raimundo explica que “os doentes oncológicos estão a sofrer consequências que não estão só relacionadas com a própria doença: a pressão psicológica sobre a morte, sobre a progressão da doença alia-se a outros problemas causados pela pandemia”. Garante que “há uma pressão muito superior em relação à população em geral.”
O novo normal
A retoma da normalidade não se prevê antes de meados deste ano. E mesmo nessa altura adivinham-se dificuldades. “Quando os serviços de saúde estiverem sob menos pressão, teremos muito trabalho acumulado. Isso vai fazer com que a capacidade de resposta não seja exatamente a mesma”, conta Ana Raimundo.
É por isso que a campanha “O Cancro não espera em casa” pretende também sensibilizar para a necessidade de um plano de contingência em situações semelhantes. “Centralizar os doentes oncológicos em determinados hospitais e haver margem de manobra na realização de meios complementares de diagnóstico em doentes com forte suspeição de cancro de forma a que se faça o diagnóstico o mais precocemente possível”, pede Ana Raimundo. Tudo para que não se verifique “um atraso tão grande nem um impacto tão acentuado nos cuidados prestados aos doentes oncológicos”.
Os sinais de alerta
Ainda assim, Ana Raimundo acredita que o acompanhamento está a ser feito. “As avaliações podem ser feitas por teleconsulta evitando-se deslocações de doentes e, no caso de haver necessidade de observação, através de consulta presencial.”
A presidente da SPO deixa por isso o aviso para que não se ignorem os sinais de alerta. Os sintomas que persistem ao longo do tempo, tais como “o emagrecimento inexplicado, sangue nas fezes associado a alterações de hábitos do intestino, um nódulo que não desaparece, um sinal que cresce e começa a ter hemorragia”.
Ana Raimundo insiste que “na presença de um destes sintomas persistentes, a pessoa deve procurar ajuda médica para avaliação e, se necessário, fazer exames complementares de diagnóstico”. Tendo em consideração que “pode não conseguir uma consulta no próprio dia ou na semana seguinte” mas que “o mais importante é não desistir, não baixar os braços nem ficar à espera”.
Não desistir, não baixar os braços
É este também o conselho que Cláudia Marques, doente oncológica, repete: “não desistir”. Diagnosticada com cancro do ovário no início de 2019, Cláudia insiste na necessidade de não se ignorar os sinais de alerta e de se cumprir com os exames de rotina. E explica que a rapidez foi essencial no seu caso.
A co-fundadora da Associação – Movimento Oncológico Ginecológico (MOG), que ainda hoje é acompanhada em consultas e exames de rotina, insiste para que não se desista de procurar os cuidados de saúde “nem que seja através de duplicação de pedidos” e garante que tem sido “muito bem acompanhada” pelo SNS, tanto no centro de saúde como no hospital público, mesmo em tempos de pandemia. “As pessoas não podem esperar que as soluções lhes caiam em cima. Em tempos de pandemia, temos de lutar”, frisa.