Caro leitor/a em regime de vaga crise conjugal, se sentiu o seu casamento ou relação estável em perigo durante os meses de Verão, respire fundo e relaxe, porque com o regresso às aulas tudo se irá compor. E quantos mais rebentos tiver no agregado, menos riscos irá correr. Sabe porquê? Porque uma separação, além do stress inerente e inevitável, também dá imenso trabalho. E durante este período, intenso e desafiante, quer para os pais quer para os filhos, uma pessoa simplesmente não tem vagar para se separar. Antes de ponderar tal cenário, é preciso reunir todos os manuais escolares, etiquetar livros, dossiers, cadernos e restante material escolar, completar a extensa lista de artefactos e de equipamentos desportivos, comprar uma farda nova ou atualizar a existente se for caso disso, ir a reuniões de pais, conhecer a educadora nova, a professora, a diretora de turma, habituar os rebentos a novos horários e ensinar novas rotinas, contratar uma baby-sitter para ir levar e/ou buscar os meninos os dias da semana que forem precisos, verificar que vacinas estão em falta, estar atento a eventuais situações de bullying no recreio, enfim, um sem número de preocupações e de responsabilidades que nos caem em cima durante o primeiro período. Não esquecer ainda as situações imprevistas, como mudança de escola porque se percebe que a diretora de turma é maluca ou por mudança de residência do Restelo para a Expo, e ainda outros imponderáveis aos quais as famílias com filhos estão sujeitas.
Só o trabalho de acertar a rotina, depois de umas férias sem horários, já é digno de um Hércules urbano. É preciso voltar a ter tudo mecanizado e só com prática e disciplina é que uma pessoa acerta o passo. Uma pessoa pensa que tem tudo interiorizado, que o período de férias não vai afetar, mas afeta, porque ninguém vai para novo e uma pessoa falha se não for aos treinos. Agora multiplique a trabalheira e o esforço pelo número de crianças envolvidas. Nada fácil, nada fácil. São necessárias semanas para que o piano esteja de novo afinado.
Contudo, mantenha-se atento/a, porque o perigo ainda espreita. Segundo vários estudos, quer na Europa, quer nos Estados Unidos, as épocas em que ocorrem mais separações no final do Inverno e no final do Verão. Os estudos indicam que a causa pode estar relacionada com as férias em família, já que a convivência 24 horas por dia poderá trazer ao de cima ressentimentos e outras chatices que minam a vida conjugal. Isto quer dizer que se conseguiu aguentar as crianças aos gritos, a trabalheira de cozinhar almoço e jantar, de fazer as sanduiches para a praia, de os levar à noite à feira da vila para andarem dez vezes na roda gigante e mais sete nos carrinhos de choque, se não se esgotou a leva-los à agua quando as braçadeiras são maiores do que eles, nem rosnou de desespero a mudar os lençóis da cama quatro vezes numa semana por causa dos xixis nocurnos derivados aos excitamento coletivo típico dos serões em férias, então pode ser que o seu casamento aguente até às próximas férias, já que a rotina o irá salvar do caos.
Uma vez acertado o passo com uma rotina controlada, tudo se dissolve, o bom e o mau, os sonhos e os pesadelos. E mesmo aquela aventura fugaz que aconteceu em Julho ou em Agosto, quando a legítima estava no Algarve ou o esposo tinha levado os miúdos uma semana para a casa de um amigo em Castelo de Bode, irá derreter-se como um gelado ao sol, perdendo intensidade e importância a cada semana que passa.
Os miúdos chegam a casa em grande alvoroço, têm sempre coisas novas para contar, a mais pequenina já consegue apertar o bibe sozinha, o do meio é o melhor da turma a Matemática e a mais velha afinal não quer ficar nas aulas de ballet porque a nova melhor amiga- uma criança que entrou este ano para a escola – está inscrita no hip-hop.
A rotina avança pelos dias e impõe um ritmo certo e sincopado ao dia a dia, entretanto chega o Inverno, fica tudo constipado e cheio de tosse, se é o primeiro ano na creche, lá vem o sarampo e a varicela e tudo ao que faz parte do ano de estreia fora de casa, sem se dar por isso o Natal já está ao virar da esquina e no Natal ninguém se separa.
O tempo é o maior ladrão, dali a pouco chega o Carnaval, cada um quer uma máscara diferente, todos têm testes, um está atrapalhado com o Português e a outra torceu o pé na ginástica, o trabalho no escritório aperta toda as semanas mais e mais. Começam, as chuvadas e os subsequentes narizes ranhosos, as birras, as dores de barriga, os terrores noturnos, as intolerâncias alimentares, o ano voa como um pássaro apressado e assim vai o mundo.
Por isso, caso queira mesmo separar-se, conte até dez as vezes que forem precisas e programe a hecatombe para o início das férias grandes do ano seguinte, até porque precisa de saber se aquela paixão secreta do Verão sobrevive à realidade. O mais certo é que não. E mesmo que tal ocorra, nem sempre se consegue dar o salto, pois o medo do desconhecido, por mais tentador que seja, acaba quase sempre por nos tolher a vontade.
Mais vale um pássaro na mão do que dois a voar, mais vale um porto seguro do que apanhar uma onda que nunca se sabe quando nem como acaba. É certo que todos os surfistas sonham com a onda perfeita, também conhecida por Endless Summer, mas, sejamos realistas, só se apanha uma ou duas vezes na vida. E para isso é preciso estar em cima da prancha, de peito cheio, acertar no tempo e no modo, cerrar os dentes e confiar no destino. Não é para quem quer, é só para quem pode. E no entretanto, o mais prudente é forrar as manuais a plástico transparente para não pareceram todos lambido no final do primeiro período.