Mea Culpa. Não sei se é influência do Santo António padroeiro alfacinha, santo casamenteiro por vocação ou tradição, mas afinal o Tinder é divertido, ainda que visto de longe, em versão camarote, que é como quem diz por cima do ombro de duas Tinderellas ocasionais com quem viajei.
Vamos por partes: uma Tinderella é a versão moderna e virtual da Cinderela com direito ao teste do sapatinho e tudo. Em períodos de férias de solteiros ou divorciados sem filhos existem muitas horas mortas, o que dá origem a uma versão específica de Tinderellas de Tinderellos. Normalmente gosto de ler, por isso escolho sempre um grande calhamaço para as férias, para não correr o risco de chegar à última página antes do último dia, mas com duas Tinderellas ativas no mesmo quarto de hotel tornei-me uma autêntica voyeuseda moderna da aliciante modalidade tão em voga nos nosso dias. E temo não terminar o maravilhoso romance de Javier Marías antes do regresso. Será uma pena, embora seja o mais provável.
Uma Tinderella ocasional é uma miúda que só abre o Tinder durante as férias. É assim como se viesse incluído no preço da diária, dormida com pequeno almoço. Não ter Tinder nas férias é como não ter Instagram ou FB o ano inteiro. Aquilo é mesmo outro mundo.
Já critiquei aqui a tão popular aplicação, comparando-a a andar em carrinhos de choque na extinta feira popular, mas afinal parece que o pessoal no geral não dá assim tantas voltas, porque é mais conversa do que outra coisa.
Para começar, ao escolher candidatos, o indicador desliza para a esquerda se não quer, como quem vira uma página da vida, ou para a direita. Se do outro lado a mesma criatura também deslizou o perfil para a direita, a magia acontece, fez match. Ou talvez não. Eles dizem olá, perguntam à Tinderella coisas práticas como onde estás, quanto tempo ficas e se queres ir beber um copo. As Tinderellas vão gerindo a carteira virtual de sorrisos simpáticos e ansiosos, enquanto continuam a reservar ou a deitar fora os mais variados Tinderellos.
Uma das amigas Tinderellas constatou que, ao rejeitar muita rapaziada, os candidatos se esgotaram. Parece que a aplicação põe de castigo quem se faz de esquisito, comentou. Achei interessante, no mínimo. Deve ser uma sensação parecida à de dar a volta ao conta-quilómetros. A Tinderella 2 entretanto estava a conversar com um jovem que lhe disse que precisava de ir ao mercado comprar vegetais porque a galinha que tinha em casa lhe tinha comido o almoço. Tal e qual. Tratava-se de um veganterapeuta holístico homeopata e mais umas coisas que o meu cérebro de loira não logrou memorizar. Nisto a aplicação também é um espelho dos tempos modernos. Ninguém é só uma coisa e exerce apenas uma profissão, toda a gente consegue ser várias coisas ao mesmo tempo, o que não deixa de ser notável.
Fiquem a saber uma coisa que me trouxe um sopro de esperança na Humanidade: existem bons rapazes no Tinder. É verdade. Gente educada, com valores e princípios. Jovens e senhores já entradotes corteses e atenciosos que procuram a companhia feminina para conversar, para ir à praia, para beber um copo ou uma limonada. No fundo, é como em tudo na vida, vai de um extremo ao outro: poetas, bailarinos, empresários, músicos, tímidos, malandros, massagistas, divertidos, diletantes, encostados, chulos semi-profissionais, parvos, totós, predadores, pescadores – de pargos e de sereias – advogados, professores, desportistas, etc.
Afinal estar no Tinder não é sinónimo de estar no lodo. É estar no mundo, é viver o presente, é ir na onda e confiar no destino, desde que com alguma precaução e bastante juízo. Uma das Tinderellas foi convidada para jantar com um jovem empresário, mas não escapou a que fotografássemos a matrícula do respetivo bólide. Regressou duas horas depois com um grande sorriso, tinha feito um amigo. Nem um beijinho, mesmo sem língua, questionei atónita com tanta candura. Nada disso, assim é mais giro, respondeu. Muito interessante de facto.
Bem vindos ao admirável novo mundo dos encontros fugazes, com resultados afinal bastante previsíveis. Nem tudo está perdido na rede que apanhou o globo nas suas malhas da virtualidade, quem sabe para todo o sempre, pelo menos enquanto o mundo funcionar a electricidade que alimenta os carregadores que alimentam os smartphones que alimentam o quotidiano e a imaginação dos Tinderellos e Tinderellas deste mundo.