Pedro Pimenta delineou um plano: percorrer toda a costa portuguesa a pé, de Monção a Vila Real de Santo António. São 940 quilómetros, que dividiu em 16 etapas, para cumprir até fevereiro de 2020, um fim de semana por mês. O ponto onde terminou a etapa anterior é sempre o ponto de partida da seguinte para todos os que o querem acompanhar.
Funcionário público, Pedro Pimenta, de 52 anos, é já um veterano das caminhadas – durante mais de uma década, liderou a secção de Pedestrianismo do Clube de Lazer, Aventura e Competição (CLAC) do Entroncamento, onde reside. Num registo informal, de impressões e pensamentos soltos, partilha agora, no site da VISÃO, uma espécie de diário desta aventura pela costa, ao mesmo tempo que nos brinda com belas fotografias e vídeos dos locais por onde passa (também os pode ver no site do projeto Costa a Pé).
Este é o relato da nona etapa, entre Sesimbra e o Carvalhal, realizada nos dias 20 e 21 de julho.
sexta-feira, 19 de julho: Petiscar e deitar cedo
Mais uma etapa com companhia, sorte a minha. Encontro-me em Sete Rios com a Hortense, que já tinha feito uma etapa comigo, para apanharmos o comboio até Corroios. Mais uma vez, somos recebidos pelos amigos do Grupo Desportivo Unidos do Arco da margem sul. Depois de bebermos umas cervejas na sede do clube, com o Franclim e o Carlos Faria, vamos até à Casa da Elvira. Conversamos e petiscamos, eu, a Hortense, a Elvira e o marido, o Louro, que entretanto se juntam a nós. Ficamos jantados. Agradeço a hospitalidade, sempre com uma grande simpatia este casal. Deitamo-nos cedo para estarmos prontos de madrugada.
Despesas: Comboio Lisboa-Corroios – €2,75
Sábado, 20 de julho: Sesimbra – Setúbal, 30 kms
Às 6h30 da manhã estamos prontos. Como voltarei para dormir novamente em casa da Elvira, levo uma mochila pequena com material mais seletivo para percorrer a Serra da Arrábida. A Hortense, sempre bem-disposta, está ansiosa por começar. O Carlos Faria leva-nos até Sesimbra, mas antes passamos na estação de Corroios para irmos buscar a Elsa Mendonça, que tinha apanhado o comboio em Setúbal e chega radiante por estar connosco. Os transportes nesta zona são escassos e têm um horário um pouco tardio durante o fim de semana.
A boleia é perfeita. Em 25 minutos, estamos em Sesimbra, onde nos esperam o António Carvalho, o Luís e a Idalina, também eles já repetentes. Depois de um café, iniciamos a subida da encosta sul de Sesimbra. Um carreiro bem pisado, em serpentina, que nos leva até ao alto junto da estrada nacional. À medida que subimos, a paisagem torna-se majestosa, uma vista magnífica sobre o mar.
Guiando-me pelo GPS, seguimos em fila indiana, o caminho ladeado por arbustos robustos e agressivos ao contacto não dá para mais. Pequenas clareiras abrem acessos a miradouros feitos por quem ali passa para tirar fotos à imponência das falésias da serra do risco.
O dia está limpo e corre uma ligeira brisa, contrastando com trilhos mais resguardados onde se sente um calor sufocante. Lá em baixo, umas ruínas, possivelmente ligadas à arte da pesca de outros tempos. Já num estradão junto à pedreira, andamos mais em linha e a falar, entre todos, de coisas banais mas principalmente de locais visitados e de comida. Damos a volta pelo vale para evitar a serra do risco, que apesar de ter caminho este é um pouco penoso para quem faz uma distância destas mais longas.
Paramos para comer qualquer coisa. A Hortense já está a precisar de alimentos, pois já levamos três horas de caminhada. O resto do pessoal vai bem. A Elsa evoluí com muita calma, para ver se consegue chegar ao fim. Vai a apalpar o terreno. A comida não me cai muito bem, sento-me um pouco inchado e desconfortável.
O trilho começa a descer e a ficar tapado por arbustos. Estou abafado e não dá para estar ali muito tempo a verificar se existe continuidade. A opção é seguir outro caminho, quase vertical, com alguns obstáculos pelo meio, como árvores tombadas. O António vai na frente, eu mais para trás e com dificuldades em respirar. É o troço mais difícil até agora, quase que os pulmões me saltam pela boca.
O Luís e a Idalina fazem-me companhia, não está a ser fácil. Já no alto, na nacional, vou recuperando aos poucos. Mas o esforço deixara marcas em mim. Vamos pela estrada em direção ao Portinho da Arrábida, sempre com atenção aos carros. Estou deserto de parar um pouco e beber algo doce, sinto-me fraco. Para agravar as coisas, um desafio acrescido que vale a pena: descer até à Lapa de Santa Margarida.
Se descer já custa, começo a fazer contas ao esforço para subir. Sento-me junto ao Altar e o silêncio apodera-se de mim. Como umas barras de fruta e admiro a mística do local. A água do mar azul cristalina, só apetece mergulhar. Já lá em cima, depois de subir umas centenas de degraus, descanso um pouco. O movimento é intenso. Os automóveis têm que ficar afastados das praias. Logo, todos se deslocam a pé um bom bocado.
Avançando mais um pouco, numa das esplanadas da praia do Creiro está o bem conhecido, e companheiro destas andanças, António Araújo, que faz uma grande festa ao ver-nos. Também ele tinha ido fazer uma caminhada com um grupo e estava ali no convívio. Mais à frente, outro companheiro que não via há quase 10 anos, o Vicente. Acompanha-nos por uns quilómetros, sempre muito alegre e bem-disposto.
Estamos a caminhar pela estrada que passa em todas aquelas praias espetaculares e paradisíacas. Já nem me lembrava como aquela zona é lindíssima. É boa ideia acabarem com a circulação de carros naquela via, o perigo vem agora das motas que passam velozmente.
À nossa direita, mantém-se o paraíso de praias lindas de morrer e uma delas considerada uma das mais bonitas da Europa, Galapinhos. A Elsa acusa um pouco a distância e precisa de parar para comer. A Hortence caminha com calma, no seu passo certo, o António, recém-chegado de Santiago, vai cheio de ritmo. O Luís segue descontraído, mais a Idalina, a fazer-me companhia. Ainda paramos na Comenda para um reforço alimentar, já falta pouco. À entrada de Setúbal, o Vicente presenteia-nos com uma paragem técnica para bebermos umas cervejas tipo caneca que sabem que nem gingas. Muito rimos e conversamos de antigas caminhadas, do tempo em que uma caminhada de 40 quilómetros era coisa rara.
O tempo passa. Depois de uma despedida calorosa, cada um segue para o seu destino. O Vicente leva o António, o Luís e a Idalina a Sesimbra. Uns amigos do António dão-nos boleia até à estação do comboio, a mim e à Hortense. Por sinal uma viagem curta mas cheia de adrenalina. A Elsa está em casa, com ar fatigado mas satisfeita por ter terminado, tal como todos nós. Regressei a Corroios novamente para passar a outra noite em casa dela de Elvira.
Despesas: alimentação – €25; Comboio Setúbal-Corroios – €4
VEJA A GALERIA DE IMAGENS E O VÍDEO DESTE DIA:
Domingo, 21 de julho: Setúbal – Carvalhal, 28 kms
Mais surpresas para esta etapa. O Carlos leva-nos a Setúbal e acompanha-nos até ao Carvalhal. A Elvira faz questão participar. Com apoio, vai mais à vontade. Vamos direitos à sede do GDUA, pois o Franclim combinara com mais caminheiros aparecerem. Apesar de terem organizado e participado numa caminhada noturna no dia anterior, estão ali às 7 horas prontos para outra. Espetacular.
Seguimos rapidamente para Setúbal para apanhar o ferri. Tinha dormido bem e já tinha tudo preparado e arrumado no carro do Carlos Faria. Chegamos em cima da hora e ainda temos que correr de um lado para o outro, junto à marina de Setúbal. Finalmente no barco, atravessar o Rio Sado.
Logo pela manhã, é magnífico sentir toda a frescura, o cheiro e a paisagem com a Serra da Arrábida ao fundo. O barco é só nosso, todos muito alegres. Perspetiva-se um dia espetacular com pessoas amigas que se oferecem para me acompanhar em mais uma etapa: a Luísa, a Elvira, a Marta, o Franclim, a Ana, a São, o Joaquim, a Regina e a Bebe, grande equipa. Ao chegarmos a Tróia, esperam-nos mais três companheiros: o António Carvalho e o filho Hélder Carvalho, e ainda o Edu. Uma festa. Tanta gente com mais ou menos preparação, mas todos com o objetivo de terminar.
O percurso é um pouco atípico, sempre pela berma da nacional 261 até à Comporta. Muitos carros, o Sado acompanha-nos pelo nosso lado esquerdo. Não dá para falar muito, é um pouco penoso. Em fila indiana, vamos ganhando terreno a bom ritmo. O Carlos Faria aparece para nos acompanhar caso precisemos de alguma coisa. Alguns estrangeiros passam de bicicleta e fazemos o cordial cumprimento. O calor aperta.
O Hélder toma a dianteira, por vezes aternando com o António e o Edu. Puxam pelo grupo numa cadência certa. Uma vez na Comporta, entramos numa coletividade que tem umas bebidas bem fresquinhas, acompanhadas por umas belas sandes. É hora da bucha e aproveitamos para descansar antes de rumarmos ao Carvalhal. Estamos ali quase uma hora, a refrescar nesta simpática vila cheia de vida.
Alentejo à vista. Caminhamos mais um pouco pela estrada e saímos em direção aos arrozais. Passamos primeiro por uma zona de ecoturismo espetacular, com cavalos, yoga, uma panóplia de atividades à disposição. Passamos mesmo pelo interior da herdade, com a licença dos proprietários, que acham piada ao verem um grupo de caminheiros a passarem por um caminho de areia. Sim, inicialmente há muita areia ao longo de um lindo pinhal com sombras.
Começo a recear que alguém não aguente um pouco mais de esforço. Mais à frente, desviamos para os estradões dos arrozais. O grupo está um pouco aberto mas controlado. Ninguém pode desistir, a paisagem ajuda a fazer belos comentários. Um verde lindo, vivo, a contrastar com o azul do céu. Os canais de rega e as casas bem integradas fazem desta zona um paraíso. Muito calmo, excelente para a meditação. É assim durante mais de uma dezena de quilómetros de uma beleza singular. Até os insetos são diferentes e os pássaros mais belos. Impera o silêncio no grupo.
Estamos a chegar ao Carvalhal. Aldeia pitoresca com um toque muito especial de um turismo muito seletivo. Procuramos um toldo para nos sentar e refrescar. O Carlos também se junta e comemoramos o fim de uma etapa muito diferente das anteriores. Chagamos todos bem, é o que mais importa. De regresso, tenho boleia do António Carvalho e do Hélder até Alverca, onde apanho o comboio. Ajuda muito na previsão de chegada a casa, obrigado António.
O meu agradecimento a todos aqueles que se disponibilizaram a acompanhar-me, em especial ao Carlos Faria pela ajuda na minha mobilidade, tanto no sábado como no domingo, e à Elvira por ter cedido a sua casa para dormir nas duas noites, com mesa posta. Um bem-haja a todos.
Despesas: Alimentação – €20; Barco €5,70
VEJA A GALERIA DE IMAGENS E O VÍDEO DESTE DIA:
As 16 etapas do projeto Costa a Pé
1) 26 e 27 de janeiro: Monção – Caminha – Viana do Castelo, 47 + 27 kms
2) 23 e 24 de fevereiro: Viana do Castelo – Póvoa de Varzim – Porto, 53 + 42 kms
3) 23 e 24 de março: Porto – Ovar – Aveiro, 44 + 38 kms
4) 25, 26, 27 e 28 de abril: Aveiro – Tocha – Figueira da Foz – Pedrógão – Nazaré, 47 + 38 + 38 + 45 kms
5) 25 e 26 de maio: Nazaré – Peniche – Ribamar, 51 + 36 kms
6) 8, 9 e 10 de junho: Ribamar – Ericeira – Almoçageme – Cascais, 36 + 27 + 27 kms
7) 13 de junho: Cascais – Lisboa, 33 kms
8) 22 e 23 de junho: Trafaria – Meco – Sesimbra, 30 + 25 kms
9) 20 e 21 de julho: Sesimbra – Setúbal – Comporta, 30 + 28 kms
10) 24 e 25 de agosto: Comporta – Santo André – Porto Covo, 36 + 34 kms
11) 21 e 22 de setembro: Porto Covo – Almograve – Odeceixe, 35 + 37 kms
12) 26 e 27 de outubro: Odeceixe – Chabouco – Vila do Bispo, 35 + 31 kms
13) 23 e 24 de novembro: Vila do Bispo – Sagres – Lagos, 33 + 37 kms
14) 28 e 29 de dezembro: Lagos – Portimão – Armação de Pêra, 28 + 27 kms
15) 25 e 26 de janeiro de 2020: Armação de Pêra – Quarteira – Olhão 31 + 35 kms
16) 23 e 24 de fevereiro de 2020: Olhão – Cabanas – Vila Real de Santo António 35 + 25 kms