A pátria do iluminismo e dos direitos humanos é também o país em que os interesses económicos e geopolíticos, por norma, se impõem às condicionantes morais. Aquele que muitos consideram ser um dos maiores diplomatas europeus de todos os tempos, Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord, mais conhecido pelo seu primeiro apelido, passou quase meio século a afirmar que o seu único objetivo era defender a França. Fê-lo com distinção e brilhantismo porque serviu a corte de Versalhes (de Luis XVI e Maria Antonieta), depois os revolucionários que decapitaram o rei e a rainha, a seguir esteve ao lado de Napoleão e, por fim, conseguiu manter os seus bons ofícios junto dos dois soberanos que sucederam ao Imperador. “A traição é uma questão de datas”, dizia o aristocrata mulherengo que foi bispo, deputado, presidente da Assembleia Nacional, embaixador, ministro dos Negócios Estrangeiros e chefe de Governo.
Uma personagem que hoje dificilmente sobreviveria nos corredores do poder, em Paris. No entanto, se pudessem, alguns dos conselheiros do Presidente Emmanuel Macron talvez gostassem de pedir-lhe conselhos. O que diria Talleyrand do “ jantar de trabalho” que esta noite se realiza no Palácio do Eliseu, entre o chefe de Estado francês e o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman (MBS)? As organizações de direitos humanos, da Amnistia Internacional à Human Rights Watch, respondem e consideram inadmissível que o governante que diz pugnar pela paz e pela democracia, na Ucrânia e no mundo, aceite estender o tapete vermelho ao déspota esclarecido que mandou assassinar o jornalista Jamal Kashoggi, no consulado saudita de Istambul, em outubro de 2018. A guerra iniciada há cinco meses e a crise energética global parecem obrigar a doses industriais de pragmatismo e real politik. A União Europeia quer acabar com a tóxica dependência do gás e do petróleo russos, mas, para o conseguir, precisa de alternativas. A monarquia absoluta com capital em Riad é uma delas e há muito que tem laços estreitos com a Cidade Luz.